VEGETANDO POR AÍ…
Ter um Chefe do tipo daquele ancião brasileiro, que diz “que a fome não é falta de dinheiro, mas falta de vergonha”, dava-nos um grande jeito, porque o que nos falta, de facto, é liderança. O Chefe que temos, até quis ser um reformador. Mas parece um bulldozer que por onde passa derruba tudo. E parece estar nem aí…
Num mês setembrino como este, há quarenta e cinco anos, o Chefe do Chefe acordou Chefe, porque o primeiro Chefe foi-se. Sabe-se, que nunca se fez ao cargo, mas como bom militante, naquele contexto de grande exigência revolucionária, e já que insistiam, aceitou substituir o Chefe despachado em (ou por?) Moscovo. E mesmo não querendo, exerceu a chefia por longevos 37 anos. A determinada altura, e ainda havia guerra, predispôs-se a sair, mas o exército de fiéis e comensais à sua volta, mostrou-lhe a inconveniência e os perigos inerentes. Para os comensais e animadores da corte, é claro. Até que, sentindo-se velho e já cansado, deu um basta. Mas antes de sair pelo próprio pé, indicou outro Chefe, que saltou de felicidade ao saber da decisão do seu Chefe, porque há muito se fazia ao bife. Mala pata do Chefe, porque daí para frente, foi de uma ingratidão que inveja Lúcifer.
Diz quem com ele conviveu (escrevi conviveu, porque no presente, a quase totalidade dos bons amigos que o Chefe tinha foram simplesmente descartados) que à pergunta sobre o seu futuro político, mesmo no período em que foi admoestado por manifestar disponibilidade para substituir o seu Chefe (o filme tem com ele próprio continuação), respondia sempre levantando a mão direita, e com o indicador, apontava para o céu. Como que a dizer: “O meu lugar é lá em cima, no poleiro ocupado pelo meu Chefe”. E não é que a sorte o ajudou mesmo? Aliás, a sorte protege sempre os maus e os pecadores. E por isso é que o inferno está cheio de audaciosos enquanto o céu cada vez mais vazio, o que é mau para o equilíbrio quando há eleições, porque o mau vence o melhor por maioria de votos. Não por ser merecedor mas por alterar as regras em seu favor. Mas o que não ajudou mesmo, foi o novo Chefe trair a confiança do seu Chefe, transformando essa ambição, que até era legítima, num projecto de vingança. E ferrou-se! O pior para ele continua por vir. Por isso está intranquilo, dorme pouco e acorda irritado. Sente as vezes muito calor, frio e até arrepios. Tem medo. Como quando não se está bem com a consciência, quem paga é o coração e a carcaça, de certeza que haverá tempestade e maiores dissabores se esperam para todos nós! Por exemplo, mais impostos. Por que não?
Mas, apesar de doente, lá fez mais um derradeiro esforço para voltar a Hollywood, em companhia da Chefa, a bordo daquele palácio aéreo que compramos para ele, que tem dentro o mesmo conforto que instalaram na Alta Cidade. Até uma banheira com hidromassagem para relaxar o Chefe, porque trabalha muito.
As férias que gozou recentemente, no país onde o seu Chefe foi ‘despachado’, serviram de tónico reparador. E não havia na agenda melhor oportunidade para voltar a brilhar num grande palco, como participar na 79.ª Assembleia Geral da ONU. Apenas coincidências, mas foi como caviar russo, champanhe francês e a cereja no topo do bolo. Não sei, mas qualquer coisa me diz, que a próxima viagem do Chefe, na companhia da Chefa, será para o Nepal porque lhe falta no curriculum de o viandante angolano mais célebre, o acto de bravura de escalar o Monte Evereste. Ou talvez a Gronelândia, andar de snowmobile para atrair investimento, ou para que famílias abastadas de esquimós venham a Angola passar férias e gozar o nosso sol.
Mas, deixemos o Chefe viajar em paz. Ele gosta, ele quer, ele pode e o Estado exige por vezes esses sacrifícios. Constitui uma boa oportunidade para rever velhos e novos amigos/aliados. E é bom estar sob o foco dos holofotes. Temos só é que pagar a factura. Não o contrariem… senão ainda fica irritado e quando o Chefe se irrita, exonera ou manda que nos fuzilem com disparos da nova AKA.333 do Código Penal. Então, é melhor pagarmos só as despesas.
Sobre mais essa histórica e indispensável viagem de Estado do Chefe a Hollywood, após ter sido acometido por um certo mal-estar provocado por uma onda de irritação, face a atitude de alguns históricos que resolveram ‘mijar fora do penico’, que deve ter custado uma fortunazinha aos cofres públicos quando, provavelmente, podia ser resolvido com sais de fruta, já se sabe tudo. Mas aquele é um palco para grandes artistas. Por exemplo, para aquele maluco e cangonheiro do Zelensky, que transforma o seu povo em carne picada para os hambúrgueres do aglomerado de lojas Biden & Cia. E pela terceira vez, não conseguiu superar Santo António, que preferiu voltar-se para a audiência de peixes porque os humanos não lhe prestavam atenção.
O Chefe discursou para uma plateia cheia de cadeiras vazias. É claro que não podia ser melhor, porque o discurso, entregue antecipadamente ao secretariado da conferência para tradução, e pensando que, como nas reuniões do partido, seria adaptado como documento de estudo, afinal, teve outro efeito. Foi como acender uma caixa de dragão chinês para afugentar os mosquitos. Mas também, quem lhe manda não ser humilde, capaz de reconhecer as suas falhas e de perceber que no concerto das nações, só faz mesmo show aqui na região? Ir lá dizer que o combate a corrupção está a ser um êxito, quando já sabe que é no seu hemiciclo onde estão acomodados contrabandistas de combustível, no mínimo é hipocrisia. O pior é que também estão lá, os denunciados pelo Man Genas e não tarda, mesmo após apagado, alguém vai dar-lhe razão. Contudo, pedir que os outros façam o que lhe falta fazer no seu país, só porque foi agraciado com o título de “Campeão da Paz dos Outros” foi longe demais. Porque lá no outro mundo, também chega informação que dá conta que tem postura de um Chefe que promove a tirania, a exclusão e prisões arbitrárias por exercício de actos de consciência. E ainda escolhe quem dirige o parlamento, os órgãos representativos da mais alta magistratura judicial e todos os órgãos castrenses. Comanda tudo, nada lhe escapa. Até nos espanta, que não sabia do negócio do contrabando do combustível. E uma vez mais, pagamos a factura. Lembram-se dos argumentos para justificar que pagássemos mais pelo litro de gasolina e de gasóleo? Pois afinal, os comilões estão lá no alto, e um deles até comprou recentemente nos arredores de Lisboa, um apartamento por cerca de um milhão de euros.
Como diz o adágio, “um mal vem sempre acompanhado”. Para demonstrar que manda, que também tem power, desembarcou em Hollywood no jatão de 300 milhões de dólares, enquanto o seu povo passa fome e se alimenta do lixo. E num tom petulante, apelou aos outros que estão melhores que ele e que nós, para implementarem acções que visam a erradicação de todas as formas de pobreza. Não há dúvida que exagerou na dose. E logo em Hollywood, um espaço que pertence a todos, mas onde ninguém é obrigado a ouvir ou aceitar insultos. Até se pode engolir em seco. Mas, ainda assim, com vaselina. E essa foi mais uma trincada do Chefe. Porque gasta mal o que o país arrecada e recebe emprestado, mas pediu aos outros, a necessidade de consensos para a reforma da arquitectura financeira e da dívida mundial. Atentem só para o que o Chefe disse: “Na nossa investida em torno da construção de um futuro sustentável para todos, devemos também colocar como ponto importante o incremento da luta a favor da erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, que é o maior desafio global do nosso tempo e um requisito indispensável para alcançar o desenvolvimento sustentável, a segurança alimentar, o acesso à energia, a conectividade digital, a educação, o emprego e a protecção social”. Inspiração eivada de insulto a nossa passividade. Há limites mínimos aceitáveis. Assim também, não?
Mas nesse brilhante discurso esmiuçado com grande elevação pelos habituais analistas residentes nas tpas, descobrimos que, afinal, o Chefe sabe que não se podem (ou não se devem?) realizar ambições comuns para o futuro, “sem colocarmos as pessoas mais pobres e vulneráveis, no centro das acções e garantirmos, desta forma, que nenhum ser humano ou país, fiquem para trás”. Oh! O Chefe sabe disso? Esse é exactamente o Chefe que gostaríamos de ter, mas não temos. Um Chefe tipo aquele ancião brasileiro, que começou sindicalista, mas mete no chinelo todos esses cartolas que rodeiam o nosso Chefe, com palavras e com actos. Ele disse, por exemplo, numa grande audiência pública com o magnata Bill Gates realizada em Nova Iorque, “que a fome não é falta de dinheiro, mas falta de vergonha”. E acreditamos que sim. Então se há dinheiro para comprar avião, carros e para principescos subsídios de atavio, como não haver para dar de comer esse exército de famintos, para aumentar pensões dos antigos combatentes e para satisfazer as necessidades básicas dos hospitais? “Falta de vergonha” sim, Chefe.
Infelizmente, com tudo para dar certo, excluindo a qualidade do poder, transformaram Angola numa tragicomédia, que até já tem guião para um filme hollywoodiano. Só que, até agora, nenhum director aceitou a proposta para dirigir as filmagens, porque os custos de produção, para além de serem altíssimos e não haver retorno de bilheteira, acham que nós angolanos somos loucos. Porque aceitamos todos os sacrifícios. O Chefe ainda mandou um enviado convencer Steven Spielberg, vencedor de quatro Óscares e director de filmes que já arrecadaram cerca de dez mil milhões de dólares. Mas o homem não aceitou! Foram a Itália e tentaram com Federico Fellini. Nem sequer aceitou receber o guião para dar uma vista de olhos. Ficou todo arrepiado e indignado, porque um embaixador do seu país segredou-lhe certo dia, que o financiador anda pelo mundo num jatão de 300 milhões de dólares, desloca-se em carros dos mais confortáveis do mundo em estradas esburacadas, mas a sua população vive na miséria. Talvez agora com a cunha do PCA de Hollywood que visitará Angola, se consiga alguém. Estão a pensar em Francis Ford Coppola, produtor, roteirista e cineasta de renome, que produziu a trilogia O Padrinho (I, II e III), Patton, Apocalypse Now, Drácula de Bram Stoker, Napoleão e Megolopolis. Mas também, o Poder da Justiça e o Poderoso Chefão, de um total de cerca de 50 filmes. A maior dificuldade será, talvez, contratar Al Pacino. Está já com 84 anos, e o que quer é paz e tranquilidade. Tal-qualmente nós, mas não temos, e a responsabilidade é do “reformador económico”.
Voilà Chefia!
ATT: Termino esse meu estado vegetativo, com um legado de Amílcar Cabral, que será o início da minha próxima ibernação, onde também renderei homenagem ao poeta nacionalista António Jacinto. Adorei esse mais-velho, um dos melhores brancos/pretos que o nacionalismo pariu. Quer um, quer outro, nasceram em Setembro (12 e 28) de 1924. Completariam agora o centenário. Amílcar Cabral disse:
“Lutamos para construir, nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, nas ilhas de Cabo-Verde, em S. Tomé, uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou, para a felicidade dos homens. É para isso que lutamos. Se não o conseguirmos, teremos faltado aos nossos deveres, não atingimos o objectivo da luta”.
Excelente escrita e pensamento patriótico