27 DE MAIO DE 1977. É PRECISO CRIAR UMA COMISSÃO DA VERDADE INDEPENDENTE

Os textos ou os livros mercenariamente escritos a pedido, tentando glorificar o regime estabelecido em Angola depois do dia 22/05/1977, apenas demonstram indigência intelectual. São ressentidos, amargurados e falsos.

POR CARLOS BENTO*

É voz corrente que a história é sempre escrita pelos vencedores. É o que vem acontecendo sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977. Mas, com a busca contínua da verdade da história, os vencidos têm que conseguir uma narrativa (com os dados colhidos ao longo dos anos) a demonstrar que os vencedores a têm falsificado e mesmo produzido factos de acordo com os seus interesses. Os vencidos têm que continuar a luta por encontrar cada vez mais provas que causem contusões aos vencedores, pelo facto destes terem conseguido os seus testemunhos através de tortura e morte, falsificando a história com a sua contra-revolução. A verdade não pode continuar a ser mais uma vítima dos vencedores. Com a sua narrativa, bem longe da realidade, mesmo apesar da compra de consciências de desavergonhados e crápulas, como o Félix e outros, e o acréscimo de pequenas estorietas de grupos de membros da ex-DISA tentando desacreditar as verdades que começam a surgir a público, elogiar os caniceiros e reforçar a sua narrativa. 

Que obra revolucionária foi produzida 46 anos depois pelo regime consolidado depois do 27 de Maio de 1977? Nenhuma, para além de propaganda.

Convenhamos que o debate público e o conhecimento sobre o 27/05/1977, origens e consequências, ainda é manifestamente insuficiente. Apenas um reduzido número de sobreviventes e vítimas têm algum conhecimento desse tempo sombrio da história de Angola. Por outro lado, ainda não ocorreu a catarse sobre os acontecimentos do 27/05/1977, nem a democracia política vingou no país. Isto não acontecerá antes de se enterrar definitivamente o 27/05/1977. Ainda se fazem sentir na sociedade angolana os efeitos da excessiva repressão que ocorreu neste processo, e os dispositivos e instituições herdados desse tempo ainda funcionam.

Entretanto, perdeu-se uma grande oportunidade de fazer contravapor a este estado de coisas, com o desmantelamento prematuro do PRD (pelo MPLA, com conivências no interior do PRD), partido político criado com base nos sobreviventes do holocausto e outros sequestrados, que poderiam/deveriam criar esperança e futuro a largas parcelas da sociedade angolana. A responsabilidade na divulgação das informações cabe aos sobreviventes da tragédia.

O tempo vai passando e tem-se perdido a oportunidade de promover um debate público amplo e permanente sobre o golpe civil-militar perpetrado por Lara/Iko/Ludi/Onambwé e os seus efeitos perniciosos. É necessário que a sociedade angolana e o mundo saibam disto e como prepararam, organizaram e executaram o “golpe perfeito”! 

O que pretende o poder com a sua atitude perniciosa?

Pretende perpetuar o silêncio e forçar a cultura do esquecimento. Pela manipulação destes factores e pela força do poder tem mantido e tentado perpetuar a existência da sua narrativa. Por isso se nega a criar uma Comissão de Verdade independente, que se deveria empenhar em exigir a abertura dos arquivos da tristemente celebre DISA, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Defesa, do MPLA e outros relevantes, para que toda a comunidade pudesse ter acesso aos mesmos e trabalhar-se no sentido de apaziguar as almas de todas as vítimas deste processo.

Os vencedores fartaram-se de “chutar cachorros mudos” ao longo dos anos, mas todos estes se tranformaram nas moscas que pousaram na sopa dos vencedores. Pousaram para aprofundar a busca da verdade e perturbar o sono dos falsários. E não vale a pena usar insecticida pois as moscas vão resistir. E por cada mosca que consigam liquidar, outra surgirá para a substituir.

A Comissão de Verdade, a criar, terá que apurar os delitos ocorridos antes, durante e depois do 27/05/1977, bem como a identificação dos responsáveis directos pela morte, tortura e desaparecimento forçado de dezenas de milhares de angolanos e alguns cidadãos estrangeiros, nomeadamente portugueses e brasileiros. Os resultados da Comissão de Verdade deverão servir para ser discutidos nas escolas, nos sindicatos e associações de classe, nas entidades culturais, nas igrejas e mesmo nas escolas de formação de militares e paramilitares, para que nunca mais ocorram semelhantes tragédias. Até os partidos políticos deverão promover debates sobre os temas abordados nos resultados para que, em circunstância alguma, tenham a tentação de, um dia no poder, ter o mesmo comportamento. Só assim a sociedade angolana se apropriará da sua história pois, até ao momento, pensar e respirar tem sido “ilegal”, embora “o pensador” seja o símbolo do país. Este MPLA não quer criar uma Comissão de Verdade por não lhe interessar que se saiba a verdade. Mas o “direito à memória e o direito à verdade são cláusulas pétreas da sociedade”, e ao historiador independente cabe a tarefa de escrever a história porque a sua função é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer.

* (Vítima do 27 de Maio) TOLEDO, Caio.

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