O SISTEMA QUE DOMINA O PODER EM ANGOLA (3)

Análise de Alexandra Simeão

Se os interesses da decisão forem privados e colocados como interesse público e a ratificação do caminho ou decisão couber ao Presidente, o ónus da falência das políticas públicas também será dele e isso reflectir-se-á no apoio ou ausência de apoio popular e do seu Partido.

Nota prévia:

No quadro de nosso exercício plural de cidadania e da liberdade de expressão, lançamos o repto à sociedade para fazer uma abordagem desapaixonada sobre “O (nosso) SISTEMA”, que chegou de mansinho com os libertadores que proclamaram a Independência Nacional e acabou por se instalar e ficar, tornando-se dono até do nosso destino, depois do escritor e jornalista José Luís Mendonça, trazemos a contribuição de Alexandra Simeão, uma voz que à diferentes níveis sobre a abordagem de questões que se prendem com Angola, não se cala.

Mas, para manter o alinhamento tal como fizemos na primeira abordagem, também agora recordamos que com frequência, a diferentes níveis, refere-se a existência de uma ‘força superior’ que tem e domina o poder político, influencia a governação, o funcionamento das instituições públicas e a economia, a vida social, cultural e até desportiva em Angola. Viola leis, atropela princípios constitucionais, a liberdade, os direitos das minorias, a moral, a ética e a transparência. Gere fundos públicos fora do OGE e não justifica. Tem os seus tentáculos e os seus olhos incluindo na telefonia móvel e nas redes sociais. Controla as nossas vidas a tempo integral. Atribuímos-lhe a denominação de “O SISTEMA”. Parece não ter visibilidade, mas sabemos todos que está aí, porque incute-nos a “Cultura do Medo” e quando acha que saímos da linha, aparece e zás…. 

Não sabemos definir, concretamente, o que é. Mas sabemos que existe, que intervém, que é poder e condiciona o desenvolvimento político harmonioso do País. É “O SISTEMA” que por vezes se confunde com (ou é) um tal “ORDENS SUPERIORES”, que nem mesmo quem as transmite, conhece ou sabe onde está…

O convite é público e para participar, bastará responder as seguintes questões: 

1) O que entende por “O SISTEMA” em Angola? Como o caracteriza, como se instalou, como se tem renovado, mesmo apesar da mudança de presidentes da República?

2) Tem influenciado o exercício democrático, a governação e o nosso desenvolvimento?

3) Quem lidera “O SISTEMA”?

4) Alguma vez sentiu que foi vítima do “O SISTEMA”?

5) Esse “O SISTEMA” tem como tornar o Presidente da República refém?

A nossa convidado nesta segunda incursão, Alexandra Simeão, também escreve regularmente comentários para o semanário Novo Jornal, onde pode ser acompanhada. Natural de Luanda e licenciada em Estudos Artísticos, já exerceu, durante 11 anos, o cargo de vice-ministra da Educação no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, tendo-se destacado como responsável pela Área Social e partiram dela as primeiras iniciativas para implementação o Programa de Alimentação Escolar com o patrocínio do PAM (Programa Alimentar Mundial). 

Eis o conteúdo da sua abordagem:

Os “homens do Presidente” têm sido temidos pela força e poder que têm, desde 1975

O que entende por sistema? Como o caracteriza, como se instalou, como se tem renovado, mesmo apesar da mudança de presidentes da república?

SISTEMA em Angola é uma “entidade” que vive na retaguarda. Por isso, somos levados a pensar que Sistema e Partido dominante são a mesma coisa. Em minha opinião não são. O Partido é uma entidade plural, que dá a cara, com imensas pessoas com capacidade comprovada, pessoas leais à causa e pessoas com visão, mas não tem poder vinculativo neste modelo “atípico”. O Sistema é quem decide, quem promove, quem exonera, quem define as prioridades, mesmo quando estas colidem com os programas eleitorais e do Partido

A história de Angola mostrou e a observação pública percebeu que o Sistema é o INNER CIRCLE de cada presidente e o seu grupo de interesse específico em outras esferas, composto por pessoas de enorme confiança pessoal. Foi assim com Agostinho Neto, foi assim com José Eduardo dos Santos e está a ser assim com João Lourenço. Zona de privilégio pela proximidade do Centro do Poder, é o coração de todas as decisões civis, económicas, judicais, diplomáticas e militares e a esfera de influência que garante novos players definindo o presente e o futuro de pessoas e de rumo das estratégias públicas e dos interesses ocultos.

O que acha que tem influenciado o exercício democrático, a governação e o seu desenvolvimento?

O exercício democrático, fora das eleições que sempre foram livres, mas nunca foram aceites por parte significativa da população como justas, é pequenino. As decisões mais significativas são decididas sem auscultação e quando há alguma auscultação raramente há concertação. Nunca houve um Referendo em Angola sobre os assuntos que não estão impedidos por Lei. A imprensa pública continua assente numa dependência que lhe coarta a imparcialidade e a autonomia. A prestação de contas públicas na generalidade, apesar de algumas melhorias, ainda é sofrível em detrimento do estipulado na Lei. A manifestação de protesto ou de apelo a algum Direito é impedida pelo subterfúgio de uma autorização que a Lei não exige, solicitando, esta, apenas a informação da mesma, para efeitos de segurança pública. A estratégia de governação desde 1992 mostrou que houve poucas ideias novas e as poucas nem sempre foram consequentes, por isso não temos problemas novos. Não se faz a avaliação dos projectos, para impedir que se cometam os mesmos erros. A prioridade não tem sido o factor de ponderação da despesa, logo o desenvolvimento é confundido com crescimento, mas não se repercute na melhoria da vida das pessoas de forma nacional esmorecendo o seu impacto. A governação com diferentes presidentes, tem sido difícil de definir pois sempre que alguma coisa corre mal e o barulho do erro se torna incómodo alguém é exonerado, sem acrescentar mais nenhuma mudança. A execução orçamental, além de tardia com início no segundo trimestre, não é executada a 100%. Os planos não parecem consequentes. Saltamos de plano para plano sem perceber quais foram as mais valias ou os constrangimentos do plano anterior que consumiu imenso dinheiro num país que tem fome e lepra, entre outros constrangimentos graves e inaceitáveis no século XXI e com os nossos recursos naturais.

Alguma vez se sentiu vítima do sistema?

Pessoalmente, apenas quando o meu pai morreu, com um tiro na cabeça em 1993, em casa, em circunstâncias que ninguém nunca esclareceu, apesar de terem sido construídas várias “teorias institucionais”, sem que nunca nenhuma prova nos tenha sido mostrada.

Como cidadã eleitora e contribuinte sou vítima da ausência inexplicável de prioridades, tal como 33 milhões de cidadãos angolanos. Desde a reconstrução nacional, depois do fim da guerra, até hoje, as opções de parte significativa da boa despesa ou foram discutíveis pela ausência de eficácia da obra ou do plano ou foram mesmo um absurdo de serem supérfluas, num país que deixa todos os anos 2 milhões de crianças fora do ensino primário e que tem na malária a principal causa de morte por ausência nacional de um saneamento competente. Este é um excelente exemplo que torna o país numa vítima e impede o progresso, o desenvolvimento, o aumento de capital humano e os Direitos Humanos da maioria da população.

Esse sistema tem como tornar refém o Presidente da República?

A experiência anterior mostrou que sim. Os “homens do Presidente” têm sido temidos pela força e poder que têm, desde 1975. Mas quem está de fora nunca consegue ver a linha que separa a capacidade de influenciar a decisão e a capacidade de decidir sobre a mesma. É claro que a última palavra será sempre dos presidentes. E este é um domínio que deve ser encarado pelos presidentes como a sua glória ou a sua ruína. Se os interesses da decisão forem privados e colocados como interesse público e a ratificação do caminho ou decisão couber ao Presidente, o ónus da falência das políticas públicas também será dele e isso reflectir-se-á no apoio ou ausência de apoio popular e do seu Partido. Vimos como o Presidente José Eduardo dos Santos foi endeusado pelo seu INNER CIRCLE e pelo seu partido, durante 38 anos. E vimos a forma macabra como terminou. O exemplo merece uma séria reflexão para o futuro de todos os presidentes, de qualquer partido. O inverso também é real. As boas decisões que têm efeito na qualidade de vida e na felicidade colectivas são elogiados, mesmo sendo decorrentes do exercício dos mandatos, ainda assim o povo expressa sempre a sua alegria pelas políticas eficazes que o incluem e isso é um garante e uma mais-valia para a imagem e reputação de qualquer presidente no seu país e internacionalmente. O país deve, por isso, estar sempre acima de qualquer militância, do interesse privado e da vontade de alongar mandatos. O exercício democrático foi construído para impedir mandatos longevos. Assim estará sempre assegurada a tranquilidade das transições políticas. Infelizmente, o mundo ainda tem alguns tristes exemplos deste nefasto “apego antidemocrático” ao poder. 

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