A QUESTÃO DAS (IN)CAPACIDADES NA ECONOMIA ANGOLANA

Será este modelo pura retórica? Não, não é. É um ensaio que, perante a inevitabilidade de erros derivados de uma má escolha, apresenta um gráfico da exponencialidade dos custos acumulados de nomeações infelizes.

VICENTE LEITÃO*

Para que fique claro: a nossa incapacidade afecta o nosso desempenho. Em todas as áreas e frentes. Se no conjunto daqueles que lutam pelo desenvolvimento da economia nacional, ocorrerem desempenhos menores fruto de incapacidades de quem trabalha, este desfecho mutila e atrasa o processo da nossa evolução. Não tenhamos dúvidas. Quanto maior for o número de incompetentes e mais acentuadas as suas incapacidades na gestão da “coisa pública”, maiores custos sofrerá o país.

A situação económica actual de Angola é preocupante e atroz. Porém, jamais se ouviu uma voz, levantar-se e dizer: tenho quota-parte de culpa neste desfecho. São sempre factores externos, factores gerados de fora para dentro, sempre os outros (até já ouvi falar em Deus, como causador das nossas desgraças). Nunca e já lá vão 40 anos de expectativa, ouvi um responsável bater com a mão e assumir: “errei, originando situações de prejuízos para todos”. Nós dizemos: falhou porque utilizou as suas incapacidades para gerir incompetentemente os activos que lhe foram confiados.

Comecemos com um exemplo simples: o que conduzirá o Titular do Poder Executivo a nomear para presidente de uma determinada empresa pública, um indivíduo com incapacidade para conduzir a “nau a bom porto”? Será que o perfil do escolhido foi adulterado? O sistema de informação que lhe fornece os dados, não fez o trabalho devido? Ou então, o perfil do cargo a ocupar, não foi estabelecido criteriosamente? Ou ainda e mais grave para todos nós, foi o menos mau, ou seja, do conjunto dos potencialmente elegíveis, o escolhido era o menos incapacitado!

Continuando a raciocinar no domínio da esfera pública, esta questão do escolhido ser o menos incapacitado de um dado conjunto, pode revestir-se de particularidades infames, pois se o universo dos potencialmente elegíveis tiver (por exemplo) sido determinado por vectores anti-nacionais (religião, região de nascimento, ramos familiares, genuidade, etc.), diminuindo drasticamente o espectro da escolha, podem ocorrer desfechos como o acima referido: “foi o menos mau”.

Apesar de sermos mais de 36 milhões, ainda somos muito poucos para realizar com sucesso os trabalhos que temos pela frente. Então porquê restringir o universo da escolha? Cultivando-se a vaidade, a bajulação, a falta de rigor, praticando-se o princípio que “Deus é angolano”, agindo no esquecimento que os erros públicos que agora são cometidos irão afectar os nossos descendentes até à enésima geração, estamos a hipotecar o futuro de milhões de angolanos, pois a magnitude dos atingidos é directamente proporcional à esfera de acção do cargo desempenhado.

Contudo, a escolha da pessoa errada para um dado lugar reveste-se de uma vertente surrealista e algo sádica, pois se me rodeio de incompetentes/incapazes, o fruto (os proveitos) do meu trabalho será irremediavelmente afectado pelas contribuições menores desses meus colaboradores. O balanço da minha actividade, num dado espaço de tempo, ficará aquém do possível, sendo esse afastamento e distanciamento, determinado por duas ordens de factores: (i) número de incompetentes/incapazes agregados à minha função e (ii) grau de incompetências/incapacidades desse conjunto de incompetentes. Note-se que a matéria das incapacidades nada tem a ver com a bondade das pessoas e por outro, posso ser incapaz para uma dada função e sobredotado para uma outra. São esferas distintas, não comparáveis e bem distintas. À economia não interessam boas pessoas, mas sim bons gestores.

Agora pergunta-se: que vantagens irei recolher se me rodeio de incompetentes, ou seja, de indivíduos dotados de incapacidades para as funções a desempenhar? Tendo sido presidente de uma empresa pública, que vantagens irei obter rodeando-me de incapazes ou seja de incompetentes? Toda a minha actuação e os resultados a obter, ficarão fragilizados e aquém do possível. Fragilizados nos prazos, na consistência e nos efeitos.

Importa realçar que a medição das incapacidades de uma determinada pessoa para ocupar um dado cargo, é, há muito, matéria tangível e ao alcance de técnicas de complexidade média, ou seja, a medição das capacidades/incapacidades não tem nada de sobrenatural. Sobrenatural será rodear-me de incapazes e esperar gerar bons resultados.

Sendo indubitável que os recursos humanos de um dado país, são o seu activo mais valioso (há anos que nos esquecemos disso), revela-se aviltante que por razões absurdas, uma franja de pessoas seja afastada por não reunir determinados predicados.

Em que medida esta questão se reveste de conteúdo económico? Muito, mas mesmo muito, pois todas as decisões têm, pelo menos, uma vertente desta natureza, dotada de duas faces, em termos de incidência: a dos proveitos e a dos custos. Têm ainda outras vertentes (políticas, sociais, de oportunidade, etc.), mas nesta matéria, é a económica que interessa neste artigo.

Quanto maior for o desfasamento negativo entre as características exigidas para um determinado cargo público e as valências proporcionadas pelo seu ocupante, maiores são os custos suportados, ou por outras palavras e numa esfera macro, maior será a fatia das nossas contribuições (impostos e outros proveitos orçamentais) que será absorvida para colmatar as consequências dos erros que o escolhido cometerá, de forma mais ou menos imprudente.

Na esfera privada sucede algo semelhante: a escolha de um director com um perfil aquém do necessário, acarreta diminuição de resultados, atrasos no cumprimento de objectivos, deterioração acelerada de activos, etc., etc. – com reflexos no capital investido e …. na vida dos cidadãos, pois menores resultados, significa menor colheita de impostos e assim menos receitas disponíveis no Orçamento de Estado.

Designando taxa de incapacidade como o percentual entre as características necessárias a um determinado cargo e as características do “escolhido”, no gráfico seguinte, aponta-se a relação média entre diferentes taxas de incapacidade e os custos que as mesmas acarretam, evoluindo os custos de forma exponencial; se para uma taxa de incapacidade de 15%, os custos indevidos forem de 1 milhão de USD, para uma taxa de 35%, esses custos já ultrapassarão os 2,3 milhões, pois a variação não é homóloga: um dado erro na gestão, tem uma taxa de indução superior a 1, por via do perfil da psico (agravado no nosso caso, pela inexistência efectiva de penalizações) do gestor e do efeito multigeracional das esferas da decisão:

Será este modelo pura retórica? Não, não é. É um ensaio que, perante a inevitabilidade de erros derivados de uma má escolha, apresenta um gráfico da exponencialidade dos custos acumulados de nomeações infelizes.

Infelizes dos pacatos cidadãos que vão ter de suportar os custos daquela decisão errada e felicidade para os escolhidos, pois é frequente que no rol dos erros cometidos, figure apropriação indevida de recursos, acesso indevido a benesses, usufruto de regalias autoatribuídas, etc.

É aqui que está outro nó górdio desta problemática, pois é comum assistirmos a demissões e nomeações em catapulta, como se uma nova nomeação, pudesse regularizar a situação, ou seja, os custos derivados dos erros cometidos pelos demitidos, serão automaticamente anulados por essa nova nomeação! Nada disto acontece: nós, a grande maioria que não tem voz, na qualidade de contribuinte fiscais silenciosos (por via do I. Selo, do IVA, do IRT, etc.), vai carregar e suportar os custos cometidos pelo gestor público demitido, ao terem sido realizados gastos públicos desnecessários.

Já pensou na seguinte questão: quem suporta o diferencial de despesa pública, derivado do facto de um determinado serviço público ter 100 funcionários em vez de 70? (e não estamos a pensar nos fantasmas, nos que permanecem em casa ou noutra actividade, mas figuram nas folhas de salários da Função Pública). Resposta: somos todos nós, a tal massa de contribuintes anónimos (mas com NIF) que tem carregado às costas e no silêncio, os custos dos erros das nomeações erradas. Sabia que a nossa Administração Pública paga salários a mais de metade do pessoal necessário? Sabia que existe hoje uma nova profissão no léxico das classificações profissionais: “dar nome”, para ser inscrito numa determinada folha salarial de uma instituição pública, recebendo o “dar nome” 30% e o “inscritor” 70%? “Maravilha”!

Outros exemplos aplicados à nossa causa: quem suporta o diferencial da despesa derivado da decisão de se adquirir viaturas de luxo em detrimento de veículos utilitários para transporte de funcionários públicos? Quem suporta o leque generoso dos subsídios pagos a determinadas classes de funcionários públicos? Alguns (os incautos) responderão: o OGE? Resposta louca, camaradas e companheiros: somos nós. São os nossos impostos que proporcionam as receitas do OGE, é o nosso petróleo que alimenta grande parte da máquina pesada do nosso Estado (não falo em diamantes, pois em tempos, fiz o balanço cambial deste sector e era negativo há 3 anos consecutivos, ou seja, Angola gastava mais recursos cambiais dirigidos a produzir diamantes do que a exportá-los!). Nada disto acontece por “obra e graça de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo”. Isto deriva da incompetência.

Mas será que Angola, este país fantástico e maravilhoso, é um país de incompetentes? Nem pense nisso. Raciocine.

*Economista e consultor

Fonte: O Telegrama

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR