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“Os mais fortes de todos os guerreiros são estes dois: tempo e paciência”.
Leon Tolstoi
Pesquisando na Wikipédia, achei a seguinte descrição: _“A II Guerra Mundial que envolveu a maioria das nações do mundo, incluindo as grandes potências organizadas em duas alianças militares opostas, os Aliados e o Eixo, acabara em Setembro de 1945…”_ Lembrei que ia completar dois anos de idade. Passado pouco mais de um ano sobre aquela data, rebentou a chamada Guerra da Indochina (1946/54), evento que viria a marcar a independência do Laos, Cambodja e Vietname. O Japão, que no final da dita II Guerra Mundial invadira o território colonizado pela França, numa aliança com o país europeu ocupante, foi derrotado pela resistência do Viêt Minh criado pelo comunista Ho Chi Minh em 1941. Tratou-se de peleja de longa duração. A seguir, mais exactamente, no final da década de cinquenta, rebentou o conflito entre os Vietname (Norte e Sul) e já no contexto da Guerra Fria despoletou-se a Guerra da Coreia, um conflito armado entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. As Nações Unidas com os Estados Unidos da América à cabeça apoiaram os sulistas, enquanto a China e a União Soviética davam força aos nortenhos.
No meu Calulo querido, onde no começo dos anos cinquenta os mais velhos ainda falavam dos efeitos causados na nossa região pela Grande Guerra, ou seja, a I Guerra Mundial (1914/18), eu fui influenciado pela presença de uma colónia de alemães na nossa terra. Habituei-me cedo à violência e ao impacto da palavra guerra. Também cedo passei a entender os acontecimentos relatados pelo meu pai e seus amigos e mercê ainda de alguns filmes que via com certa regularidade, sobretudo os documentários das “Actualidades Movietone”, narrados por um locutor brasileiro em português de sotaque forte, que infalivelmente mostravam o poderio americano nas frentes de batalha e antecediam a projecção dos filmes que passavam na sala do Clube Recreativo e Desportivo do Libolo. Captava tudo, na medida do que me possibilitava a minha inteligência e a capacidade de compreensão de um menino.
Entretanto, nos bailes de Carnaval fazia sucesso uma marchinha brasileira, uma entre muitas que se tornaram património nacional de que o povo brasileiro ainda se orgulha. Na verdade, mostravam uma tendência vinda de longe, ao satirizarem acontecimentos marcantes da sociedade geral. No caso, faziam uma caricatura do debate político do momento, levando-me hoje a realçar uma dessas marchinhas, de cujos versos ainda retenho uma passagem:
_Quando acabar o conflito/Não quero ouvir mais um tiro de canhão/Quero ver o Hirohito aflito/ A comer arroz sem palito…_
Assente em radicalismo insultuoso, a conversa cantada dos brasileiros estava dentro de tudo e até da guerra, onde viam Hitler, Mussolini e Hirohito, o imperador que mais tempo reinou no Japão, _marcando passo de pá e picareta na mão…_
Essas músicas remetem-nos a carnavais inesquecíveis e conservam a juventude que encantou milhões de crianças de todas as idades. Por isso, tornaram-se eternas e com razões de voltarem às vezes à minha memória. Fazem lembrar também um período que antecedeu a década de sessenta, marcada pela independência do Congo Belga e pela série de acontecimentos sangrentos que enlutaram o Continente Africano, entre os quais o início da nossa luta de libertação nacional, eventos que causaram forte perturbação no regime colonial português.
Com o eclodir do conflito na Ucrânia, a 24 de Fevereiro do corrente ano de 2022 – dia e ano que por via dele e pelos mesmos motivos bélicos atrás referidos, já entraram na história da humanidade –, parte do mundo despertou para uma realidade para a qual, incompreensivelmente, não estava preparado. Acordaram alguns poucos dos muitos que sempre estiveram a leste de tudo e de todos, aqueles insignificantes seres que em todo o mundo vivem no lado obscuro da ignorância plena. Um mundo onde não residem analistas, jornalistas e comentadores com suas rádios e televisões, distante do significado de termos e expressões fortes como “nacionalismo extremo”, “extremar posições entre os povos das duas nações”, “ausência de declaração de neutralidade”, “agressão violenta e inadmissível” e outras que não fazem qualquer sentido para quem eventualmente as lê ou ouve. Este núcleo passou a ouvir ou ler nomes de pessoas, de povoações e cidades nunca antes conhecidas. Ficaram a saber das imensas potencialidades do país agredido e das razões que assistem ao agressor, em palavras proferidas enfaticamente, de acordo com os interesses de cada um.
Falava há dias com uma amiga em Luanda e ao perguntar-lhe sobre o que pensava desta guerra, respondeu surpreendentemente, “que guerra?”. Ela não vê televisão, não ouve rádio, por questão religiosa. Fica assim explicada a ignorância. Como a minha amiga, e por variadíssimas razões, existe uma grande maioria da gente que compõe o Universo, que não está nem aí para os assuntos da guerra. Continuam como sempre estiveram, ou seja, lutando para não morrerem de fome. Entretanto, os grandes chefes do mundo, os analistas, os estudiosos, os sábios, há muito que aguardavam o 24 de Fevereiro. Era só questão de tempo, mais dia, menos dia. Poderia ter acontecido mais para trás, ou um pouco mais à frente desta data. O certo é que pouco fizeram para o evitar, aconteceu, é acontecido. E agora? Aguardamos pelas consequências e ver quem se aguenta de pé.
Entretanto, o petróleo disparou os seus preços para níveis pouco esperados e já terá animado alguma parte do mundo interessada no negócio, com muitos a quererem que ele se mantenha nessa trajectória de subida, porque é com guerra que se constroem certas fortunas, sabemos bem. Porém, a indecisão desta guerra causa oscilações descontroladas nos preços e, se por um lado o petróleo está em alta, em alta estará assustadoramente o custo de vida, a nível de todo o mundo, como era previsto que estivesse. Ora, isto não aconteceu por acaso, de um dia para o outro e, a tipos como eu que viveram toda a vida sob o espectro da guerra e das suas expectativas, nada mais ou coisa alguma surpreenderá. Estaremos ainda um bom tempo a ouvir falar de mudança de regimes, da crise dos refugiados e sobre os empregos que lhes darão; a perguntarmo-nos se a prostituição vai acercar-se. E a pensar se algum dia em África, os refugiados de qualquer um dos nossos países serão recebidos com belos sons de piano, como já vi aqui na Europa Ocidental. Decididamente, tenho para mim que em África, um cenário igual está longe de ser visto.
Quase que obrigado a ler e a escutar diariamente notícias acerca da iminente tomada de Kiev ou do aproximar das forças ocidentais à fronteira com a Rússia; a ver gestos de solidariedade que me fazem pensar em como poderíamos ser solidários com o nosso próprio povo, se tivéssemos outra mentalidade, esse espírito de ajuda para combater projectos atípicos de vida, enquanto e felizmente me é dada a oportunidade de ler textos sérios e esclarecedores de António Garcia Pereira e Miguel Sousa Tavares e também do nosso João Melo, silenciosamente e parafraseando o meu querido amigo Jorge Arrimar, vou seguindo e até ouço o riscar da minha caneta, no esboço desta crónica.
Porque o silêncio sobre a pandemia me faz crer que a guerra derrotou a Covid-19, e embora pense que o actual conflito está para durar, faço votos para que não nos falte a esperança. Que o bom senso de quem manda e pode evite uma catástrofe no Mundo. Cumprimento todos os meus leitores e amigos, esperando-os no domingo próximo, à hora do matabicho.
Lisboa, 19 de Março de 2022
muito legal esse site parabéns pelo conteúdo.