O RACISMO EM ANGOLA E AS AGENDAS POLÍTICAS

Ignorar ou negar esta premissa para empregar energias em questões ideológicas secundárias é um desserviço à luta por justiça e verdade.

POR: CARLOS BENTO

A luta contra o racismo é um imperativo moral que não pode ser relativizado nem utilizado como palco para agendas ideológicas controversas.

A negação da existência de ideologias é um posicionamento que questiona, historicamente, a influência e importância das correntes de pensamento político, social e económico na sociedade. Aqueles que defendem essa perspectiva argumentam, mal, que as ideologias são construções abstractas que servem apenas para segmentar a sociedade em grupos distintos, cuja existência também negam. Já a burguesia colonial o fazia!

Olhando para o nosso país, será que os defensores da inexistência de ideologias não têm capacidade de ver que a sociedade está dividida em classes e grupos sociais? Que existem exploradores  e explorados? Que existem pobreza e miséria imensas e um pequeno grupo de privilegiados que tudo possui? Ou, fazendo os defensores desta posição parte do grupo privilegiado, ou seja, da burguesia nacional, tentam esconder a existência dos restantes membros da sociedade?

Para os adeptos desta visão, é uma tentativa de promover a união e a cooperação entre toda a gente e a busca de soluções subjectivas e inexequíveis para os problemas enfrentados pela sociedade. Mascaram, entretanto, o diálogo e impõem a sua ideologia, já que é importante ressaltar que a negação da existência de ideologias, em si mesma, é uma posição ideológica, pois reflecte uma forma específica de compreender o funcionamento da sociedade e as relações de poder que se lhe incluem.

Será possível negar que Nito Alves foi um homem com ideologia? E que Lúcio Lara também não tinha ideologia? Quem o negar, só pode ser por má-fé ou manifesta ignorância. 

A diversidade de ideologias e perspectivas é uma característica intrínseca da natureza humana e da complexidade das sociedades. Ignorar ou negar este facto resulta, no mínimo, no empobrecimento do debate público e na exclusão de vozes e experiências importantes. Afinal, não foi esta a atitude tomada por Neto e Lara? Foi esta falta de reflexão crítica e malícia que fez com que estes dois não conseguissem lidar com as divergências ideológicas de forma construtiva. Anularam, de forma arrogante e ditatorial, quem se lhes opôs com elevação e objectivos bem definidos para o desenvolvimento socioeconómico.

Quando introduzimos as diferenças étnicas e raciais no debate público, estamos a sobrevalorizar elementos secundários das sociedades para perpetuar divisões e a opressão. Não foi esta a atitude dos Ndundumas, Saydis, Laras e outros? 

A utilização das diferenças raciais para fins de supremacia, segregação ou exploração, é um reflexo de uma mentalidade ultrapassada que contribui para perpetuar injustiças históricas e desigualdades estruturais: é uma característica inerente às sociedades capitalistas e suas burguesias. 

A ignorância e a utilização das diferenças raciais, como ferramentas de discriminação são atitudes inaceitáveis numa sociedade que se pretende justa e equitativa. Quando permitimos que a ignorância guie as nossas interacções e decisões, abrimos espaço para a propagação do preconceito e da exclusão com base na cor da pele, origem étnica ou qualquer outra característica racial. 

É inaceitável que a gravidade do racismo seja utilizada em prol de disputas políticas e ideológicas. É fundamental que a questão do racismo seja tratada com a seriedade e com o foco que merece. Ignorar ou negar esta premissa para empregar energias em questões ideológicas secundárias é um desserviço à luta por justiça e verdade. Infelizmente, ainda existem indivíduos e grupos que se focalizam em questões de ordem ideológica e comportamentos sociais desviantes do verdadeiro propósito do combate pelo desenvolvimento.

É preciso que saibamos que quem utiliza hoje os mesmos argumentos de Lúcio Lara, Ndunduma e outros presta um mau serviço aos seus amigos e à sociedade. Fiquemos por considerar que se trata de ignorância, para não observar maior incidência ideológica. 

Para maior esclarecimento, passo a referir Nito Alves sobre este tema: “Confundir o meu ponto de vista com racismo só pode ser uma de duas coisas: o nível assombroso de incultura política, uma mentalidade própria do homem da Idade da Pedra, demonstrando uma grande e profunda lacuna de formação… ou, o que é mais grave, a tentativa de fazer ouvidos de mercador à verdade, ou seja, após compreenderem muito bem a minha posição, deturpam-na conscientemente para servirem os seus inconfessáveis desígnios […]. Há mesmo (…) elementos com sérias responsabilidades neste processo que ainda hoje vivem tristes, melancólicos, pesarosos por não serem negros na Angola independente. Outros, igualmente miseráveis, continuam a viver o sonho reaccionário de privilégio e de supremacia raciais que a cor da sua pele ganhou, na época do colonialismo. E outros ainda ostentam o seu oportunismo por serem negros. […] há que combater corajosamente quer o racismo do branco para o negro ou mestiço, quer o do negro para o branco ou mestiço, quer do mestiço para o branco ou negro. Isto porque todos eles existem, […] é um fenómeno multilateral. Daqui que, logicamente, o combate deve e tem de ser dialético, isto é, científico e não metafísico…”.

Fica claro que a causa do 27 de Maio não pode ser atribuída ao racismo e que, pelo contrário, existiram diversos factores complexos que contribuíram para o acontecimento, tais como a falta de projecto, a desigualdade socioeconómica, a governação ineficiente, entre outros. 

Embora o racismo desempenhe um papel na limitação das oportunidades para indivíduos ou grupos, é essencial considerar a interacção de múltiplos factores ao se realizar a análise dos factos, pois, para abordar este infausto acontecimento, exige-se uma abordagem abrangente que tenha em consideração a complexidade das causas subjacentes.

A bandeira do racismo é, ainda hoje, um argumento táctico utilizado pelos seus ideólogos e pelos oportunistas!

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