CONSTRUÇÃO DO CENTRO DE CONVENÇÕES DA CHICALA (III)
“O errado não deixa de ser errado, só porque a maioria concorda e participa”.
Leon Tolstoi

Como referimos nas duas peças anteriores, é pouco provável que até ao dia 22 de Junho, as obras de construção do Centro de Convenções da Chicala estejam concluídas, para cumprimento do propósito desse gasto não orçamentado de 300 milhões de USD, a Cimeira Empresarial Estados Unidos – África 2025, tida, provavelmente, como o mais elevado palco da diplomacia encetada pelo Presidente da República desde o início do seu primeiro mandato, para atrair investimento. Até aqui, os resultados não têm justificado o que já se gastou de recursos públicos, mas insiste-se nesse modelo de ‘captação’ de interesses. E embora toda a máquina esteja a funcionar em regime non stop (24/24), nem mesmo em Setembro, se prevê a conclusão dessa emblemática obra. Mais grave no meio de todo esse imbróglio que envolve o Presidente da República, é que o empresário Sílvio Madaleno, o proprietário da empreiteira, a Alfermetal, já ‘torrou’, segundo as nossas fontes, boa parte desses 300 milhões de dólares: quer na compra de equipamento para capacitar a própria empresa que só existia de nome, porque foi adquirida em Espanha numa situação de falência; quer ainda, reportam também as nossas fontes, para tapar os grandes buracos financeiros das empresas de Sílvio Madaleno, tido na generalidade como um péssimo gestor, mau pagador, inclusive de impostos ao Estado, para além dos maus-tratos verbais, físicos e psíquicos a que submete os seus colaboradores; e um terceiro quinhão, terá mesmo sido utilizado para aquisição de viaturas de luxo, incluindo para familiares.
Como das vezes anteriores, contactamos quer o empresário Sílvio Madaleno, quer a Presidência da República para ouvirmos o contraditório, até porque, apesar do silêncio e da ignorância a que somos submetidos, percebe-se claramente, que há o envolvimento do Estado e de recursos públicos, de forma pouco transparente, nesse grandioso e milionário projecto imobiliário. Ao empresário, perguntamos, inclusive, se aceitaria uma sindicância quer do Ministério das Finanças, quer do IGAE, para aferimento. Do outro lado, apenas o silêncio, apesar de entendemos perfeitamente, que o projecto, não é de todo mau. Como ele está a ser executado, essa, sim, porque pode estar a ser profundamente lesiva aos interesses do Estado, porque tendo em conta a actual conjuntura difícil, quem governa deveria direccionar esses fundos (que diz não ter) para atender outras prioridades, que são muitas, para salvaguarda da vida e da dignidade dos angolanos, mas também para o fomento da produção e da empregabilidade.

De acordo com um vídeo em 3D produzido pela Alfermetal e posto a circular recentemente nas redes sociais, entende-se, embora de forma muito ofuscada e sem a informação fundamental (quem é dono da obra e o seu valor, por exemplo), que o projecto, com a denominação de “Lundo”, vai para além da Marina, de Sílvio Madaleno, com capacidade para receber algumas centenas de embarcações de recreio e, inclusive, grandes navios de cruzeiro com centenas de turistas, que têm sido mal acostados no Porto de Luanda. Provavelmente, para além do Centro de Convenções, que está a ser construído pela empresa de Sílvio Madaleno, para lá das quadras desportivas, de um campo de golfe, ou de um, ou mais hotéis e casas de luxo para lazer, edifícios administrativos para serviços e outros, num total de 1500 apartamentos, a perspectiva que nos é apresentada é que, aquela zona será transformada na parte mais nobre da cidade de Luanda. Mas, apenas agora, e na sequência da nossa pressão, com informação as vezes desencontrada porque o lado oficial recusa-se, de forma injustificada e reiterada, em atender aos nossos pedidos de esclarecimentos endereçados por via de cartas, se está a fazer a correcção de vários actos administrativos, executados em clara violação às regras da boa gestão da rés pública e privada, a leis e interesses do Estado.
No entanto, o vídeo, que de acordo com as nossas fontes teve como criador um filho de Sílvio Madaleno, em vez de esclarecedor, serviu para alimentar ainda mais muitas dúvidas que se têm posto e algumas até, de elevada gravidade, para lá das que já levantamos nas duas anteriores publicações. Afinal, se se trata de um projecto imobiliário privado, por que razão está a ocorrer a injecção de recursos públicos, pertença dos contribuintes e logo, por via de um empresário incumpridor com as obrigações que tem com bancos, com trabalhadores porque não paga Segurança Social, com o próprio Estado ao não pagar impostos?
UTILIZAÇÃO DO FUNDO DE CAIXA DO MINFIN
Em todos os procedimentos observados até agora, é demasiado visível que há um grande patrocínio da Presidência da República, mas não se diz onde começa e onde terminam os interesses do Estado, para justificar o elevado investimento pela “porta de cavalo”. Está-se a proceder, também apenas agora, a expropriação dos terrenos (que como referimos, pertencem a Tchizé dos Santos, ao IPGUL, organismo do Governo da Província de Luanda que não foi tido nem achado no licenciamento da obra, e a outros agentes) a que se seguirá a infra-estruturação e o loteamento das áreas que vão até a Praia da Areia Branca, com fundos (despesa) já autorizada pelo Presidente da República. E apenas agora, também, estão a ser produzidas as novas escrituras.
Portanto, é o Estado, por via do Presidente da República, quem assume a factura para depois entregar os lotes a entidades privadas. Mas, ninguém diz absolutamente nada, ficando a informação condicionada amiúde, à interpretação de decretos presidenciais, que deveriam ser consequência de algo convincentemente justificado, antes da implementação do projecto (como foi o caso agora do lançamento da construção da cidade de Cazombo, pelo próprio Presidente). Porque se trata de dinheiro público, e não agora que já vai numa fase muito avançada para conclusão, sem estudos sustentados de retorno. Afinal, quantas vezes ao ano se realizarão grandes eventos neste Centro Internacional de Convenções, que justificam o retorno de um financiamento que já ultrapassou os 300 milhões USD?

De acordo com outra das nossas fontes, e a informação não foi respondida (desmentida) pelo órgão de apoio do Presidente da República a quem endereçamos as nossas questões, há agora outro ‘saco azul’ de sustentação do financiamento dessas acções não contempladas no OGE, esgotados os 300 milhões USD. Trata-se do Fundo de Caixa do Ministério das Finanças, apesar da relutância e indignação da ministra Vera Daves, por regra destinado para questões emergenciais, que, provavelmente, tal como nós, não vê os benefícios de mais este ‘elefante branco’, que acabará degradado como os estádios construídos para o CAN-2010. É que essa imponente infraestrutura, que será equipada com o que há de melhor no mundo em tecnologia, está a ser construída a escassos metros do mar, e sofrerá um desgaste maior e mais célere que os estádios. Como as instituições angolanas, regra geral, não dispõem de recursos para a manutenção das suas instalações, dos seus meios, equipamentos e para a compra de consumíveis destinados a assegurar o seu exercício, já se está a ver o filme desse Centro de Convenções nos próximos 10 anos. Basta olhar para o Memorial Agostinho Neto, onde até a relva se transformou em capim seco (agora em fase de renovação) por falta de rega, para as nossas estradas esburacadas e para os hospitais de luxo, sem medicamentos, sem luz nem água, alguns dos quais de construção recente. Por aí se pode ver o país real, e o futuro do milionário Centro Internacional de Convenções.
O ‘assalto’ ao Fundo de Caixa do Ministério das Finanças, pode constituir a razão por que não tem havido disponibilidade financeira, para cobertura das intervenções de combate à cólera, que se mantém ainda activa nalgumas regiões, tendo o balanço apontado para a morte de 700 angolanos.
CUMPLICIDADE COM QUEM PREJUDICA O ESTADO
Em vez de esclarecedor, o vídeo que resulta da nossa pressão, bem como algumas lonas imprensas afixadas no taipal ao longo da estrada principal, levantou mais dúvidas e algumas até, de maior gravidade, para lá das que já apontamos nas duas anteriores publicações: “A quem pertence o projecto? É pertença do Estado angolano? É privado, ou comparticipado? A intervenção do Presidente da República viola a Lei da Probidade Pública? Há o envolvimento e/ou favorecimento do Presidente da República num projecto privado do cidadão João Lourenço, associado a um empresário, Sílvio Madaleno, tido como desonesto, suspeito de envolvimento em casos de corrupção, quando foi o próprio a determinar que ninguém, por mais rico que fosse, estaria acima da lei, ou não seria protegido por ser pobre? Estará o Governo a financiar, neste momento de crise, o tal projecto de construção de um complexo de infraestruturas de apoio à realização de cimeiras de alto nível, que para além do Centro de Convenções, envolve a construção de residências e apartamentos protocolares, edifícios para ministérios e parques de estacionamento que teria a comparticipação do grupo turco Summa Internacional, quando antes descartou a construção da cidade administrativa”?
Demasiadas zonas cinzentas, que num Estado em que a Justiça não funciona a reboque do poder político e do executivo, estaria sob investigação. Incluindo da Assembleia Nacional. Mas, infelizmente, não é o caso de Angola. Em absoluto…
Faz alguns anos, estive no lançamento do projecto da Marina Baía (na Ilha de Luanda), ou Yacht Club Luanda, e ouvi Álvaro Madaleno Sobrinho, irmão mais-velho de Sílvio, de quem é sócio desavindo, anunciar que seriam gastos cerca de 250 milhões USD. Quanto custará a de Sílvio Madaleno e de onde obterá esse financiamento, já que tem o estatuto de persona pouco (ou nada) credível na praça financeira nacional e internacional, porque não paga créditos bancários, não paga impostos, não paga a segurança social nem os salários dos seus colaboradores, tornando-os seus reféns?
Na nossa próxima abordagem, incidiremos as nossas atenções sobre o negócio do aluguer e manutenção de embarcações de luxo detido por Sílvio Madaleno, e a forma como o utiliza para influenciar a sua relação quer com a Presidência da República, quer com diferentes ministros.

OUTRO CENTRO DE CONFERÊNCIAS NO PERÍMETRO DO MEMORIAL?
Do mesmo modo que em relação a Chicala, também o perímetro do Memorial Agostinho Neto foi invadido com a construção, na área que era destinada ao estacionamento, bem ao lado do Hotel Baía, de outro edifício, cujas obras em ferro e alvenaria, decorrem a cargo da OMATAPALO e num ritmo muito acelerado.
Menos imponente, mas também de grande envergadura, parece uma ‘irmã’ substituta, ou plano B de última instância, para preencher a falha do Centro de Convenções da Chicala, para albergar a Cimeira Empresarial Estados Unidos – África 2025.
Mas, tal como na primeira, também no caso desta obra, não existe informação pública. Nenhum painel com a informação básica. O nosso ‘empregado’ não se sente obrigado a informar a ‘sua entidade patronal’ de que obra se trata, onde foi buscar os recursos, se resultam de empréstimo e se sim, como será pago; ou por que razão se está a utilizar parte importante do espaço do Memorial, que deveria estar protegida, diminuindo assim a capacidade de estacionamento de viaturas nos grandes eventos, como os de investidura presidencial.
Provavelmente, a ocultação desses dados reflecte algum sentimento silencioso de pudor, porque essas acções, viradas sobretudo para agradar uma elite, contrastam com o aumento da pobreza extrema nos últimos anos. De acordo com um estudo da World Poverty Clock, em 2025 afecta 31% da população angolana, tendo subido 82% nos últimos oito anos, passando de 6,4 milhões para 11,6 milhões de pessoas. O país que gasta milhões em infraestruturas para acomodar conferências e para comemorar 50 anos de independência, viu já morrer 700 pessoas de cólera, não tem medicamentos e consumíveis nos hospitais, tem cidadãos deambulando pelas ruas sem emprego e comendo lixo.
Um retrato do terror e do maquiavélico egocentrismo do poder que capturou o Estado angolano.
