ANGOLA: DO NEOLIBERALISMO À LENDA DO PAÍS QUE SE DESENVOLVE SEM PLANIFICAÇÃO

Enquanto o neoliberalismo prega a desregulamentação da actividade empresarial, a invisibilidade do Estado, o estímulo à financeirização em contraposição ao capital produtivo, Angola debate-se com problemas concretos, e o caminho para a superação dos mesmos não passa por atribuir a gestão da “Respublica” à iniciativa privada.

ORLANDO VICTOR MUHONGO*

Ideias e debates estão intrinsecamente relacionados com o percurso histórico, as transformações políticas e económicas experimentadas pelas diversas formas de sociedade humana desde os primórdios. 

O termo neoliberalismo “nomeia adequadamente a ideologia de uma era que venera a lógica do mercado e despoja-nos das coisas que nos tornam humanos”. Trata-se de uma doutrina que concebe a “sociedade como um tipo de mercado universal” ao invés, por exemplo, da concepção africana de comunidade regida pela filosofia Ubuntu, ou mesmo da visão grega de “pólis, uma esfera civil ou um tipo de família”. Não! Na sociedade idealizada pelo Neoliberalismo os “seres humanos são concebidos como calculadores de lucros e perdas, e não portadores de direitos e deveres inalienáveis”.  

Se em algumas circunstâncias a consolidação de determinadas ideias decorre de um prolongado e amplo debate inserido em realidades culturais específicas, noutros casos certas doutrinas são “convencionadas” em decorrência do mais puro exercício de proselitismo, que, buscando a concretização de uma determinada agenda, se traduz na difusão de meros slogans descontextualizados e vazios de conteúdo, geralmente conectados com um determinado interesse político ou económico, gerando, propagando e induzindo um efeito manada, principalmente em sociedades cuja maioria dos membros é alheia a questões da Economia Política, mesmo quando se trata de questões que afectam a vida desses milhares de famílias e pacatos trabalhadores.

A busca por uma solução para combater o subdesenvolvimento de Angola abriu espaço ao primado de um economicismo febril, no qual foi cedido à corrente Neoliberal o domínio absoluto do espaço mediático. É neste quadro que, desde 2017, este sector, adepto do capitalismo laissez-faire, passou de forma vigorosa a difundir a ideia de que a solução para os problemas do país passa pela obediência cega aos ditames do FMI, assim como pela adopção de diversos dogmas típicos do fundamentalismo de mercado. 

Desde então, Angola e os angolanos foram submetidos à crueldade de um austericídio inumano (retiradas sucessivas da subvenção aos preços dos combustíveis, IVA de 14% e outras medidas tributárias corrosivas), tendo resultado na regressão da vida dos angolanos (inflação galopante, perda do poder aquisitivo dos trabalhadores, recurso aos contentores de lixo como fonte de alimentação de muitas famílias, aumento da prostituição, falência de médias e pequenas empresas,etc). Estamos todos recordados que, já naquele período, a corrente Neoliberal angolana vendia a tese de que a retirada dos subsídios ao preço dos derivados do petróleo seria a solução, inclusive para o combate do contrabando de combustíveis, uma vez que, na óptica do referido grupo, Angola deve igualar o preço dos derivados do petróleo nos demais países da região Austral de África.

Volvidos oito anos desde a intensificação da campanha neoliberal, o facto é que a retirada parcial da subvenção ao preço dos combustíveis, não só redundou num autêntico fracasso em termos de inibição do contrabando, assim como não gerou nenhum benefício social, uma vez que também tinham sido dadas garantias de que os valores arrecadados com a retirada dos subsídios reverteriam para quem mais necessitava. Contudo, nos diversos espaços de comunicação, não têm sido cobradas aos defensores de tais ideias explicações sobre esses fracassos. Antes pelo contrário, os jornalistas em particular, e a sociedade em geral, assistem impávidos e serenos a repetição da mesma ladainha de que a solução para os problemas do país passa pela retirada total dos subsídios aos preços dos combustíveis, uma vez que o “pecado” dos angolanos reside no facto de pertencerem a um país cujos preços dos combustíveis são os mais baixos da SADC (o que seria o normal para um país produtor de petróleo). 

A ideia de que a diferença do preço dos combustíveis de um país para outro justifica estágios de subdesenvolvimento, ou de que todos os países de África e do mundo (com excepção de Angola) vendem os combustíveis a um preço “standard” do mercado internacional, constitui uma grande mentira, que facilmente pode ser desmontada com uma simples pesquisa na internet. O que a referida corrente neoliberal não diz nos órgãos de comunicação é que, no caso de Portugal, por exemplo, muitas são as vezes em que cidadãos portugueses preferem abastecer as suas viaturas na Espanha em virtude da diferença do preço do combustível.

Por outro lado, a comparação entre o preço dos combustíveis em Angola e noutros países da África Austral “justifica-se” apenas pela visão estritamente economicista dos neoliberais angolanos, uma vez que a omissão das diferenças dos níveis de qualidade de vida, de saúde pública, de educação, salários e poder aquisitivo, entre Angola e os demais países da SADC, constitui, no mínimo, uma profunda desonestidade intelectual. 

O simples facto de as medidas neoliberais estarem a ser introduzidas, num país periférico e subdesenvolvido como Angola, como fórmula para a resolução dos problemas económicos, levanta muitas interrogações quanto às reais intenções dos defensores desta doutrina, assim como à qualidade do pensamento crítico produzido localmente. Existe farta literatura sobre o Neoliberalismo e suas consequências económicas e sociais. De igual modo, o estudo da origem social, do pensamento ideológico e da biografia dos mentores do Neoliberalismo, com destaque para Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, Milton Friedman, Ronald Reagan e Margaret Thatcher, é fundamental para que se entenda a essência desta filosofia renascida do ventre da elite conservadora austríaca, assim como a sua descontextualização face à realidade histórica e cultural de Angola.

As ideias nunca devem ser vistas como simples emanações que brotam do vazio. Podemos facilmente rastrear a génese e a história das mesmas, com vista a aferirmos se o seu DNA doutrinário é compatível com um determinado organismo social diferente, no qual se tenciona proceder ao implante. Após a Grande Depressão de 1929 – a primeira grande crise do capitalismo, que o deus omnipresente e “infalível” do mercado foi incapaz de prever – foi o New Deal, um programa de intervenção estatal implementado pelo então presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, que salvou as famílias, a economia, as empresas e a vida de centenas de milhares de cidadãos norte-americanos.

Num país que é o santuário do capitalismo laissez-faire, o New Deal teve, nas variadas vertentes da intervenção do governo norte-americano, componentes de economia planificada, inclusive com medidas como a fixação de preços e salários por parte do Estado. Dir-se-á que se tratava de um contexto de crise e que isto teria ocorrido na terceira década do século XX. Pois bem, é claro que se tratava de um contexto de crise. Aliás, crise provocada por crenças de um capitalismo lunático que teve de ser resgatado pelo Estado. Então, qual é a realidade económica, financeira e social de Angola? Angola não tem estado num contexto de crise? Por outro lado, eventuais questionamentos sobre o paralelismo entre o nível do capitalismo nos EUA naquela época, com as características de Angola neste primeiro quartel do século XXI, apenas reforçam o entendimento de que constitui um erro crasso implementar (ipsis verbis), na sociedade angolana, modelos mercantilistas criados em países com mais de dois séculos de prática e cultura de economia de mercado e esperar por resultados iguais ou melhores. 

Enquanto o pensamento económico de John Maynard Keynes sustentou a base das medidas políticas que ajudaram os EUA a salvar-se da Grande Depressão, tendo a sua teoria económica sido determinante para a recuperação e desenvolvimento do Ocidente depois da Segunda Guerra Mundial, nenhuma instituição universitária ou governo considerou recomendável o fundamentalismo de mercado de Friedrich von Hayek. Aliás, Metcalf (2017) afirma que Hayekera era um economista medíocre. O keynesianismo foi de facto um farol revolucionário que, ao mesmo tempo que defendia a intervenção do Estado na economia e garantia o êxito das realizações sociais, preservava a importância do sector privado. O referido modelo destronou a ortodoxia económica difundida na época pelo liberalismo clássico.

O nível de descrédito em relação ao liberalismo clássico era tal, que inclusive durante a “instauração” da sociedade de Mont Pèlerin, em 1947, em que Friedrich von Hayek reuniu 36 pessoas, maioritariamente economistas, mas também historiadores e jornalistas, Ludwing von Mises, seu mentor, abandonou a reunião por discordância dos demais. Nenhuma instituição europeia manifestava interesse pelas teses económicas liberais no pós-guerra. Tanto é assim que, depois de várias décadas apagado e com inveja do sucesso de John Keynes, apenas a Universidade de Chicago aceitou dar emprego a Friedrich von Hayek. No entanto, Metcalf (2017) acrescenta que “Hayek nunca teve um cargo permanente que não fosse pago por patrocinadores corporativos”. 

Milton Friedman, o mesmo que, em 1935 em Washington, beneficiou de iniciativas sociais promovidas pelo New Deal, posteriormente converteu-se num forte opositor de modelos económicos que prevêem a participação activa do Estado, tal como aquele implementado por Franklin Roosevelt, que salvou a vida de muitos jovens norte-americanos incluindo a do próprio Friedman. O detalhe é que Friedrich von Hayek foi professor de Milton Friedman.  

Como acreditam os astrólogos, a combinação de dois ou mais elementos do universo num mesmo período pode resultar em acontecimentos bons ou maus (efeito borboleta), dependendo das características da matéria vibracional que carregam os mesmos. O regresso ao poder do conservadorismo britânico, na pessoa de Margaret Thatcher em 1979, e a ascensão de Ronald Reagan à presidência dos EUA em 1981, constitui a combinação dos eventos geradores do Neoliberalismo, gestação que teve no Consenso de Washington de 1989 o seu momento áureo. Margaret Thatcher era admiradora devota de Friedrich von Hayek. Por seu turno, Milton Friedman, ex-aluno de Hayek, foi conselheiro de Ronald Reagan (cujo filósofo predilecto era Hayek) e de Margaret Thatcher. O capítulo final da referida novela já é do conhecimento público: quer Reagan, quer Thatcher são historicamente considerados os verdadeiros “coveiros” da economia e da indústria dos EUA e do Reino Unido, respectivamente. Que consequências resultaram do impacto social de ambos os governos? Pois bem: Ronald Reagan sobreviveu a uma tentativa de assassinato, depois de ter sido baleado em 30 de Março de 1981. Margaret Thatcher, que também escapou de um atentado à bomba em 12 de Outubro de 1984, foi forçada a demitir-se em 22 de Novembro de 1990, após uma vaga de protestos massivos contra o imposto polltax.  

Para além de outros aspectos paralelos que podiam ser aflorados, facilmente se percebe que o neoliberalismo emerge mais como uma reacção das elites conservadoras ocidentais, do que propriamente como resultado de uma suposta falência do keynesianismo. Também aqui, no quadro da luta de classes camuflada por estratagemas e artifícios de vária ordem.

Assim como a interpretação de uma determinada doutrina económica não deve ser abordada sem se ter em conta aspectos de natureza histórica, cultural e social do espaço em questão, também constitui um erro considerar que somente medidas económicas são suficientes para o que se pretende propor como evolução de um país. Por mais absurdo que possa parecer, tem sido esta a “banha da cobra” que vem sendo vendida pelos neoliberais angolanos. Em pleno debate numa das rádios de Luanda, no momento em que uma participante fazia alusão à necessidade da concepção de planos de desenvolvimento a partir das localidades, o brilhante encadeamento de ideias da senhora foi interrompido por outro integrante do painel, por sinal um neoliberal, que afirmou que não é necessário planeamento, pois, no entendimento do mesmo, planeamento é coisa da União Soviética. Basta que se crie um bom ambiente de negócios – acrescentou.  

A planificação estatal – um “defeito” da União Soviética?   

Embora não tenha sido suficientemente esclarecedor se a referência ao planeamento como sendo “coisa da União Soviética”, foi por motivações pejorativas em relação a URSS, ou por considerar antiquado o exercício da planificação estatal, de qualquer modo, afigura-se necessário abrir aqui um parêntesis. É característica da maioria dos simpatizantes do neoliberalismo apresentar as suas ideias forjando uma posição de superioridade discursiva que soa a arrogância, tentando evidenciar o domínio de verdades inquestionáveis. É assim que ouvimos, muitas vezes, pessoas profundamente influenciadas pelas décadas de Macarthismo, que afectou a mente de várias gerações no Ocidente e não só, a reproduzirem clichês sobre a União Soviética, sobre o Comunismo, sobre Cuba e sobre uma suposta inviabilidade do Socialismo por razões económicas. Trata-se de pontos de vista emitidos geralmente por pessoas que nunca leram um único parágrafo do Manifesto Comunista de Marx e Engels, para não falar de algum livro sobre Socialismo, nem algum estudo sobre a história da URSS, quando não confundem Socialismo com Comunismo. 

A União Soviética foi uma experiência socialista que durou 69 anos, com uma história realmente fascinante. Congregou povos de diferentes etnias em torno de um projecto de desenvolvimento igualitário. Formou milhares de quadros nas mais distintas áreas do conhecimento, deu a maior reviravolta militar durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido decisiva na libertação da Europa do jugo nazista, à custa do maior sacrifício feito por um país na luta contra o fascismo. A URSS prestou uma contribuição incalculável no campo da ciência e da tecnologia, tendo sido o primeiro Estado a colocar um ser humano no espaço sideral, para além do papel incomparável na luta pela independência de dezenas de países e povos em todo o mundo. Sim, todas estas conquistas foram materializadas no quadro de um sistema de economia centralmente planificada, com alguma componente de economia mista durante o período da NEP. Qual foi a causa do colapso da União Soviética? Pois bem, o que a propaganda neoliberal vem difundindo ao longo destas últimas décadas, é que o fim da URSS está associado ao fracasso do Socialismo, ou que a economia centralizada e planificada foi a causa de todo o mal. 

É lógico que, para um público com uma percepção idílica de um mundo onde não existe imperialismo, competição ideológica entre potências hegemónicas, e onde o termo Guerra Fria serve apenas para decorar páginas de livros de história, as referidas invenções que associam o colapso da URSS a uma pretensa ineficiência económica do Socialismo facilmente são compradas como sendo uma verdade inquestionável. Sobre a compreensão das causas profundas que levaram ao colapso da URSS, talvez devêssemos dizer que ainda bem que a CIA desclassifica alguns documentos. A estratégia da utilização de uma combinação artificial de factores (externos) para impactar as debilidades estruturais surgidas na URSS foi confessada por Roger Robinson, e está devidamente documentada no National Security Decision Directive (Directiva 75). Faltava apenas um cisne negro de nome Mikhail Gorbatchov, cuja relação com Margareth Thatcher remontava ainda ao período em que era um simples membro do Comité Central do PCUS. Karachev (2020) vem posteriormente confirmar que, de facto, Gorbatchov e a esposa teriam sido recrutados pela CIA, em 1966, durante uma viagem a França, antes do mesmo ter assumido o cargo de Secretário-Geral do Partido Comunista. Logo, não foram o sistema de economia planificada, nem o suposto fracasso do socialismo, as causas reais do fim da União Soviética, um país que prestou uma contribuição incomparável à história da humanidade.

O olhar sobre a China na perspectiva dos neoliberais é ainda mais caricato. Quando a China revelou a maior eficiência no combate à pandemia da Covid-19, tanto a nível interno, como na prestação de suporte logístico a praticamente todos os países do mundo, este êxito deveu-se ao facto de os chineses serem “um bando de comunistas”. Por outro lado, quando o assunto está relacionado ao crescimento económico, tecnológico, social e humano da China, neste caso o discurso da corrente neoliberal afirma que tal se deve ao facto da China ter adoptado o capitalismo. Ora, actualmente, praticamente todos os países do mundo são capitalistas, incluindo os países da Europa Ocidental e do continente africano do Cairo ao Cabo.

Se tornar-se capitalista fosse suficiente para que um país atingisse os níveis de desenvolvimento alcançados pela China, chegando a superar inclusive todos os países europeus, caso fosse esta a explicação simples, então, com base num raciocínio lógico, todos os países com práticas capitalistas apresentariam o mesmo estágio evolutivo da China, que em 40 anos retirou 800 milhões de pessoas da pobreza; atingiu o maior PIB do mundo ajustado à paridade do poder de compra em 2024 (37,1 triliões de USD); e o maior superavit do mundo em 2024 (1 trilião de USD).

É claro que, no caso da China, o segredo está em algo que vai além do simples capitalismo. O ponto chave para se entender o crescimento da China por via do Socialismo de Mercado está em perceber que, embora exista a iniciativa privada a distintos níveis, a actividade comercial e o sistema financeiro na China são supervisionados pelo Estado e por estruturas do Partido Comunista da China, que rege o país com base numa planificação de longo prazo. É lógico que os neoliberais angolanos odeiam planificação, principalmente quando é de longo prazo.   

Como podemos perceber, além de uma manifesta alergia à história, a mundividência profundamente economicista intrínseca à corrente neoliberal leva-os a concluir que, numa estrutura social, o “bom ambiente de negócios” é um fim em si mesmo. Basta simplesmente um “bom ambiente de negócios”, para que todas as áreas de um país se desenvolvam: administração local, apoio aos agricultores, saneamento básico, cultura, saúde, educação, infraestruturas, justiça, defesa e segurança, etc. Tudo se resume a um “bom ambiente de negócios”. Que ninguém se atreva a falar em patriotismo perante um neoliberal angolano, porque segundo esta espécie, patriotismo “não é coisa das grandes democracias”, mesmo que nos EUA – a Meca e referência de todo o neoliberal – milhares de norte-americanos pendurem uma bandeira na fachada das suas casas. Mas, para Angola, se fosse possível, os neoliberais extinguiriam todos os órgãos de defesa e segurança, assim como substituiriam os símbolos nacionais por um cifrão.  É precisamente esta a alma do capitalismo laissez-faire e a essência do neoliberalismo.

Existirá prática de planeamento em algum país no século pós-soviético? 

A França tem o Ministério do Planeamento Regional e Descentralização. Entre as suas atribuições consta o estabelecimento de interacção com as autoridades locais, a implementação das políticas de desenvolvimento, equilíbrio, planeamento, coesão económica e social em todo país. O referido órgão afecto ao governo gaulês é igualmente responsável pela promoção da atractividade e desenvolvimento económico, implementação das políticas rurais e urbanas, habitação, construção, mobilidade, transportes, infraestruturas e equipamentos. De igual modo, participa no desenvolvimento de programas de pesquisa, ensino e apoio à inovação. 

A Alemanha tem estruturas que actuam no âmbito do planeamento espacial estadual, tanto a nível dos estados federais, como a nível das sub-regiões. A competência destes órgãos atende ao programa de desenvolvimento estadual, plano de desenvolvimento estadual e plano regional.

O governo do Reino Unido tem um sistema de planeamento baseado no Quadro Nacional de Política de Planeamento (NPPF – sigla em inglês) e em planos de desenvolvimento. O referido sistema é dentre outros, responsável pela disponibilização de um quadro geral para a concepção de planos locais que incluem também aspectos referentes à habitação e ao desenvolvimento. O sistema de planeamento no Reino Unido contempla planos locais e de bairro, cuja elaboração deve estar em conformidade com os pressupostos macro contidos no NPPF.

Em Portugal, o Ministério do Planeamento foi instituído e extinto várias vezes. Em 2022 deu-sepor terminada a sua vigência. No entanto, o programa Portugal 2030 constitui um instrumento de planeamento estatal no quadro da acção governativa nesse país. O programa Portugal 2030 atende questões atinentes ao desenvolvimento económico e social e é implementado através de estruturas multissectoriais, responsáveis pela sustentabilidade do emprego, gestão demográfica (travar o envelhecimento da população), autossuficiência do sector energético, aproveitamento dos recursos marinhos (Economia do Mar), aumento da inclusão, redução da desigualdade, promoção da digitalização, inovação, dentre outros. 

O Brasil possui o Ministério do Planejamento e Orçamento, que contém na sua estrutura a Secretaria Nacional de Planejamento, que actua como órgão coordenador do planeamento do Governo Federal, enquanto função estratégica que engloba as perspectivas de desenvolvimento nacional sustentável e inclusivo. Para o efeito, o sistema de planeamento do governo federal do Brasil conta com o Plano Plurianual e o Planeamento Governamental de Longo Prazo (Brasil 2050), como ferramentas chave.

Para finalizar, o governo da África do Sul também tem na sua estrutura o Ministério do Planeamento, Monitoramento e Avaliação. Actualmente, a titular da referida pasta é igualmente a presidente da Comissão Nacional de Planeamento, órgão estratégico desse país, que com base numa actuação multissectorial coordena os projectos prioritários. 

Como podemos constatar, a planificação aos distintos níveis não é uma prática da União Soviética. Transmitir, em espaço público, uma ideia tão afastada da verdade como esta, para além de um esforço inglório de tentar forjar uma espécie de superioridade do “mercado” em relação àgestão política e administrativa de um país, constitui, sobretudo, um pronunciamento que desinforma e que engana, principalmente numa sociedade composta por uma quantidade considerável de cidadãos (ouvintes) sem domínio dos temas em debate.

As sociedades actualmente consideradas prósperas e desenvolvidas serviram-se das ideias existentes e criaram modelos políticos, económicos e sociais adaptados às suas respectivas realidades históricas e culturais. O desenvolvimento de um país não resulta do mero transplante de filosofias económicas.

O desenvolvimento passa pela concepção de um plano de longo prazo. E para tal se requer uma política de Estado. Logo, o problema central de que Angola enferma é a não construção de um modelo de desenvolvimento próprio. Olhando para a história, podemos verificar que o referido processo pode ser concebido através de estruturas académicas, ou por via da iniciativa de uma liderança política soberanista e desenvolvimentista. 

O sector privado tem a sua importância devidamente reservada e reconhecida numa sociedade. No entanto, os exemplos de países em que se tentou transferir para a iniciativa privada responsabilidades que por natureza devem ser estatais ou do sector público, resultaram na degradação do sentido humanista que deve caracterizar a vida em sociedade. A política deve governar todos os sectores de uma República, incluindo a economia. A ideia de que basta “um bom ambiente de negócios” para que tudo de bom possa acontecer num país, representa a apologia da sobreposição do sector económico à política. Tal tendência é o reflexo da já conhecida relação amorosa entre o Neoliberalismo e a plutocracia – promove a concentração da renda nacional nas mãos de uma minoria, estimula o açambarcamento do património público por parte da burguesia através das campanhas de privatizações, restando para a larga maioria da população um ciclo de pobreza que se vai transmitindo de geração para geração.

As ideias, quando social e humanamente construtivas, podem ser adaptadas aos contextos específicos de África, independentemente de as mesmas serem de origem europeia ou asiática.   Porém, não vejo virtude alguma na adopção de uma doutrina baseada na luta de saudosistas da aristocracia austríaca e de descendentes da burguesia britânica pela manutenção de status de classe, que acabou por influenciar e controlar as relações comerciais e o sistema financeiro àescala global. 

No quadro do que se presume ser o debate nacional, onde todos temos direito a opinião sobre o que entendemos dever ser o sentido a traçar pelo bem colectivo que temos – Angola, o que não desejo, é que o meu país seja absorvido pelo fundamentalismo de mercado e pela mercantilização das relações sociais. 

Enquanto o neoliberalismo prega a desregulamentação da actividade empresarial, a invisibilidade do Estado, o estímulo à financeirização em contraposição ao capital produtivo, Angola debate-se com problemas concretos, e o caminho para a superação dos mesmos não passa por atribuir a gestão da “Respublica” à iniciativa privada.

*Analista de Relações Internacionais

– Luanda, 19.02.2025

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