ACTIVIDADE PRODUTIVA EM ANGOLA ATÉ 1977

“Devemos promover a CORAGEM onde há medo, promover o acordo onde há conflito e inspirar ESPERANÇA onde há desespero”.

Nelson Mandela

POR: FORTUNA VICENTE 

A partir da obtenção da independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975, colocava-se a questão da realização de um diagnóstico à economia do país e elaboração de um subsequente plano de desenvolvimento. Existia uma base: o Programa Maior do MPLA. Tratava-se de saber se as condições económicas existentes, herdadas do colonialismo, permitiam a execução de tais linhas condutoras para o país se orientar para uma democracia popular e atingir o socialismo, conforme a opção pela criação de uma República Popular efectuada no decurso da proclamação da independência (Agostinho Neto 1975). Ainda havia um factor a considerar: o reacender da guerra, agora contra a UNITA/FNLA e as forças dos exércitos do Zaire e da África do Sul do apartheid. Nesta altura, tratava-se ainda da necessidade de criação de estruturas nacionais que favorecessem a estabilidade das famílias e a minimização dos diversos riscos de sobrevivência associados à guerra. Existiam ainda factores que condicionavam a organização da produção e a estruturação dos serviços administrativos do Estado e das empresas existentes: a sangria de quadros com a aproximação da independência e a iliteracia que abrangia a esmagadora maioria da população angolana. Como pontos considerados fortes, existiam Carlos Rocha (Dilolwa) e Saydi Mingas (Lutuima) na direcção do MPLA para orientar os caminhos a seguir, o primeiro com a experiência argelina…

Com estas condições, poder-se-ia, no mínimo, seleccionar as províncias do litoral e as do interior não afectadas pela guerra, com especial relevo para o eixo Luanda-Malange. A indústria de construção encontrava-se completamente parada. As indústrias transformadora e agropecuária passaram a depender da exploração do petróleo e das suas receitas. A própria guerra também dependia desta receita e da receita dos diamantes. Entretanto, desde a independência, iniciou-se a degradação do parque industrial em consequência da guerra, da falta de manutenção e mesmo, em alguns casos, do abandono a que foram deixadas algumas unidades produtivas, inclusive nas áreas agrícolas. A falta de horizontes para investimento nos sectores produtivos não petrolíferos, resultante dos condicionamentos impostos pela guerra e pelas conturbadas gestões económicas provocaram o desacelerar/bloqueamento abrupto do desenvolvimento do país.

Segundo Cristina Rodrigues, “de entre o que Ennes Ferreira considera constituírem os factores de cariz microeconómico que condicionaram o desenvolvimento da indústria angolana após a independência, destacam-se as dificuldades relativas à gestão do processo produtivo (aprovisionamento de matérias-primas; manutenção dos equipamentos industriais e assistência técnica, aprovisionamento de peças sobressalentes e de reposição; falhas no fornecimento de energia e água) e as dificuldades relativas aos recursos humanos afectos a estas actividades: a carência de quadros técnicos e de operários especializados, as insuficiências organizativas e de gestão, o absentismo dos trabalhadores (Ferreira, 1999: 465‐466).” Não nos podemos esquecer, bem entendido, do populismo barato da direcção do MPLA…

De entre os factores sociais mais abrangentes e gerais, destaca-se sem dúvida, e em primeiro lugar, o conflito armado cujas implicações negativas ao longo dos anos ainda produzem efeitos na actualidade. Em termos das infra-estruturas produtivas, os seus efeitos são os mais visíveis. A incidência da guerra nos diferentes contextos – urbanos, rurais, no Norte, no Sul, no litoral ou no interior do país –, sendo diferente e tendo produzido condicionalismos locais diferenciados, não deixou, entretanto, de influenciar de forma global a população – na sua estrutura e composição – e as próprias capacidades produtivas locais, a formação e a educação, a estabilidade familiar, a estabilidade residencial e as dinâmicas socioeconómicas locais. Embora existam estudos que apontem no sentido da atribuição de uma maior preponderância às políticas e medidas governamentais do que à guerra no que respeita ao declínio industrial angolano (Ferreira, 1999), é certo que o conflito angolano teve uma influência directa sobre os recursos humanos, sobre a sua qualificação, sobre as infra-estruturas físicas e sobre o funcionamento dos serviços.

No início dos anos 50 do século XX, a indústria angolana encontrava-se muito pouco desenvolvida e as unidades registadas nessa altura como industriais encontravam-se, na sua maioria, ligadas à produção agrícola e à pequena produção destinada a satisfazer as necessidades das populações urbanas (como as moagens, as padarias, as marcenarias, etc.). Possuindo um carácter essencialmente artesanal, estas unidades absorviam, em 1955, cerca de 30.000 trabalhadores e representavam três quartos do total da indústria angolana (Rela, 1992: 404). 

Fonte: adaptado de Rela (1992: 404) por Rodrigues (2006).

O «embrião do parque industrial» propriamente dito, na altura, era constituído por uma dúzia de unidades industriais representando menos de 1% do total que, exceptuando as refinações de açúcar, se situavam em Luanda (Rela, 1992: 405). Altamente dependente das indústrias agrícolas de exportação, Angola manteve-se durante vários anos pouco desenvolvida em termos industriais fora desse sector, incluindo no quadro das indústrias de apoio e transformação da produção agrícola.

Fonte: adaptado de Rela (1992: 405) por Rodrigues (2006).

O número de indústrias registadas em Angola em 1962 evoluiu para 2.057 e, no grupo das indústrias não ligadas às actividades do primário, aumentou de 12 para 19 unidades, sendo implantadas as novas indústrias indicadas no Quadro 3. 

Fonte: adaptado de Rela (1992: 405‐406) por Rodrigues (2006).

A partir da guerra de guerrilha movida pelos movimentos de libertação nacional em 1961 e até 1973, a produção industrial angolana cresceu a um ritmo bastante elevado – cerca de 15% ao ano – e em 1973 a produção industrial encontrava-se ligada à indústria ligeira, concentrando-se no ramo da alimentação (27,4%), das bebidas (11,3%), dos têxteis (12,4%), da indústria química (11,7%) e do sector metalomecânico (6,4%). Por altura da independência, a indústria transformadora angolana era constituída por 3.846 empresas que integravam cerca de 200.000 trabalhadores (Ferreira, 1999: 330). Existe ainda um trabalho, cuja localização é desconhecida, elaborado em 1974/75 por um indivíduo de nome José Vale, que contem as empresas existentes e suas ligações.

O que foi caracterizando a indústria angolana foi o recurso à importação de produtos semi-acabados e de matérias-primas (50%) que a tornou altamente dependente do exterior; o predomínio das actividades de pequena dimensão e tecnologia pouco desenvolvida, voltadas para o mercado local; a utilização de força de trabalho intensiva; a grande concentração em Luanda (Rela, 1992: 408‐409). 

«… problemas inerentes ao processo de elaboração dos planos para a indústria transformadora, os bloqueamentos e as ineficiências derivados da direcção centralizadora das actividades das empresas industriais, a inconsistência e a inadequação das medidas de política económica destinadas a apoiar e estimular a recuperação da indústria transformadora…» (Ferreira, 1999: 400). 

A incapacidade e o pensamento exclusivamente politico constituíram factores determinantes para o desenvolvimento negativo da economia angolana, apresentando-se a guerra como factor condicionador mas não determinante.

Após a independência, quase todos os empreendimentos industriais foram confiscados e nacionalizados, formando-se unidades económicas estatais (UEE), algumas delas integrando as antigas unidades industriais do mesmo ramo que haviam sido confiscadas (Ferreira, 1999), o que tornou o sector estatal dominante em termos da indústria transformadora existente. Os dirigentes do movimentos de libertação nacional, independentemente da organização a que pertenciam, quando chegaram às cidades após o 25/04/1974, não tinham a mais leve noção do estado da economia em Angola, nem tão pouco do estado das estradas. E trataram de maltratar a juventude nacionalista e já com formação académica respeitável. Trataram mesmo de destruir a sua capacidade organizativa e, à época, nada realizar em sua substituição.

Em Luanda, a actividade industrial desenvolveu-se desde muito cedo. Após a Segunda Guerra  Mundial, o aumento da importância do porto de Luanda (que passa a fazer concorrência com o maior porto existente até à data, o do Lobito), associado ao incremento da actividade comercial, tornam Luanda um local atraente para a implantação de indústria. O capital investido nestas actividades durante este período torna-se mais substancial, expandindo-se as actividades na indústria cimenteira, têxtil, cervejeira, extractiva e refinação de óleos, e apareceu um maior número de pequenas indústrias e unidades de produção de artesanato (Amaral, 1962: 75).

Uma bússola era necessária para a orientação da economia. Essa existia desde os tempos da fundação do MPLA (que detinha o poder): o Programa Maior. Havia que determinar se em Angola, na República Popular de Angola, existiam condições para executar de imediato ambicioso programa. O que estava previsto aqui? Relativamente à Reconstrução Económica e Desenvolvimento da Produção, entre outros, indicamos os ponteiros da bússola: “transformação de Angola num país economicamente independente, industrial, moderno, próspero e forte; desenvolvimento da agricultura visando essencialmente a sua diversificação e a liquidação da monocultura, o aumento progressivo da produtividade agrícola e da tecnicização progressiva do trabalho do campo; criação progressiva de indústrias pesadas e ligeiras, orientando-se estas para a produção de artigos de consumo corrente do povo; desenvolvimento intensivo das relações económicas entre a cidade e o campo…”.

O que foi realizado então? A 11 de Novembro d 1975, com a opção estratégica de construção de uma sociedade socialista (3ª Reunião Plenária do Comité Central do MPLA, 1976), a economia passou a estar centralizada num único agente: o Estado (Ferreira 2002). Foi também um período de esperança e entrega pela construção de um futuro melhor, tanto pela geração que se dedicou à luta contra a execrável politica colonial como pela juventude recém integrada na luta pelas transformações necessárias à obtenção deste objectivo.

Com a destruição das infra-estruturas do país e das suas estruturas económicas (Ferreira 1993-1994; Ferreira 2002) hipotecou-se o futuro. Para agravar, a ala social-democrata do MPLA executou um golpe de estado a 27 de Maio de 1977, com um grande cortejo de assassinatos, que forçou os angolanos a uma perda de esperança e a uma alienação agravada pelo consumo exagerado de bebidas alcoólicas. Instruíram-nos, entretanto, a reverenciar os heróis que nos foram impostos, a substituir a produção e a aprendizagem pela candonga e corrupção, sem se criar condições para que as pessoas possam ser responsáveis pelas suas próprias acções, não se valorizarem pelos bens materiais que possuem, a cultivar o conhecimento e não o comprar, que a corrupção tudo consome (Liberato 2014).

À guisa de conclusão, como não existiu vontade política de resolver as questões candentes para realizar a esperança das populações de Angola, mormente as mais desfavorecidas, resta-nos lembrar a sabedoria milenar japonesa e pensar, antes de mais, na saúde, respirar fundo e, carinhosamente, dizer a palavra japonesa de perdão: “Tomanoku” (anónimo 1977).

“De tanto perder, aprendi a ganhar. De tanto chorar desenhou-se o meu sorriso. Conheço tão bem o chão, que só olho para o infinito. Cheguei tantas vezes ao fundo que, cada vez que descer, sei que amanhã subirei.  Espanta-me tanto o ser humano, que aprendi a ser eu mesmo. Tive que sentir a solidão para aprender a estar comigo mesmo e saber que sou boa companhia. Tentei ajudar tantas vezes os outros que aprendi a pedir ajuda. Tentei sempre que tudo fosse perfeito, que aprendi que tudo é tão imperfeito quanto deve ser, incluindo-me. Faço apenas o que preciso, da melhor forma que possa, e os outros que façam o que quiserem. Vi tantos cães a correr sem sentido que aprendi a ser uma tartaruga e apreciar a rota. Aprendi que nesta vida nada é certo, excepto a morte. Por isso desfruto do momento e do que tenho. Aprendi que ninguém me pertence e que estarão comigo o tempo que pretendam e devam estar. E quem estiver interessado em mim mo faça saber a cada momento e seja em que circunstância for. Que a verdadeira amizade, se existe, não é fácil encontrá-la. Que quem te ama te mostrará sempre, sem que lho peças. Que ser leal não é uma obrigação, mas um verdadeiro prazer… Isto é viver! Aprendi a viver e a desfrutar cada detalhe. Aprendi com os erros mas não vivo a pensar neles, pois pode haver neles uma memoria amarga que te impeça de seguir em frente, porque há erros irremediáveis. Feridas fortes nunca se apagam com o coração. As melhores coisas da vida acontecem quando menos se espera. Não as procures. Elas virão encontrar-te. O melhor está para acontecer!”. (Jorge Luís Borges)

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