JAcQUEs TOU AQUI!
Pensem mais nos despojos espalhados a esmo, nos resíduos fétidos que se mostram por todas as áreas deste Estado quase moribundo em que, infelizmente, se tornou o nosso querido país. Um território frequentemente exposto ao paludismo, à cólera, à febre tifóide, às malditas pragas.
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O grito saía da voz do Dr. Alberto de Sousa Rio. Insiste, insiste! Insistir, insistir! Naquele tempo, era um jovem farmacêutico acabadinho de chegar a Calulo. Terra maravilhosa, próspera, de futuro. O Dr. Rio adorava futebol, seguia os passos do pai (ou do avô), que tinha sido jogador do Belenenses e internacional por Portugal. Ali, juntava o útil ao agradável, fazia coisas de que gostava. Uma farmácia moderna e treinar uma equipa de futebol. O epicentro dos seus sonhos e preferências.
Agarrou-se à equipa de futebol da terra, o Clube Recreativo e Desportivo do Libolo, já famoso então. O meio-campo é fundamental, dizia, mas jogava poucas vezes. Preferia treinar e, nessa área, trouxe novidades. Distinguiram-se uns artefactos de madeira para imitar adversários, ajudavam a delinear jogadas. A malta ficava atenta, o homem tinha jeito, sabia orientar, mandar. As sessões aconteciam no horário das seis às sete e meia da manhã. Todos os jogadores trabalhavam. A excepção era o Zuza, que tinha tanto de bom jogador como de “chupador”. Era o único com contrato assinado para jogar futebol. Só em Calulo!
Estava assumida a revolução na área do treino em Calulo, depois de anos seguidos a beber dos precários conhecimentos do Toneca Campos e do Cabral Sapateiro. A miudagem (eu, Zeca Santos, Velhinho Queirós, Mário Pacheco, Sabará, entre outros), ia acompanhando, participávamos quando nos deixavam. Durante os exercícios físicos, o Dr. Rio explicava, gesticulava e repetia-se. Insiste, insiste, gritava, corrigindo gestos e posições, puxando pelo ânimo dos atletas.
Insiste, insiste, insistir, insistir. Recordo os gestos e as palavras, enquanto observo a esta distância do tempo, as diferenças que marcam o nosso percurso. Nos treinos do futebol, era incentivo ou estímulo, vocábulo de significado importante, o repetir e não desistir. Remetendo-o para o contexto da vida de hoje, longe dos campos e do jogo da bola, concluo que vivemos uma época em que tanto os que mandam em nós, como os eruditos que sabem sempre mais que nós, mais que todos, se recusam, inexplicavelmente, a insistir. Sobretudo no que é útil.
Insistem, entretanto, em não entender os que insistem naquilo que é bom. Condenam os que abrem a boca ou rabiscam frases onde se podem ouvir, ou ler, insiste, insiste, insistir, insistir. E insistem pensando que os outros se repetem nas falas pelo simples prazer de criticar o Governo e os governantes. Insistem ignorando que os críticos o fazem, sim, mas com a melhor intenção de ajudar a governar melhor, de ver alterado o lamentável estado de coisas em que mergulhamos. E que provocam tipos como eu que insistem, que vão insistindo nas críticas. Tocando em assuntos que, nesta vertigem louca que percorre a nossa terra, nos coloca perante uma vontade de viver só comparável a vã glória de morrer que nos vai assaltando.
Que nos obriga a reflectir e a dizer, não. Não vou na cantiga dos que querem que eu pense, escreva e fale como eles. Não vou nem quero porque não habito o santuário de aves migratórias onde eles se acoitam. Refugiam-se para ficarem a coberto das intempéries que magoam o povo, de Cabinda ao Cunene. A deplorável incapacidade da recolha do lixo e a criminosa negligência da falta de água e do saneamento básico nos municípios, a ausência, a vigorar há muitos anos na sociedade, de cuidados elementares de saúde, é inquietante. Haja coragem camaradas. Honestidade de reconhecer e dizer, que tudo poderia estar resolvido, se integrassem nas estruturas, equipas de bons quadros, pessoas honestas e competentes, gente que gritasse e actuasse como o Dr. Rio, o tal que não se cansava de dizer nos treinos, onde se ensaiavam as jogadas e estratégias para os grandes desafios, “anda lá, insiste, insiste, vamos insistir, insistir”. Afastem os oportunistas da gestão pública!
Termino dizendo que não desistirei de falar e de insistir em apontar dedos para o que está mal nesta bendita terra. Porque é colossal o erro, imensa a nossa tragédia. Prova-o a mortandade registada entre o povo, principalmente entre as crianças. Nesta fase difícil das nossas vidas, não fica bem gastar tanto dinheiro inutilmente. Estão a construir coisas para uma elite privilegiada e nada para o povo em geral. Estão a construir coisas tão grandiosas como é monumental a miséria e desgraça do nosso povo. Digo isso porque penso que, actualmente, não são importantes os aeroportos luxuosos e os hospitais de primeira linha. Sê-lo-ão no futuro, não o são agora. Sabem bem do que falo. Pensem mais nos despojos espalhados a esmo, nos resíduos fétidos que se mostram por todas as áreas deste Estado quase moribundo em que, infelizmente, se tornou o nosso querido país. Um território frequentemente exposto ao paludismo, à cólera, à febre tifóide, às malditas pragas.
Hoje não insisto mais. Apresento os habituais cumprimentos aos amigos e leitores, convidando todos para o nosso habitual encontro no próximo domingo, à hora do matabicho.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2025
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