MOÇAMBIQUE E A FARSA DOS RAPTOS: UM JOGO DE DISTRACÇÃO?

Nos últimos 12 anos, cerca de 150 empresários foram raptados em Moçambique e uma centena deixaram o país por receio, segundo números divulgados pela Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), que defende que é tempo de o Governo dizer “basta”. As autoridades apuraram que esta tipologia de crimes movimentaram pelo menos 33 milhões de dólares (30,5 milhões de euros) desde 2014 em práticas de branqueamento de capitais.

GUGA MACOVANE

Perante a crescente pressão da opinião pública e da comunidade internacional em relação ao problema dos raptos, o Estado moçambicano parece ter encontrado um novo esquema para tentar mostrar serviço: o suposto combate ao branqueamento de capitais. No entanto, o que me deixa verdadeiramente perplexo é a selectividade com que este combate é conduzido. Será que apenas os empresários de origem asiática — os popularmente chamados “monhes” — é que estão envolvidos em actividades económicas de grande porte? A pergunta que fica no ar é: por que razão só estes empresários parecem estar na mira das autoridades?

Basta olhar em volta para perceber que algo não bate certo. Temos funcionários do Estado que claramente não ganham o suficiente para justificar o estilo de vida que ostentam. Será razoável que, com os salários que auferem, possam comprar carros de 3, 4, 5 ou até 6 milhões de meticais e viver em casas avaliadas em 10, 20, 30 e até 60 milhões de meticais? Claro que é possível que um funcionário público acumule riqueza ao longo dos anos, mas a verdadeira questão é: por que não são estes também sujeitos a investigações? O critério é apenas aplicar a lei a certos grupos empresariais ou etnias?

Aos olhos do cidadão comum, torna-se difícil não questionar o sistema de justiça do país. O Estado parece mais preocupado em fazer operações de fachada, atacando empresas de origem asiática sob o pretexto de branqueamento de capitais, enquanto funcionários públicos acumulam riquezas inexplicáveis sem qualquer escrutínio. Será que a corrupção é apenas um problema do sector privado? Ou será que o sector público é intocável?

Outro ponto que merece ser discutido é o destino dos milhões que Moçambique recebe anualmente. O país está entre os mais ricos em recursos naturais, incluindo carvão, gás, petróleo, pedras preciosas e energia. Além disso, há uma enorme receita proveniente de impostos pagos tanto pelos cidadãos como pelos empresários. Para onde vai todo este dinheiro? Se o Estado moçambicano recebe somas tão avultadas, por que razão ainda enfrentamos tantas dificuldades no financiamento de sectores cruciais como saúde, educação e infraestruturas básicas?

A triste verdade é que muitos continuam a rir da suposta justiça do nosso país. Enquanto o combate ao crime é selectivo e as riquezas do país parecem desaparecer em bolsos privados, o povo continua a sofrer com a falta de oportunidades e de condições de vida dignas. O sistema é claramente falhado e, até que haja uma verdadeira reforma que inclua todos os sectores da sociedade — do sector privado ao público —, a situação não irá melhorar. Continuaremos a assistir ao espectáculo de operações mediáticas que, no fundo, não passam de distracções para encobrir problemas muito mais profundos.

Legenda. Cinco detidos, implicados em casos de raptos de cidadãos de origem indiana, os mais visados.

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