QUANDO AS COISAS SÉRIAS NÃO SÃO TRATADAS COM SERIEDADE, O CENSO VIRA DISSENSO

Enfim, a provar que faltou mesmo seriedade, está nas recentes publicações do INE, fortemente disseminadas nas redes sociais, a pedir às pessoas não registadas, no Censo, a chamar pelos agentes. Pasme-se!

POR: FERREIRA PESTANA

A frase é latina «Gravi tractanda sunt», isto é, as «Coisas sérias devem ser tratadas com seriedade», porém, na realidade angolana, a matéria censitária, não esteve a ser tratada com a seriedade que merecia. Ponto!

Quando as autoridades angolanas se abalançaram para a ingente tarefa de realização, no ano de 2024, do Recenseamento Geral da População e Habitação, tudo indicava que todas as condições, essenciais ao processo, estavam a ser criadas, para que no seu final os resultados fossem considerados, no geral, satisfatórios/positivos, à semelhança do que ocorreu no processo censitário de 2014. 

E a criação de condições passaram pela componente formal/legal, traduzida na aprovação do Regime Geral do Recenseamento Geral da População e Habitação, por via do Decreto Legislativo Presidencial n.º 7/22, de 23 de Julho, e na instituição da Comissão Multissectorial de Apoio à Realização do Censo 2024, constante no Despacho Presidencial n.º 290/22, de 30 de Dezembro. Em termos materiais, quer a referida Comissão, como o Instituto Nacional de Estatística (INE), tinham a incumbência de dar os passos cruciais para o sucesso do evento, predispondo-se a cumprir cabalmente as 3 (três) fases definidas para o efeito. Designadamente, (1) fase da actualização cartográfica, de modo a se definir e redefinir os marcos dos bairros; (2) fase do recenseamento-piloto, visando testar o grau de prontidão para a efectivação do Censo e (3) a fase do recenseamento geral, abarcando tanto os dados sobre a população, quanto os sobre as habitações. 

Entretanto, os primeiros sinais, de que as coisas não estavam a correr bem, no plano organizativo, se verificaram com o surgimento de reclamações/contestações sobre os procedimentos associados ao recrutamento dos agentes censitários e entrega a destempo dos meios próprios de trabalho, mas esses sinais atingiram o apogeu na altura em que se anunciou o adiamento do início da 3.ª fase (a do Censo propriamente dito), saindo de 19 de Julho para 19 de Setembro, e quando se aproximava a data de fecho, houve o anúncio do acréscimo de mais 4 (quatro) semanas, de modo que se conclua/concluísse o processo a 19 de Novembro. 

Enquanto as questões logísticas levaram o Executivo angolano a justificar os adiamentos de datas e os acréscimos de semanas, face às previsões iniciais, essas mesmas insuficiências e deficiências não permitiram que se adiasse para uma melhor altura, a favor da sua optimização organizativa e da mudança do estado de alma das populações, sobretudo as que enfrentam presentemente enormes dificuldades socioeconómicas, pois o Executivo se defendeu com o facto de estar a cumprir uma agenda do Banco Mundial. Estando, portanto, fora do seu alcance o adiamento total do processo, como era o entendimento da generalidade dos especialistas.

Pelo que, é neste cenário de adiamentos, prolongamentos e amplos problemas logísticos que decorre(u) o Censo de 2024, em que mesmo o acréscimo de tempo não ajudou na aceleração do processo, porquanto, há indicações de existência de áreas do país, incluindo Luanda, onde os agentes censitários ainda não chegaram; há outras onde chegaram, mas apenas para a sinalização preliminar, seguindo as populações a aguardar pelo retorno dos referidos agentes; temos localidades, identificadas como tendo o Censo consumado, mas com populares a dizer o oposto; registam-se vários casos de dificuldades operacionais nos meios tecnológicos (tablets) disponibilizados aos agentes, ao que tudo ilustra faltou a afinação e capacitação para o uso dos mesmos; são apontadas situações de escassez de meios para a transportação dos agentes a toda dimensão do território nacional; constam também inúmeros eventos de desmotivação dos agentes, uns pelo facto da recompensa pecuniária diária e final, fixadas para o processo, não estar a ser cumprida, originando casos de agentes sem ter com que se alimentar, e outros por falta de condições efectivas para o cumprimento de tarefas. Enfim, a provar que faltou mesmo seriedade, está nas recentes publicações do INE, fortemente disseminadas nas redes sociais, a pedir às pessoas não registadas, no Censo, a chamar pelos agentes. Pasme-se!

Em tese, foram os nossos (habituais) problemas de organização, mesmo havendo uma Comissão Multissectorial instituída, que estiveram na base da realização insatisfatória do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2024, muito embora, também já estamos habituados, venham a surgir relatórios e informações a dizer que o processo foi um amplo sucesso e que África e o mundo terão, no actual momento censitário angolano, um bom exemplo de escola! Quando, em bom rigor, ao contrário do mote estabelecido para a actividade «nem todos contaremos para Angola»!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR