PEQUENAS COISAS DA VIDA

JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Dormir em paz e sossego. 

Ter casa própria. De preferência com quintal, horta e jardim.

Ter água e luz 24 horas por dia. 

Comprar pão quente logo de manhã. 

Reunir toda a família na mesa do jantar.

Molhar um pedaço de pão com manteiga numa caneca de café quente.

Receber visitas com um chá de caxinde, cola e gengibre ou doce de coco.

Ir a uma festa e dançar até ficar todo suado.

Viver num bairro arborizado, sem lixo, nem poças de água suja.

Apanhar um transporte veloz, tipo comboio, para se deslocar a qualquer sítio. 

Ter um banco com sombra onde se sentar e ler um jornal, um livro ou conversar com alguém, algures na cidade, a meio de uma caminhada. 

Levar a família no fim de semana a visitar o jardim botânico ou o zoológico. Levar as crianças ao circo, ao cinema, ao carrossel ou à piscina. 

Conduzir na via pública sem medo dos homens uniformizados.

Ter um emprego e receber no fim do mês o salário que dê para pagar a água, a luz, o IVA, a comida, a escola dos dependentes, os transportes, os medicamentos e as férias anuais. 

Conhecer e poder falar com quem governa o bairro ou o município. 

Não ter de se meter na política para singrar na carreira profissional. 

Ter uma escola, um posto médico, um centro recreativo com cinema, um campo de futebol a uma distância razoável de casa. 

Escutar os filhos falar da sabedoria ensinada na escola e não ouvi-los dizer apenas fococas.

Comprar um livro que não custe um quinto do salário mínimo.

Ir ao hospital público e receber um bom tratamento.

Ir a uma repartição do Estado e ser bem atendido.

Não ter de pagar gasosa para lidar com a burocracia.

A cada ano, gozar umas férias merecidas, de preferência aqui mesmo em Angola.

Saber prevenir a malária com tratamentos tradicionais do tempo do Rei Ngola Kiluanji (quando os invasores europeus não nos vendiam medicamentos).

Ver na televisão:

1. um programa semanal sobre a História de Angola;

2. uma vez por mês, uma emissão sobre a História da África;

3. um programa mensal de Cultura, que nos leve até à Zâmbia, aos Congos, à Namíbia, à África inteira, e que nos fale da música, da dança, do cinema, da literatura, das línguas e das tradições do nosso continente;

4. um programa mensal contra a violência doméstica, o “bullying” na escola e a protecção das crianças contra o tráfico internacional de pessoas;

5. um programa que aborde os temas mais candentes da Saúde em Angola e no Mundo;

6. um programa que ensine aos nossos alunos a verdadeira arte de estudar.

Conhecer um dijei que, além do kuduru, ponha também outras músicas a tocar nas festas das crianças.

Poder sair de Luanda e encontrar emprego no interior.

Ser respeitado e amado pelo trabalho que se faz e não pelo dinheiro que (não) temos. 

Ter onde comer um bom frango kabiri com jindungo ou um bom carapau grelhado, a caminho de Malanje, do Bié ou do Namibe.

Saber para onde vai o dinheiro do petróleo e dos diamantes, do ouro, do ferro e de toda a produção nacional exportada.

Saber se o preço que o Estado paga por uma ponte é mesmo o preço dessa ponte.

Ter um Chefe de Estado ciente do seu tempo de governar e que não tenha medo de ser reformado.

Ver os ministros, governadores, directores e outros chefes aparecer na televisão só quando tiverem algo já feito e não para prometer coisas que nunca se concretizam.

Coisas simples do dia-a-dia de um país normal. 

Coisas feitas de palavras comuns: trabalho, amor, casa, pão, água, luz, saúde, educação e liberdade. 

Pequenas coisas da vida. 

De fazer Angola um grande país.

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