Postal do Kinaxixi
Alguém terá medo de viver em Angola? Porque razão?
Estas duas interrogações, perfeitamente interdependentes, devem ser, agora, mais do que nunca, expostas para um debate sério e producente sobre a situação dos angolanos e a sua esperança de vida em paz e prosperidade.
Têm medo de viver em Angola todos os jornalistas que não se revêm num ambiente sem liberdade de expressão e sem pluralismo dos média públicos.
Têm medo de viver em Angola os intelectuais livres – que não se deixam corromper por um prato de arroz com peixe-frito – e cuja mente é pródiga em pensar uma Angola de progresso e ampla participação de todos na construção da pólis. Os intelectuais que não acreditam que o fosso entre dirigentes e governados é um modo de governar uma Angola saída da longa noite colonial. Os intelectuais que sonham o sonho de Martin Luther King, de ver um país onde possamos dar as mãos, todos nós, angolanos.
Têm medo de viver em Angola os jovens sem perspectivas de emprego, de uma educação de qualidade ou de uma vida condigna em conformidade com o artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A razão é a perseguição das forças da ordem e de segurança exercida sobre estes três grupos sociais quando, na sua ânsia de comunicar o que pensam, são conotados como potenciais desestabilizadores da situação política, inimigos do MPLA e do Presidente da República. As perseguições compreendem um âmbito de medidas aplicadas conforme o estatuto ou a projecção social do visado e podem ir das ameaças veladas contra a integridade física, a prisão fora dos limites da prevenção até à eliminação física.
Mas o sonho dos angolanos não pode ser a diáspora. O sonho dos angolanos tem de ser Angola. Tem de ser sonhado na terra angolana. Tem de ser construído tijolo a tijolo, grão a grão, aqui mesmo em Angola, numa comunhão de classes, grupos, nações e culturas.
Jornalistas, intelectuais e jovens em geral – o futuro do país – devem permitir-se sonhar Angola livre e insubmissa outra vez. Outra vez, porque esse já foi o sonho dos nossos antepassados que, há mais de 60 anos, lançaram o manifesto anti-colonial, fundaram movimentos de libertação e pegaram em armas para fundar uma Angola livre.
Há dias, estava eu às compras numa enorme superfície comercial do Futungo, quando se aproxima de mim um general na reserva que eu não conhecia e me cumprimenta “como está, Sr. Professor?”. Conversa vai, conversa vem, terminou assim o general: “lutámos tanto praquê, também não valeu a pena!”
O lamento do general foi precisamente a desilusão face ao estado do Ensino que temos actualmente em Angola. O estado do Ensino em Angola é o barómetro da liberdade inalcançada. A escola angolana não ensina a liberdade de pensar, nem ensina aos cidadãos o método de sermos livres com o conhecimento. Os professores também vivem à sombra do medo. Bernardo Diavava, o professor que, em 2022, marchou pelo direito de os alunos se sentarem em carteiras, que o diga.
Tal como as zungueiras, que já se habituaram às mortes por balas da polícia na rua, e já só têm medo de não levar o pão para os filhos ao fim do dia, todos nós, agora, temos medo de viver. Só mesmo medo de viver.