A Mulher continua incluída no grupo dos mais vulneráveis da população ao invés de ser tratada como igual, pois constitui, na maioria dos países, a metade da população.
Raimundo Salvador, jornalista e apresentador do programa radiofónico “Conversa à Sombra da Mulemba”, disse na minha página do Facebook, o seguinte: “Sinceramente… José Luís Mendonça. Conheces o Paulo. Ele não esteve bem, mas esta sua tentativa de assassinato de carácter de um homem como o AP é abjecta”.
RS escreveu esta frase, como comentário ao meu artigo intitulado “A OMA ainda está de pé?”, publicado no dia 12 do corrente. Nele, perguntava eu: “Será que uma organização da mulher que se preze vai ficar muda e calada perante a humilhação em foro público que a Senhora Lurdes Caposso sofreu da parte do Senhor António Paulo? Como pode uma mulher em pleno século XXI ser maltratada dessa forma, perante diversos colegas do nosso parlamento? Será que, em casa, o Senhor António Paulo trata assim a sua esposa?”
Quem não acompanhou o assunto, bastante propalado nas redes sociais, fique sabendo que, na semana finda, em plena reunião da Primeira Comissão da Assembleia Nacional, que trata dos assuntos constitucionais e jurídicos, o seu presidente, António Paulo, destratou a deputada Lurdes Caposso, ao mandá-la calar a boca de forma arrogante.
A primeira análise que se impõe ao comentário de RS é sobre o significado da palavra “abjecto”. Abjecto, diz o dicionário, é a “característica do que é baixo (vil); que contém ou expressa baixeza; que merece desprezo; ignóbil”.
Tudo indica que RS não domina bem a sintaxe da língua oficial de Angola, o português. Ele escreveu: “Conheces o Paulo. (…) mas esta sua (…)”. RS começa a tratar-me por tu (segunda pessoa) e depois utiliza o pronome possessivo (sua) na terceira pessoa. Daí que presumo que também não domina a semântica, outra parte da gramática da língua. Porque chamar abjecto (ignóbil) ao acto de alguém defender uma senhora humilhada em público é um tríplice sintoma de início de esquizofrenia, de falta de cultura geral e de misoginia.
Misoginia
Segundo o artigo “Cala a boca, mulher”, o nascimento da misoginia, de Mário Sérgio Lorenzetto (Campo Grande News, 6/11/2023), “O primeiro caso registado de um homem mandando uma mulher “calar a boca” e afirmando que a voz dela não deveria ser ouvida em público ocorreu no começo da “Odisseia”, de Homero, há quase 3 mil anos”, quando Telémaco repreende a mãe, Penélope, nestes termos: “Mãe – diz ele -, volta para os teus aposentos e retoma o teu próprio trabalho, o tear e a roca…. Discursos – continua Telémaco – são coisas de homens, e meu, mais que de qualquer outro, pois a minha fala é o poder nesta casa”.
Em Angola, mulheres são sistematicamente agredidas nas ruas, mortas a tiro, violadas e raptadas, mandadas calar a boca em reuniões. Poucos são os que se levantam indignados. Os abusos verbais contra a mulher angolana configuram uma forma de misoginia, assédio moral, merecedores de uma indignação e condenação pela Justiça. Esta, porém, há muito deixou de ser cega! A mulher, como todos sabemos, tal como a criança, é um ser frágil, devido à sua constituição e à missão sagrada de reproduzir a nossa espécie.
Teresa Manuela, Comissária Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Relatora para os Direitos da Mulher em África (2022) ao prefaciar a II Edição da obra Os Direitos Da Mulher – Os Compromissos de Angola a Nível Internacional e Nacional, publicada pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, afirmou: “Os direitos da Mulher também são Direitos Humanos – Declaração e Plataforma de Acção de Beijing de 1995”. Foi uma das conclusões a que se chegou nessa época, após séculos de luta da Mulher no mundo, pela afirmação dos seus direitos. A coragem de Eleanor Roosevelt e suas companheiras para trocar a expressão “todos os homens são irmãos” pela clarividente expressão “todos os seres humanos são iguais” na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, foi decisiva. Hoje de forma clara, o artº 23º da nossa Constituição, o artº 2º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, o artº 2º do Protocolo de Maputo, o artº 2º da CEDAW, o artº 3º do PIDCP e 3º do PIDESC, para não alongar a lista, foi declarado o Princípio da igualdade entre Homem e Mulher. São ganhos obtidos como resultado de muita coragem e persistência, pois muitas das batalhadoras, de todas as latitudes, incluindo de África e de Angola, perderam a vida. Devem continuar a ser honradas e os seus feitos transmitidos de geração em geração.
Mas de lá para cá, no nosso continente e no nosso país em particular, há ainda muito por fazer, pois, como mero exemplo, a Mulher continua incluída no grupo dos mais vulneráveis da população ao invés de ser tratada como igual, pois constitui, na maioria dos países, a metade da população.
Responsabilidade civil
O que Raimundo Salvador também ignora é que mandar alguém calar a boca pode ter implicações legais em algumas situações. Em muitos países, incluindo Angola, a liberdade de expressão é protegida por lei, e insultos, difamação ou ameaças podem resultar em responsabilidade civil.
O assédio moral exercido por superiores hierárquicos ou até mesmo por um colega de mesmo grau hierárquico ou por um colega de hierarquia inferior, diz a jurista brasileira Margarida Barreto, “é um sentimento de ser ofendido/a, menosprezado/a, rebaixado/a, inferiorizado/a, submetido/a, vexado/a, constrangido/a, e ultrajado/a pelo outro/a. (…) De modo geral, esse tipo de comportamento é exercido por chefias autoritárias, com o objectivo de manter os subordinados com a moral baixa, obediente e temeroso. Sendo assim, a tortura do chefe nunca é inocente, porque o objectivo dele é alcançar uma determinada meta, ou seja, cumprir ordens recebidas e não se importando se irá assediar os seus subordinados”. (https://www.migalhas.com.br/depeso/67090/assedio-moral-no-ambiente-de-trabalho)
O jornalista e apresentador do programa radiofónico “Conversa à Sombra da Mulemba”, Raimundo Salvador, num assomo de extrema misoginia e machismo degradante, classifica o meu artigo em defesa de uma Mulher Angolana, vítima de assédio moral no trabalho, como ABJECTO.
O que Raimundo Salvador ignora é que chamar de abjecto (ignóbil) o acto de defender uma mulher pode ser tido como difamação, passível de uma acção por danos morais e de indeminização. Nesta conformidade, um pedido formal de desculpas, na página do Facebook, pode representar um acto de boa-fé e de civismo da parte de Raimundo Salvador.