A análise do percurso histórico das sociedades tem demonstrado que existe uma relação entre progresso social e a tomada de medidas de política incentivando a educação. Na antiguidade, o esplendor da civilização grega foi atribuído ao desenvolvimento das ideias, da ciência e das artes; na Idade Média, o desenvolvimento do império normando, no sul da Itália, foi atribuído às medidas de política tomadas por Frederico II que, para além de patrocinar o desenvolvimento das artes e da ciência, criou a primeira Universidade pública da Europa, em Nápoles, em 1224; mais recentemente, na Inglaterra de meados do século XIX, a expansão da rede pública de educação teve um papel fundamental na alteração da estrutura ocupacional e na construção de cidadania, através da ampliação dos direitos civis. No século XX muitos foram os países, nos diversos continentes, que conseguiram ‘descolar’ do estado de pobreza em que se encontravam, através de um processo de modernização ancorado em fortes investimentos no seu capital humano: Noruega, Malásia, Ilhas Maurícias e Uruguay, entre outros(1).
Estas referências estão relacionadas a processos sociais que marcaram definitivamente o facies das sociedades que os operaram: o investimento em capital humano conduziu à eliminação (ou redução substancial) da pobreza e permitiu avanços significativos na redução das desigualdades sociais antes prevalecentes. A evolução do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) demonstra esses ganhos nessas sociedades, e poderia servir de inspiração a outros países, nomeadamente Angola, para a adopção de políticas públicas em diversas áreas, visando a eliminação da pobreza e das desigualdades sociais, e a construção de cidadania num ambiente de modernização da sociedade sem, contudo, perder as suas raízes; pelo contrário, inspirando-se nelas.
A Ciência não se limita às ciências exactas e aplicadas, abrange os demais domínios do saber que tratam das relações humanas, da ética, da cultura, da educação, enfim, todo o conhecimento nascido do exame sistemático e cuidadoso dos temas referentes à vida, ao Ser Humano, ao seu meio e ao Ambiente em que vive. Aliás, só assim podemos falar de um conceito de Universidade no sentido da universalidade do saber. E da tradição da Universidade enquanto instituição secular (autónoma em relação à igreja) e republicana (autónoma em relação ao governo). A Conferência Mundial sobre Educação Superior no Século XXI (UNESCO/1998) alertava: (…), a educação superior deve visar a criação de uma nova sociedade não-violenta e não-exploradora, formada por indivíduos altamente esclarecidos, motivados e integrados, inspirados pelo amor à humanidade e guiados pela sabedoria(2).
Angola não seguiu este caminho. Pelo desinvestimento, pelo esvaziamento de relevância, de sentidos e de conteúdos, pela desvalorização social da educação e dos educadores (a todos os níveis), pela mercantilização, entre outros descaminhos, vai seguindo o caminho da ignorância.
A Universidade só terá reconhecimento social no dia em que, humildemente, se despir dos seus rituais vazios e isolados, deixar de ser uma fábrica de entregar diplomas para se tornar num laboratório de estudo da sociedade, aberta ao diálogo, reconhecedora e agregadora de outras formas de conhecimento, interventiva e produtora de soluções socialmente adequadas e ambientalmente equilibradas.
Mas para ser uma Universidade assim é preciso que sejam institucionalizadas as condições para o financiamento e a capacidade de produzir ciência e conhecimento, sérios, responsáveis e comprometidos, também com agendas académicas internacionais.
Nesse sentido, e considerando o papel da Universidade, das Ciências Sociais, Humanas e Ambientais, na construção de uma Agenda de Futuro para Angola, importa promover a solidariedade e a interdisciplinaridade primeiro dentro da Universidade e, depois, entre esta e a sociedade, a economia, os poderes instituídos, num amplo processo de debates públicos visando: a) a construção social de uma visão de sociedade que queremos ser – plural, democrática, solidária, livre, da paz; b) a discussão dos objectivos a alcançar e dos meios a seguir; c) a identificação dos domínios de conhecimento e a realização das análises e estudos que contribuam para obter os melhores resultados aos menores custos sociais, económicos e ambientais; d) a monitorização e avaliação dos resultados, identificação das correcções de rota e dos passos seguintes.
E esta relação fundamenta-se na função social da Universidade, que é tripla: ensino, pesquisa e extensão. Esta última, a extensão, diz respeito à acção da universidade voltada para a comunidade em que está inserida. É uma forma de estender a universidade para além das fronteiras tradicionais da academia. Os seus objectivos passam pela produção e difusão de conhecimento, tornando-o acessível ao público em geral. Mas é, também, uma forma de articular, de agregar as diversas formas de produção de conhecimento, da academia e da sociedade, em resultado das vivências e experiências em busca das respostas às necessidades sentidas pelas pessoas e suas comunidades.
Esta articulação das formas de produção de conhecimento gera justiça social, aprofundamento da democracia, redução das tensões sociais, inovação e criatividade na transformação dos problemas em soluções, das necessidades em oportunidades e das aspirações em realidades. Como resultado da participação e da inclusão de mais ‘saberes e fazeres’, conseguir-se-á uma melhor compreensão das realidades sociais, das suas potencialidades e necessidades, e uma base mais adequada para a formulação de políticas que sejam, de facto, públicas. Acima de tudo, gera uma Universidade que cria a sua ‘marca’ ao aprender a ser diversa, alternativa, plural, colectiva, localmente útil e globalmente reconhecida pela qualidade do conhecimento que produz e das soluções que propõe.
26 Julho 2023
(1) Recuperação de ideias já desenvolvidas em “Educar para Eliminar a Pobreza. Reflexões sobre educação em Angola”. Revista Internacional de Língua Portuguesa, 2, pp. 73-89, 2001; e Ciência e Sociedade, Um convite è reflexão (Nov 2011)
(2) UNESCO, World Conference on Higher Education in the Twenty-first century: Vision and Action. Paris, 1998
Sobre a autora:
*Cesaltina Abreu é cientista social. Graduada em Agronomia, com Especialização em Botânica e Protecção de Plantas pelo IAC (International Agricultural Centre), Wageningen, Holanda (1975), detém vários títulos académicos com uma investigação conduzida na intersecção entre a Sociologia Política e o Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Newcastle, no Reino Unido, com o tema “Contribuição das Ciências Sociais para os programas de doutoramento do CESSAF (Centro de Excelência em Ciências para a Sustentabilidade em África)”.Fez mestrado e doutoramento em Sociologia, pelo IUPERJ – Rio de Janeiro, Brasil.