ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO (VII): ANGOLA E O PAPEL DOS PARTIDOS POLÍTICOS

E DA SOCIEDADE CIVIL NA GESTÃO PÚBLICA

Quando se está a frente de uma organização, deve-se saber ouvir e dar solução à cada tipo de problema, crítica ou pressão. Pretendemos dizer, que o MPLA precisa saber encarar as críticas como uma dinâmica normal na Administração do Estado.

POR LEONARDO QUARENTA*

A Administração do Estado, sendo constituída por um conjunto de programas, projectos e decisões governamentais eficientes e racionalizadas, exige acção estratégica, coordenação dos trabalhos estatais e implementação de uma série de políticas de Estado: políticas de Estado no âmbito econômico, social, educativo, sanitário e políticas de Estado no âmbito diplomático e da Segurança Nacional.

Angola encontra-se numa conjuntura social onde é fundamental e urgente, que novos mecanismos estratégicos sejam estabelecidos para equilibrar as complexidades sociais, a começar pela Economia Pública. A coordenação Econômica do Estado, precisa encontrar novas fórmulas econômico-financeiras viáveis para fortalecer a moeda nacional face as principais moedas estrangeiras (dólar, euro, libra), mas também face às outras moedas africanas, por exemplo (só pra citar alguns países) o dinheiro de Moçambique: 6.350,00 meticais (100 $); de Caboverde: 10.145,8 escudos (100 $); de São Tomé e Príncipe: 2.260,1 dobras santomense (100 $); da África do Sul: 1.841,95 (100 $); do Ghana: 1.453,26 cedi ganenses (100 $). 

Nenhum desses países africanos acima citados é mais rico que Angola. Somos o maior produtor de petróleo em África (em alternância sempre com a Nigéria), vendemos petróleo e outros recursos todos os dias, não se percebe como é que a nossa economia e a nossa moeda estão em queda total. Portanto, o erro está na má gestão da economia e na falta de estratégias econômicas. O Kwanza encontra-se no seu pior momento de turbulência. São Tomé e Caboverde não possuem o poder geopolítico e geoeconômico que Angola detém na Região, dependem muito de Angola economicamente, mas as suas moedas têm 10, 20, 30 vezes mais estabilidade que a nossa.  Como é possível que quem depende do nosso apoio esteja melhor que nós?

Em Política Econômica (também em Economia Política) existe o que se chamam «decisões econômicas racionalizadas». Podemos citar aqui também as denominadas «estratégias econômicas». Ou seja, perante situações de inflação, depreciação da moeda ou crises, o grupo econômico do Estado deve tomar medidas eficazes e eficientes para alterar o quadro econômico público. É aqui onde muitas das vezes o grupo econômico estatal pode decidir se vale a pena ou não continuar com a mesma moeda.

O Executivo precisa urgentemente de mudar de estratégias, porque crises econômicas provocam caos, tumultos e revoluções sociais. E é nessa fase de crise econômica, que grupos de interesses e organizações diversas e adversas, aproveitando-se da situação, podem lançar uma ofensiva de golpe de Estado. Basta notar que os 12 últimos golpes ocorridos em África, de 2017 à 2023, além das outras tantas tentativas, ocorreram, efectivamente, tendo como base motivações de crise econômica. Ela dá lugar ao desgaste social, e onde há desgaste social tudo pode acontecer. Nesse tipo de situação, é impossível um Governo ter o controle de tudo, caso haja realmente uma onda de manifestações ou tumultos.

A Economia é o alicerce (o pilar) da Administração do Estado, caso contrário, nada funciona. Mas esse tipo de Economia não pode basear-se em dívidas. Um país que destina 40 ou 50% do seu OGE para pagar dívidas públicas, do ponto de vista estratégico-econômico não tem uma Coordenação Econômica eficiente. Assim sendo, é preciso mudar de dinâmica e tomar decisões racionalizadas. 

Fui um dos prelectores num seminário sobre “Inteligência de Estado e Serviços Secretos Externos”, e falei sobre  «A Segurança em África e suas Complexidades Estratégicas de Defesa Regional». Nesse seminário, de carácter confidencial (onde participo periodicamente de dois em dois meses a convite de uma organização ligada à Defesa e Segurança), muitos dos convidados e membros são diplomatas, adidos militares e agentes especiais, que actuam e trabalham em África. No final (em off) fui abordado por alguns dos participantes que me disseram, que o continente africano é vulnerável a todos os níveis em questões de Segurança. E durante um jantar, no dia seguinte, falavam-me sobre certas questões sigilosas mas, ao mesmo tempo, mostravam-me relatórios alarmantes sobre a situação dos Estados africanos. Inclusive, afirmaram que os golpes de Estado em África serão intensificados nos próximos anos. Como estava tudo documentado e delineado, depois de analisar por dias os dados que eles me apresentaram, pude concluir que os documentos eram verdadeiros e autênticos.

Angola precisa de rever e reforçar a nível de prontidão estratégica a sua doutrina de Defesa e Segurança Nacional. O país deve fortalecer a sua inteligência interna e externa, não simplesmente porque há desvio de informações sensíveis, mas, sobretudo, porque uma Inteligência de Estado eficiente ajuda a prevenir todas as formas possíveis de tentativas de sabotagem e golpes, da parte de influências internas e externas. Caso contrário, as acções de intelligence movidas por agentes adversos, fragilizarão, mais tarde ou mais cedo, o nosso sistema de segurança governamental. 

Não temos cultura de convivência e de cooperação

Perante todo esse cenário de complexidade, qual é ou qual deverá ser (em termos de solução) o papel dos partidos políticos e da sociedade civil? Antes, porém, é necessário realçar aqui, que ultimamente, a realidade angolana anda de “patas pró ar e vai de mal a pior”. Nota-se uma certa confusão generalizada de “identidade” entre o político e o cidadão comum. Na verdade, está difícil distinguir quais são as responsabilidades e funções de cada um, visto que todos se envolvem em tudo que é assunto ou problema.

Quando se é militante ou simpatizante do MPLA ou da UNITA, a convivência com figuras ou dirigentes de cada um desses partidos, pode significar desconfiança por parte de um determinado grupo de pessoas. Fica claro, que a nossa sociedade não tem ainda o espírito e a cultura de convivência e de cooperação. E um dos critérios para uma possível solução dos problemas sociais do país, é exactamente a cooperação (entre os partidos, cooperação entre os partidos com a sociedade civil, cooperação entre o governo com as demais esferas sociais na elaboração e execução dos projectos estatais). Não deve haver nenhum tipo de barreira na convivência entre membros de diferentes partidos. Deve-se sim, conviver e discutir questões do país com quem quer que seja, sem temores, de forma aberta e serena.

Em política, independentemente das nossas diferenças e inclinações ideológicas, militância ou imparcialidade político-partidária, devemos respeitar as autoridades e as instituições do Estado. Isso é um dever jurídico-constitucional e obrigação patriótica. No entanto, nota-se ainda, que os angolanos estão muito longe da maturidade política, porque não sabem separar as coisas nem viver na diversidade político-partidaria. Basta lembrarmos do caso recente do enconto entre as senhoras Ginga Savimbi/Francisca Savimbi com o político Norberto Garcia. Foi transformado em algo semelhante a um pecado original. Houve julgamentos, ofensas deliberadas e interpretações adversas. Aconteceu o mesmo sobre o encontro dos deputados Nelito Ekuikui e Adriano Sapinãla com o governador de Luanda, Manuel Homem. Tudo isso, traduz-se numa efectiva falta de maturidade política por parte da nossa sociedade.

A convivência política na administração do Estado é obrigatória, os partidos, assim como os seus respectivos membros (militantes e simpatizantes) e os demais cidadãos comuns, são obrigados a trocar ideias e a traçar programas. Sempre que for necessário, devem estar juntos para elaborar, discutir e coordenar projectos de diferente natureza. Não há erro ou mal nisso. Para os políticos isso é completamente normal, e deve servir de incentivo para que os dois partidos conversem mais em prol do país. Os encontros não significam que esse ou aquele militante do partido A ou B, é amigo ou aliado do dirigente desse ou daquele partido. A população precisa entender que em política não existe isso de dizer “visto que perdi as eleições agora não vou tomar posse”, ou que “houve fraude eleitoral portanto, não vamos tomar posse”, ou ainda “me enganou, agora não vou mais falar ou encontrar-me com ele”… 

 Não se chega ao Poder do Estado só por via do voto

Não importa o país ou qual o tipo de sistema político, somente o voto do povo não garante a ascensão  ao «Poder de Estado». Só alguém com pouca experiência ou com pouco conhecimento político acredita nisso, porque o voto constitui apenas uma parte de toda a conjuntura político-estratégica que pode levar ao Poder de Estado.   Entender essa questão requer conhecimento político, requer entender como funcionam as dinâmicas lobistas, as estratégias diplomáticas, o emprego do poder econômico, o fluxo do tráfico de influência de poder nacional, regional e internacional e tantos outros factores estratégicos que por razões óbvias, não ouso explicar ou expôr aqui. 

Na verdade, não se chega ao Poder de Estado somente através do voto. O Presidente Biden não chegou ao poder através do voto directo dos eleiores, nem os presidentes Zelensky, Emmanuel Macron ou qualquer outro líder. Acreditar nisso constitui uma autêntica ilusão política. O Poder de Estado tem regras próprias, e não se trata apenas se um político é ou não carismático, se é ou não inteligente, se tem ou não retórica. Não se trata apenas disso. Trata-se de uma conjuntura estratégica e de multíplos factores internos e externos que concorrem… e também não se trata de certo ou errado, bem ou mal, justo ou injusto, ético ou antiético. Trata-se apenas de Política. É assim que ela é, e é assim que ela funciona. O Poder de Estado é extremamente complexo e entendê-lo é um exercício quase sempre muito complicado, para quem está fora desses meandros.

Em Angola,  alguns jovens tomaram iniciativas para criar partidos. É uma atitude positiva, que se enquadra nos princípios democráticos. É normal, mas sendo um discípulo e seguidor da Teoria do Poder (Teoria Elitista e Teoria do Realismo Político) e conhecedor das dinâmicas do Poder, tenho que todos esses novos projectos político-partidários são 100% perca de tempo. Não simplesmente porque não conduzirão a nada, mas porque são visíveis muitas falhas por parte dos seus líderes e seguidores, resultantes da falta de preparação política.

O Poder de Estado é uma espécie de “Leviatã”

Esses novos projectos partidários apresentam, já a partida, muitas falhas funcionais e organizativas, ausência de (infra)estrutruras, inexistência de equipas competentes de comunicação e marketing eficazes, e o mais grave ainda, não se sabe exactamente o quê que esses jovens pretendem fazer. Não têm um programa de Administração de Estado, não possuem um projecto econômico, entre outras inúmeras falhas e erros estratégicos, e ainda assim, alguns dizem que pretendem concorrer ao cargo de Presidente da República. Como é possível isso sem um Programa de Estado?

A Política não é um mar onde qualquer um deve mergulhar e nadar, porque vai muito além do entendimento académico-científico. O facto de que se pretende criar uma “Terceira Via” no país, não significa dizer que deve ser feita de qualquer maneira. O Poder de Estado é uma espécie de “Leviatã”. Não há como entendê-lo claramente, não há como domá-lo, porque é ele quem doma e quem neutraliza. O Poder de Estado exige visão estratégica.

Entretanto, o factor cooperação é fundamental na sociedade, assim como o factor tolerância política: ninguém deve ser agredido por ser da UNITA ou do MPLA, como por exemplo aconteceu com a agressão aos deputados da UNITA, no dia 22 de Maio, no Cuando Cubango. Foi um acto bárbaro e é totalmente inadmissível esse tipo de acção contra membros de um órgão de soberania. Um deputado é, antes de tudo, um representante do Povo, porque só depois é que representa o seu próprio partido. Por outra, ninguém deve ser conotado ou ameaçado pelas suas próprias opiniões ou críticas contra o MPLA ou contra a UNITA. Mas o que acontece é que há muita intolerância, tanto da parte de militantes da UNITA quanto dos militantes do MPLA. Não gostam de ouvir críticas contra os seus partidos ou contra os seus líderes, e quando isso ocorre, quem as faz é logo conotado(a) e atacado(a) de todas as formas. Desse jeito, como se irá construir uma Angola melhor?

Já dirigi mais de 18.000 estudantes unversitários, quando exerci funções de vice-presidente da Organização dos Estudantes das Universidades do Vaticano (as Pontifícias), e a nível interno da Universidade (Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino). Lidava com várias sensibilidades e nacionalidades diferentes, várias culturas, vários pedidos burocráticos, críticas, pressão e algumas controvérsias… Somente grandes intelectuais podem dirigir organizações constituídas do princípio ao fim por intelectuais… mas é assim que funciona a dinâmica do “Poder”. 

Quando se está a frente de uma organização, deve-se saber ouvir e dar solução à cada tipo de problema, crítica ou pressão. Pretendemos dizer, que o MPLA precisa saber encarar as críticas como uma dinâmica normal na Administração do Estado. Para cada crítica ou problema, deve-se saber encontrar soluções viáveis, visto que como partido que detém o Poder, precisa sim de mostrar resultados. E a UNITA e os demais partidos devem contribuir estrategicamente para a evolução do Estado, assim como a sociedade civil, também deve dar o seu contributo. Quer queiramos quer não, um país só é o que é, tendo como base a arquitetura daquilo que é o seu povo e o sistema de Estado. Nesse quesito, todos nós, em pequena ou grande escala, temos também o nosso percentual de responsabilidade para com o país. Seja para o bem ou para o mal, estamos todos envolvidos, directa ou indirectamente. Ninguém está isento e é assim que a Política funciona.

*Post-Doc Researcher.

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