Os sinais de exaustão estão por todo o país, demonstrando estar a esgotar-se a capacidade de tolerar o descaso, o desrespeito, a falta de sentido de público e de responsabilidade social, para referir apenas alguns.
UBUNTU é, simultaneamente, uma Ética Social e um Modo de Vida baseado no respeito pelo outro. Cosmovisão de Mundo que articula o Divino, a Comunidade e a Natureza, e assenta em valores civilizatórios, entre os quais, a ascentralidade (a consciência ecológica dos antepassados); a circularidade (equidistância objectivada no Ondjango, na busca de consensos); a oralidade (conhecimentos e esperiências passadas de geração para geração); o comunitarismo e o cooperativismo (os lucros gerados para serem redistribuídos, partilhados, sem que ninguém seja explorado no processo de produção; a memória (a importância do que fomos, de onde viemos, para o que somos hoje e o que pretendemos ser no futuro, individual e colectivamente).
Voltando à minha pergunta de domingo: “Que Mundo é Este?”, eu realmente acredito que precisamos, com urgência, de inventar Novos caminhos para a construção de um Futuro para todos nós, que não deixe ninguém “de fora”. Ou seja, temos de colocar em prática o discurso da inclusão, da pluralidade, da participação, da justiça, da sustentabilidade. E da Paz! Porque precisamos acreditar ser possivel um Futuro que resulte da construção colectiva de Novas Visões de Mundo, plurais e não excludentes, através da mobilização dos conhecimentos e experiências possíveis, desenhado por inúmeras mãos, para ilustrar o que desejamos para nós e os nossos, hoje, e para que as gerações futuras tenham o direito, amanhã, de escolher os seus próprios caminhos.
Sem romantizar diria que um dos caminhos, particularmente para nós, africanos, consiste em nos descobrirmos na nossa diversidade, nos reconhecermos como partes de um todo, e nos voltarmos para as nossas filosofias e mundivisões. Entre elas, o UBUNTU. Pela perspectiva enriquecedora de buscar forças na união e na vida em comunidade. Pela inspiração para reinventarmos a Política orientada pela União e o Bem-Público, organizarmos a Economia numa perspectiva Solidária para a cooperação, e recriarmos a Vida em Sociedade orientada pela Inclusão, pela Solidariedade e pelo Bem-Comum. E assim, construirmos Liderança Colectiva em todos os domínios da vida. Pensar em Progresso implica Desenvolvimento Endógeno, Sustentável, nos nossos termos! E, para mim, isso significa pensar, sentir e agir UBUNTU.
Mas, na África em geral, e Angola não é excepção, é muito pouco valorizado. Na verdade, esta e outra filosofias africanas são ostensivamente ignoradas pelos ‘chefes’, provavelmente devido aos complexos de inferioridade que a maioria deles demonstra ter, optando por formas de exercício do poder com base na imposição, pela força, da sua visão (míope) da vida em sociedade. Devem considerar que a adopção de valores e princípios africanos os ‘menoriza’ em relação aos seus ‘chefes’ (porque eles também têm chefes!), os donos do mundo!
Provavelmente, mais inferiorizados se sentiriam com a evocação ao modus operandi de inúmeras sociedades do mundo animal, pleno de exemplos sobre a importância vital do trabalho em grupo, não só prioritário, mas também extensivo a todas as áreas da vida em grupo. Espécies como formigas, abelhas, pássaros, peixes, entre outras, só sobrevivem devido ao comportamento cooperativo em que os objectivos do grupo se sobrepõem aos dos seus membros.
Se, como afirma Spinosa, (…) a Paz é uma disposição para a benevolência, para a confiança e para a justiça (…) não parece credível que “os regimes que mandam na África” tenham condições para promover um ambiente social gerador de confiança enquanto bem público, de respeito pela diferença, de justiça social, de afirmação na prática de cada dia dos valores democráticos e da primazia da Vida. Perante essa constatação, questiono: quando será que nós, Sociedade, teremos a coragem de confrontar os poderes instituídos e dizer-lhes que aos quase 50 anos de independência, nunca estivémos tão mal! Que, nunca como agora, sentimos a esperança esvair-se nas tentativas diárias para nos mantermos ‘ínteiros’ apesar das dificuldades, das tentativas de cooptação, dos bloqueios de toda a ordem, da censura, e por aí …!
Aproxima-se a data de mais um simulacro, em que, para além das imprecisões e mentiras, é elaborado e transmitido sem o mínimo de sentido do que, de facto, deveria ser a comunicação entre quem governa e quem é governado! Os sinais de exaustão estão por todo o país, demonstrando estar a esgotar-se a capacidade de tolerar o descaso, o desrespeito, a falta de sentido de público e de responsabilidade social, para referir apenas alguns.
Precisamos assumir que a Paz e o Futuro quem constrói somos nós, e nós temos um ideal, uma utopia que nos sinaliza aquela luz, lá no fundo. Mas a busca por essa inspiração, por essa utopia, vem-se tornando um longo e difícil caminho, que está cansando a nossa esperança. Temos de dar não só o primeiro passo, mas também ‘acreditar no processo’ e não apenas no resultado que esperamos.
02.03.2024