Comentário Jurídico (13)
1. Introdução
No dia consagrado ao início do mandato dos deputados eleitos que consubstancia-se na tomada de posse e na realização da primeira reunião constitutiva da Assembleia Nacional, onde, entre outros actos, procede-se a eleição da Mesa da Presidência deste órgão de Soberania, ocorreu um facto inusitado — o abandono da cessão por parte dos deputados da UNITA.
Foi precisamente durante a eleição dos vice-presidentes e dos secretários que surgiu a divergência que opôs, para não variar, os deputados da UNITA contra os do MPLA. E o pomo de discórdia estava na ordem de ocupação, pelos dos grandes partidos do sistema político nacional, dos vice-presidentes do órgão legislativo angolano. Entende a UINTA, que os 43,95% de votos obtidos nas urnas e tendo em conta o princípio da representação proporcional consagrado na Lei n 13/17, de 6 de Julho, Regimento da Assembleia Nacional (adiante RAN) confere-lhe o direito de ocupar a segunda e quarta vices-presidência. Entendimento diferente tem o partido majoritário, alegando que os 51, 17% que conseguiu no dia 24 de Agosto corresponde aos primeiros vice-presidentes do parlamento iangolano, cabendo ao maior partido da oposição ocupar os dois últimos (vice-presidente).
Quid iuris?
Para respondermos ao quesito formulado, vamos proceder do seguinte modo: num primeiro momento, vamos olhar para o sentido e alcance sistema de representação proporcional e o seu enquadramento no RAN, no segundo momento, cuidaremos da ideia de negociação e consensos e, no terceiro e último momento, apresentaremos as nossas conclusões e sugestões.
2. O Sentido e Alcance Sistema de Representação Proporcional
A representação proporcional ou voto proporcional “é o sistema eleitoral de vencedor múltiplo no qual a proporção de cadeiras parlamentares ocupada por um partido é directamente determinada pela proporção de votos por ele obtido”.
O sistema de representação proporcional é um sistema eleitoral normalmente baseado em listas de partidos (embora, a rigor, existam sistemas proporcionais sem listas). Países que usam voto proporcional, separados por subcategoria.
Esse sistema é adoptado pela maioria dos países latino-americanos, europeus e outros, incluindo Angola.
A representação proporcional admite inúmeros métodos específicos de votação, que incluem a lista aberta (actualmente em uso no Brasil, Noruega e Argentina), a lista fechada (usada em Portugal, Romênia e em Israel, entre outros) e a lista mista (utilizada na Bélgica).
A função eleitoral do voto proporcional apareceu na Europa no fim do século XIX para obter melhor representação dos partidos políticos, frente ao ascendente sufrágio universal. O voto proporcional veio a ser o sistema eleitoral mais largamente utilizado no mundo, especialmente na América do Sul e Europa, e é o sistema escolhido pela maioria das democracias nascentes atualmente.
O sistema de representação proporcional por lista funciona de forma simples. No caso de lista fechada (Portugal, África do Sul, Romênia e Angola) o eleitor vota em uma lista de candidatos preparada pelo partido (em outras palavras, vota no partido), sem poder indicar a sua preferência por um ou mais candidatos na lista. Ao final das votações, é preciso calcular o número de cadeiras que os partidos ocuparão no parlamento, de acordo com algum quociente eleitoral. Se um partido hipotético A obtivesse três cadeiras no parlamento, essas três cadeiras seriam ocupadas de acordo com os candidatos preferidos do partido. Em sistemas de lista aberta (Brasil, Argentina, Bélgica, Noruega, Áustria etc), contudo, o eleitor pode indicar preferência por um candidato em particular ou votar na lista pronta do partido. Desta forma, o eleitor pode decidir quem dentre os candidatos do partido deverá assumir as cadeiras que o partido ocupar. Na prática, um candidato que tenha sido colocado “baixo” na lista do partido terá dificuldades em obter preferência, uma vez que os votos dados ao partido serão dispostos de acordo com a ordem partidária.
Outro sistema de lista aberto é aquele no qual o eleitor pode escolher uma ordem de preferência de candidatos na lista ao votar (Finlândia). Neste caso, o eleitor terá poder de indicar candidatos individualmente dentro de um partido, do favorito ao menos desejado. O “panachage” é um sistema de voto em funcionamento na Suíça e em Luxemburgo, que permite que o eleitor indique preferência para candidatos em diferentes listas de partido. Esse é o sistema de lista mais flexível do mundo.
No sistema proporcional, é necessário calcular o número de candidatos que cada partido poderá eleger. Há um quociente partidário mínimo, que varia de acordo com o país; os partidos que receberem uma porcentagem dos votos inferior a esse quociente mínimo não recebem nenhuma vaga no parlamento. Por essa razão, os votos totais são calculados e são avaliados de acordo com o método do resto maior ou o método da maior média. No primeiro caso, utiliza-se um quociente eleitoral que pode ser o número total de votos dividido pelo número de cadeiras no parlamento (Hare) ou o número total de votos dividido pelo número de cadeiras no parlamento mais um, tudo isso somado a um (Droop). Esse quociente é subtraído do total de votos que cada partido recebeu, de forma que os partidos recebem uma cadeira para cada subtração possível num primeiro turno. Quando esse recurso se esgota, são entregues cadeiras restantes para os partidos com maiores totais de votos. No método da maior média, o cálculo é feito por meio de uma operação de divisão. O método D’Hondt é o mais popular, ele consiste na divisão do total de votos que cada partido recebeu pelos divisores 1, 2, 3 e assim por diante, de forma que os partidos com as maiores médias recebem as cadeiras. Esse método tende a ser menos proporcional que o método do resto maior, pois não representa tão bem os partidos menores.
O sistema de representação proporcional foi instituído em 1900, na Bélgica, com o objetivo de assegurar a representação da minoria. Em Angola é utilizado até hoje para a escolha dos deputados à Assembleia Nacional.
A principal vantagem deste sistema proporcional é de permitir, em teoria, uma maior representação das minorias, e uma representação muito mais precisa das correntes minoritárias. Com o sistema proporcional, é virtualmente impossível a eleição de um partido que não encontra respaldo no eleitorado.
Como desvantagens, os opositores a este sistema alegam que ele pode promover a ineficácia da ação governamental, pela diluição da responsabilidade frente a participação de várias correntes heterogêneas, dificultando uma orientação uniforme e integral.
É este sistema transformado em princípio que a RAN adoptou para eleição das vices-presidência e que passaremos, de seguida a analisar.
2.1. O Princípio da Representação Proporcional no Regimento da Assembleia Nacional
De acordo com o n. 1 artigo do artigo 50 da RAN, “os vice-presidentes e os secretários de Mesa são eleitos pelo Plenário sob proposta dos partidos políticos ou coligação de partidos, obedecendo ao princípio da representação proporcional”.
Deste preceito legal extrai-se as seguintes premissas: o MPLA, a UNITA, a FNLA, o PRS e o PHA têm direito de propor deputados seus para os cargos de vice-presidentes e para secretários de Mesa; a eleição para estes cargos da Mesa da Presidência da Assembleia Nacional obedece ao princípio da representação proporcional, ou seja, de acordo com o sistema de representação em vigor no país. Acrescentamos a isso dois dados importantes: o número de vice-presidentes — 4, nos termos do n. 1 do artigo 49 da RAN e a percentagem dos dois partidos mais votados — MPLA 51, 17% e a UNITA 43, 95%.
Em face disso, qual deve ser a distribuição dos Vice-presidentes numa eleição no Plenário da Assembleia Nacional?
Segundo o sistema de representação em vigor no nosso país, ao MPLA corresponde os dois primeiros vice-presidentes e a UNITA os dois últimos. Esta conclusão decorre do método D’ Hondt e até de uma média aritmética simples 51% corresponde mais de metade dos 4 vice-presidentes e o restante (o terceiro e o quarto vice-presidentes) ficam obviamente afectos à UNITA.
3. Negociações e Consensos
Fora do quadro legal, o MPLA e a UNITA, na tentativa de encontrarem soluções negociáveis, que emparelhassem os respectivos partidos na ordem dos vice-presidentes e dos secretários de Mesa, chegaram a um “acordo verbal”, em que se estabelecia o segundo vice-presidente para UNITA. Mas este ajuste carecia de ratificação das respectivas direcções partidárias.
Após consulta a sua direcção, o MPLA recuou “no conteúdo do acordo prévio”, seguindo o figurino que resulta da aplicação do princípio da representação proporcional, cedendo apenas na categoria dos secretários de Mesa.
Aqui a questão que devemos colocar é a de saber se esta quebra do “acordo de cavaleiros” tem alguma relevância jurídica ou política?
Sob o ponto de vista jurídico, o “acordo prévio” entre as duas bancadas parlamentares não possui nenhuma validade legal, na medida em que ela não resulta de nenhuma disposição legal, nem vincula as partes pois carecia da aprovação superior.
Na óptica política, já a avaliação é distinta. Mal andou o partido MPLA, que, nesta fase de tensão política, não cedeu o cargo de segundo vice -presidente, que teria tanto de simbólico como de amistoso.
Em boa verdade, a política é um mundo tão complexo e denso que não pode ser aprisionada pelo Direito. Daí que, os consensos em política, em determinadas circunstâncias, têm um valor praete legem lei. O “vice-presidente Gate” que despoletou o “UNITAEXIT” — abandono da cessão por parte dos deputados da Bancada Parlamentar da UNITA.
4. Conclusão
Para concluir, vamos responder a questão colocada ab inition: que vice-presidentes tem a UNITA direito na Assembleia Nacional?
De acordo com o resultado eleitoral (43,95%) e atendendo ao princípio de representação proporcional (uma manifestação do sistema de proporcional em vigor no nosso país), nos termos do n.1 do artigo 50’da RAN, a UNITA tem direito aos dois últimos vice-presidentes.
Contudo, uma solução de consenso poderia evitar o UNITAEXIT.
Espero que o consenso prevaleça aí onde a política tem espaço de manobra. Até lá, alea jact est …
* Jurisconsulto (Especialista em Direito Público Político) e Docente Universitário.