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“Sim, o caminho para a plena cidadania, não tem volta…”
Autor anónimo
Não estava nos meus propósitos abordar hoje e aqui esta questão. Deixei de ser membro do MPLA há muito tempo. Por razões várias, preferi afastar-me e, esse gesto matou todas as minhas ambições políticas. Também, fez perder o vigor e a força de temporadas passadas. Contudo, ainda hoje e embora afastado dessas lides mas sempre cidadão, torna-se-me difícil não reagir ao que observo ao longo dos tempos mais recentes. Estou atento ao que gira na órbitra da organização a quem, eu e muitos camaradas, ainda hoje tratamos de modo simples, respeitosa e carinhosamente por M. São mais evidentes as minhas reacções neste momento emocionante e delicado em que os angolanos se aprestam, uma vez mais, a ir a votos.
Sem surpresa, vejo-me a reagir a favor, perante actos políticos merecedores do meu apoio, e mal, muito mal mesmo, quando observo derrapagens na linha, inadmissíveis para os tempos que correm, algumas delas dignas de serem apelidadas, desculpem-me a expressão, de “tiradas de cabo de esquadra”. Espantam-me os comportamentos de pessoas que considero lúcidas, a apoiar e a não conseguirem levantar a mão ou erguer a voz contra atitudes e pronunciamentos de (ir) responsáveis que têm conduzido à impopularidade e ao descrédito do M, exibindo-se, em meu modesto entender, num festival de erros junto do vasto eleitorado reunido em camadas consideráveis dos mais diversos estratos da população angolana, deitando por terra e ao desperdício, anos de confiança, prestígio e capitalização política.
O “silêncio dos inocentes” emana de claro oportunismo militante, perigoso porque consciente, a mostrar à saciedade como é nítida a falta de noção que se tem quer da linha do partido quer do país total, do desfasamento da realidade nacional e de como se perdeu a ideia da alteração da composição do quadro da população votante. Não tenho, com este escrito, intenção que não seja a do desabafo puro e, se possível, de alertar quem de direito. Não pretendo, porque provavelmente não seria capaz de o fazer, uma abordagem mais profunda deste fenómeno. Assim, e embora contrariando promessas feitas a mim mesmo, estou aqui, num derradeiro esforço de consciência, tentando o impossível, ou seja, ver corrigidos lapsos estratégicos e, sonhando, recordar o que aprendi ao longo dos anos da minha militância. Foram certos princípios que estão agora, infelizmente, a passar de moda e, o que não deixa de ser grave para quem vive a política de modo sério, a serem vistos como perigosos. Especificando, parecem um verdadeiro incómodo. Na verdade, e perante factos inquestionáveis, a mim vai parecendo, desde há longo tempo, que a democracia, ou o seu espectro, vêm, incompreensivelmente, causando danos, alguns incómodos nas estruturas do MPLA. Se assim não fosse, muitos dos constrangimentos visíveis e atitudes e posições assumidas por dirigentes de vários escalões, não teriam guarida no seu interior. Nesses termos, obrigo-me a comentar então, e a recordar em tom afirmativo, o que adiante segue:
Nas cartilhas do MPLA aprendi que o estado democrático de direito se caracteriza pela soberania popular, por uma Constituição elaborada em conformidade com a vontade popular, por eleições livres e periódicas, por um sistema de garantias dos direitos humanos, e pela divisão de poderes independentes, harmónicos entre si e fiscalizados mutuamente.
Foi no seio do MPLA e lidando com ilustres camaradas que interiorizei o estado democrático de direito como sendo aquele que servia os angolanos e em que o poder do Estado é limitado pelos direitos dos cidadãos. Ensinaram-me que a sua finalidade é coibir abusos do aparato estatal para com os indivíduos. Que os direitos fundamentais conferem autonomia e liberdade aos indivíduos nas suas actividades quotidianas e limitam o poder do Estado sobre elas.
Ao longo dos tempos e pesem embora as dificuldades em certos contextos de praticar o que aprendíamos, fiquei sabendo de outros vectores inibidores do poder estatal que são a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judicial e a democracia política. Nesse modelo de Estado, a soberania popular é que dá a legitimação para os legisladores criarem o corpo de leis, a Constituição, inspiradora das acções de cidadãos comuns e de agentes estatais.
Foi nesse período de há muito tempo que entendi melhor que o estado democrático de direito constitui, por isso, a mais emblemática, a mais agitada e a mais flamejante bandeira utilizada pelos partidos políticos nas campanhas eleitorais desde que há memória da democracia. O estado de direito respeita às normas e aos direitos fundamentais dos cidadãos e, por isso, transforma-se no maior chamariz da caça ao voto popular.
Assim sendo, porque a democracia tem a ver com dignidade e porque, como nos habituamos a pensar no seio do M, todo o poder emana do povo, pergunto ainda: qual a razão que nos leva a falar permanentemente de sociedade civil e do estado democrático e de direito, se na verdade, hoje em dia, o MPLA nos vem afastando, sem explicação que valha e desse modo incompreensível, dos ditames e dos valores da democracia?
É tudo quanto se me oferece para hoje. Cumprimentando os meus habituais leitores, companheiros de luta e amigos, despeço-me de todos com a promessa de estarmos juntos, no próximo domingo à hora do matabicho.
Luanda, 6 de Agosto de 2022
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