JAcQUEs TOU AQUI!
Macroeconomia tem impacto no longo prazo.
Gestão microeconómica tem que ser feita aqui e agora.
Tom Coelho (pensador brasileiro)
O mundo está a mudar, não restam dúvidas sobre isso. Muda para pior em quase todos os sentidos. Vivem-se tempos difíceis. Tempos de sofrimento, de intriga política, de nenhuma solidariedade social, de muita maldade e perfídia. De violência gratuita. Incineram-se pessoas vivas sem que mão autoritária impeça a barbaridade. Escasseia o dinheiro e a economia familiar apresenta saldos negativos nos seus balanços diários. São tempos de intolerância injustificada, estes que estamos a viver. Tempos em que espanta o optimismo declarado de certos figurantes da cena política nacional. Embandeiram em arco sem pensarem que, apesar do brilho de certas luzes, se desenham no firmamento, não olvidemos isso, tempos de maus augúrios para o próximo futuro. Tempos em que veremos, como de resto já se viu, condenados pelos tribunais a apresentarem-se em audiência com males da memória, apenas para escaparem às penas que lhes estão reservadas. Tempos em que predestinados da palavra dita ou escrita continuarão a exibir no campo da confrontação de ideias, ou uma desfaçatez miserável ou então um mutismo confrangedor. É um período de inversão de valores em que até as kinguilas já substituem bancos nas operações de transferências interbancárias directas. A profissional do câmbio de rua evoluiu, ganhou estatuto e tem clientela segura. Enfim, vivem-se tempos surpreendentes nunca antes vividos, tempos de guerra declarada com indícios de uma paz apodrecida no seu miolo, tempos em que as preocupações domésticas nos obrigam a fazer conjecturas e repetidas contas. Contas essas assentes na base de novos cálculos, alguns deles de técnicas apuradas mas difíceis de decifrar, por isso, ruins de contabilizar. É época em que formidáveis narrativas e impensáveis descobertas nos levam a concluir que os resultados das nossas contas constituem quase sempre um dilema que acaba por não ser novo: o de não se saber se viramos para a direita, se nos dirigimos para a frente ou se ainda damos uma guinada em direcção à esquerda.
Mercê dessas hesitações, percorrem-se inútil mas frequentemente, estradas de mau piso que nos levam amiúde para caminhos ínvios. Sabemos bem que não é fácil escolher-se o caminho certo, porém mais difícil se torna quando o erro na indicação da estrada é por demais óbvio. Não é admissível pecar pela mesma razão do anterior erro, nem depois de, a uma circunstância semelhante, se apresentar outra como diferente.
Em Angola habituou-se a pensar macro. Há suficientes motivos para alguns sorrirem. Porque, passados que estão quase cinco anos da era JLo, registam-se muitas realizações nos vários sectores da economia. Foram razoáveis os êxitos conseguidos, quer em obras quer em implantação de serviços. O kwanza ganhou fôlego, a dívida pública angolana baixou e o PR “fica com a impressão” que os dinheiros públicos estão a ser bem gastos. Há largos sorrisos mas há também quem contrarie a afirmação de João Lourenço, pensando exactamente o contrário.
No mesmo período e no domínio social criaram-se invejáveis estruturas das quais elejo, por serem as mais aplaudidas, as específicas da área da saúde (referência especial para o novo Hospital Geral de Cabinda com as suas valências de última geração) que, apesar da Covid-19 (use máscara, salve vidas), com os seus traumas e as controversas medidas sobre os testes da dita cuja, teve e vai tendo o usufruto do período de glória da titular da pasta. Não obstante os vários equívocos, tais como os médicos firmes na sua greve (peleja baseada na diferença de salários dos profissionais angolanos em relação aos estrangeiros) e os enfermeiros a um passo da mesma reivindicação, a falta de medicamentos nos hospitais e postos médicos de todo o país, a ausência de técnicos especialistas capazes de fazerem mexer a engrenagem da saúde que entretanto vai matando, em suma, apesar de todas as falhas que obstaculizam o cumprimento conveniente do seu papel; não obstante tudo isso, mostram-se vaidosamente ao mundo estruturas que teimaram em não existir nos nossos quarenta e sete anos de vida difícil enquanto país. O caso da saúde é um entre muitos exemplos de como se trabalha afincadamente macro, quando em muitos casos a solução é pouco mais que micro.
O sector dos transportes é outra referência por óbvias razões. Salvo qualquer erro de análise, mostra-se incapaz de cumprir um terço (talvez menos) das intenções dos projectos divulgados pela sua bem elaborada propaganda e onde a vertente macro é evidenciada. Na minha opinião torna-se claramente, senão um caso de estudo, um assunto para reflectir em brevíssimo futuro. Fica patente que falo apenas de áreas de maior exposição, abstendo-me de questionar a agricultura e as pescas, por exemplo. Sem deixar de me perguntar entretanto, a razão pela qual no geral e nesta fase, a opção macro continuar a prevalecer.
Pensar micro é pensar baixinho, falar simples, idealizar projectos baratos que sirvam efectivamente as populações mais necessitadas. Há gente que manda que detesta pensar baixo! Mas a simplicidade desses projectos para benefício do povo é real. Todavia, colocados em prática são pródigos em mostrar as barreiras da máquina burocrática que lhes retiram grande parte da utilidade. Faz-nos até ficar com a impressão de que a sua concretização é de dificuldade superior aos dos macroprojectos. Pode ser apenas impressão, mas já vivenciei algumas experiências em que o “simplifica” é pura retórica.
Aqui chegados devo alertar os meus leitores para que não se iludam. Não pensem que estou tentando abordar as tendências gerais da economia. Nada disso. Apesar do evidente esforço que faço, não me sinto capaz de entender perfeitamente os fenómenos das relações macroeconómicas. Percebo quase nada dessa matéria complicada e seria desastroso querer seguir o pensamento dos mestres em economia tentando expressar-me sobre a intrínseca relação entre a macro e a microeconomia.
Entendo todavia que o consumo nacional é a soma das decisões individuais de consumos das famílias e que nunca se devem descurar as restrições impostas pelos salários dos indivíduos. Para concluir, que o consumo deve ser determinado a partir do salário do trabalhador contribuinte e que, também, o investimento é fulcral para o desenvolvimento da economia.
Dito isto, não teria cabimento nenhum arvorar-me em sabido nas questões problemáticas da economia nacional. Seria o mesmo que querer dissertar sobre combustíveis fósseis e energia nuclear, sobre os ambientalistas ao serviço das multinacionais, acerca do humanismo ocidental ou das alterações climáticas e a sua relação com a agricultura convencional. O que na verdade cabia aqui e faria todo o sentido era que fosse possível ver, utilizando vocabulário popular, tocar para a frente e de um modo firme, corajoso e sustentado, sem quaisquer restrições ou interrupções, os projectos que visem realmente e sejam capazes de proporcionar a melhoria de vida da população angolana necessitada. Concluo citando o Tom Coelho da abertura: gestão microeconómica tem que ser feita aqui e agora!
Recordando a memorável data do 25 de Abril a assinalar segunda-feira, data tão importante para os portugueses como para nós mesmos, com os melhores votos de boa saúde e fé redobrada, despeço-me dos meus amigos e leitores. Espero por todos, no domingo à hora do matabicho.
Luanda, 23 de Abril de 2022
