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Com o que se vai gastar com os argentinos não poderíamos afastar-nos de vaidades escusadas e optar por um torneio a nível continental, até dos PALOP, porque não, com outro objectivo e alcance político?
É o mesmo de sempre. Saudades dos que estão longe, beijos e abraços aos presentes, votos recíprocos de bom Ano Novo. Saúde e prosperidades a todos. Angola entra num ano especial. O ano do cinquentenário da independência que traz a ilusão de dias melhores e nos permite assinalar o que de bom foi realizado e registar o que não se conseguiu fazer. Certificando causas, recordando promessas não cumpridas, marcando os inaptos e incapazes. Entretanto, no devaneio da semana passada, prometi seguir com a fictícia programação dos cinquenta anos da Dipanda.
Nela não podem faltar os militares. A homenagem aos oficiais, sargentos e praças que defenderam heroicamente a Pátria. Os vivos e os que deram a vida pela Independência. Primeiríssimo lugar nas comemorações. Mas depois, é imperioso que se elevem os cidadãos e os méritos das instituições da sociedade civil. Os representantes do empresariado, do desporto e da cultura. Não devo esquecer as personalidades políticas e figuras ínclitas da sociedade angolana. Enquanto faço a lista, lanço um alerta. Atenção, as distinções não podem, de modo nenhum, restringir-se a afinidades partidárias e ligações com famílias do MPLA. O partido no poder já vai ter o privilégio de as conceder. Os realces terão que ligar-se a Angola inteira, de Cabinda ao Cunene, quaisquer que sejam as entidades, as pessoas, os postos, as famílias, as idades, as origens, as raças ou as etnias. Devem ser lembrados todos os cidadãos que tenham dado algo de efectivo e palpável ao país. E para os escolherem, têm que ser nomeadas obrigatoriamente pessoas que não sejam influenciáveis nas decisões. Espero que aconteça assim.
Na fluidez das ideias, as lembranças levam-me em direcção a nomes mais ou menos celebrizados. Vão emergindo e lembro-me de Pinto de Andrade, um mítico nome (sinto-me de algum modo preso a ele, devido ao convívio das nossas famílias, iniciado há muitos anos em Calulo). O austero senhor Justino Pinto de Andrade era o chefe dos correios e lidava com o meu pai. A Dona Maria, a Bertina e a Irene eram visitas da nossa casa. Em Luanda aproximamo-nos da Misa, do Justino, do Vicente e do Merciano. Fomos conhecendo mais gente da ilustre família, solidificamos amizades. Pelo meio, o episódio das cartas que, nos primeiros anos da década de sessenta, a partir do Lucala, no Kwanza-Norte, eu e o meu irmão Bito escrevemos em nome da sua mãe, a Mário Pinto de Andrade, a viver algures na Europa. Satisfazia-mos pedidos da Dona Ana, uma senhora baixinha, sempre de sorriso nos lábios.
Há dias veio-me à mente, mais uma vez, a famosa família. Via na TPA Rui Falcão Pinto de Andrade, a anunciar a vinda a Angola da selecção argentina de futebol (com Messi), para festejar os nossos cinquenta anos. E questionei-me. A maioria dos Pinto de Andrade estaria de acordo com a decisão? Tenho a convicção de que, como eu, alguns membros perguntariam. É disso mesmo que a juventude angolana mais necessita?
Deixo de lado as carências da juventude mas não esqueço entretanto que o futebol é o ópio do povo. Vivemos uma fase auspiciosa do futebol nacional, o jogo ganhou, sem dúvida nenhuma, outra dimensão. Mas não deixo de ter em conta que Messi está fora de forma e de moda. Por isso, pergunto novamente. Não deveríamos pensar noutras alternativas? Sem me atrever a sugerir nem sequer a pensar numa realização do tipo Web Summit que redescobre o empreendedorismo e abre as mentes da gente jovem, atiro a ideia. Com o que se vai gastar com os argentinos não poderíamos afastar-nos de vaidades escusadas e optar por um torneio a nível continental, até dos PALOP, porque não, com outro objectivo e alcance político?
É um reparo, simples achega à programação oficial que, em meu entender, devia ser preenchida com acções de outro valor educativo. Fala-se da edição de obras literárias que irão valorizar as letras nacionais. Que bom! Mas a par delas são necessários manuais básicos de boas maneiras que ajudem a afastar a juventude angolana da ilusão. Do modo doentio de observar a vida política, do alcance do poder que leva a sonhos perigosos.
Porque não a realização de actividades que dirijam os seus passos para longe da delinquência, da ignorância e dos males provocados pela ideia da riqueza? É dessa ideia que nascem os grandes perigos, que trazem à ilharga o oportunismo, o pensamento da acumulação de dinheiro, da conquista apressada e ilegal de património. É necessário ensinar-lhes o quanto é nefasto consegui-lo à custa das organizações políticas, da influência dos pais e padrinhos-membros do CC ou BP dos partidos. O quanto é indecente serem empurrados para a febre das grandes fortunas, com nomeações conseguidas sem honra nem glória. Não é muito fácil a reparação desses defeitos, sei disso, mas a tendência verificada na sociedade é um problema que se deve tentar resolver imperativamente. A bem da Nação!
Prometi que voltaria ao tema Chá de Caxinde. Pela colação que tem com os festejos dos 50 anos da Independência. Aproveitarei a oportunidade para recordar novamente a absurda perseguição de que é alvo. Merecia muitos louvores e nenhumas penas. Existem antecedentes. Entre vários, não me esqueço, excepcionalmente de dois actos: primeiro, a preconceituosa exclusão de “Os Unidos do Caxinde”, naquele ano vencedor do prémio maior do Carnaval de Luanda. O valoroso grupo de cerca de mil jovens a quem se transmitiam os melhores valores da sociedade, foi injustamente (as razões invocadas foram ridículas) afastado da festa de inauguração do Estádio 11 de Novembro. Depois, o caricato e compulsivo encerramento da sala de espectáculos do Nacional Cine-Teatro, por alegado risco da sua queda. Razões mais altas se levantavam, uma vez que onze anos depois da data do espectáculo em que a Ministra Rosa Cruz e Silva ordenou o seu encerramento, a sala mantém-se orgulhosamente de pé, sem as indicações que justificaram a atitude (precisamente à hora do início de uma peça teatral que abordava o fenómeno da corrupção).
Limito-me a estes dois casos, do rol de acontecimentos registados na nossa relação com o Estado. Há gente que faz tudo por esquecer, eu não consigo. Como não esqueço os de boa e grata recordação, caso dos contactos mantidos com o jovem e saudoso governador Sérgio Luther Rescova (a sua prematura morte constituiu uma enorme perda para Angola) e com o Ministro de Estado Manuel Nunes Júnior. Outros foram simplesmente deploráveis, alguns incríveis. Há um exemplo merecedor de lembrança. Uma bem-intencionada vice-governadora de Luanda chamou-me ao seu gabinete e implorou a volta do nosso grupo ao desfile do Carnaval. Pediu-me desculpas, perdão inclusive, pelas ofensas disparatadas. Porém, não teve coragem para oficializar o seu arrependimento. Exigi isso, ela mostrou-se incapaz. Nós continuamos firmes na nossa decisão. Afastados do Carnaval, até que seja reconhecida publicamente a grave falta cometida contra nós.
Ganha certa importância lembrar agora que, em meados do ano passado, salvo erro, fui convocado pelo Dr. Manuel Nunes Júnior, para participar numa reunião onde estiveram presentes a Ministra Vera Daves, das Finanças, e Filipe Zau, da Cultura. Abordou-se objectivamente a questão da reabilitação do Nacional Cine-Teatro, um assunto que eu colocara em tempo atrasado ao Ministro de Estado. Tratei de esclarecer que já não era o Presidente da Associação, embora colaborasse com os actuais responsáveis. O Ministro Zau manifestou o seu empenho na busca de apoios para a empreitada, uma vez que a Ministra Daves se posicionava. O Estado não tinha dinheiro para isso. Transmiti à direcção da Associação o que se passara na reunião e mais tarde acompanhei-os ao Ministério da Cultura, onde, mais uma vez, foi manifestada pelo Ministro a solidariedade na empreitada da reabilitação do edifício do Nacional Cine-Teatro que era por si levada a cabo.
Saí desses encontros convicto que o Ministério não deixaria de respeitar os compromissos estabelecidos com a Caxinde que contemplavam igualmente os que esta estabelecera com as entidades suas parceiras na exploração dos espaços que circundam a sala de espectáculos e fazem o todo do edifício. Restaurante com espaço de entretenimento cultural, pizzaria, editora e livraria, exploração de publicidade digital. Constituem o núcleo de parceiros da Associação. Os contratos estabelecidos foram autorizados pelo Ministério da Cultura, via Edecine. É através deles que a Associação arrecada receitas para suportar as suas despesas correntes. Os valores das rendas mensais destinam-se essencialmente para garantir salários do pessoal, reparações e manutenções de equipamentos, recolha de lixo, consumo de água e luz.
O bom senso sempre recomendou em situações passíveis de alterar a situação (no caso vertente por motivo de obras), prévia negociação com as entidades envolvidas. Porque há verbas consideráveis envolvidas, aplicação de valores e lucros esperados. Infelizmente, tudo indica que no momento em que há um sinal de início das obras (dizem-me que há tapumes a envolver o edifício, e um certo descuido no cuidado a ter com as pessoas que transitam pelo local), e que as coisas não se mostram assim. Desconheço a razão. O desejo de incluir a recuperação do Nacional Cine-Teatro no conjunto de realizações do Quinquagésimo aniversário da Independência Nacional é muito louvável mas, não pode, de modo nenhum, ultrapassar os deveres do cuidado que a Lei obriga. No caso, e a menos que seja provado o contrário, verificam-se certos atropelos às normas de convivência entre entidades que sempre se respeitaram e suscitam interrogações. Onde e como funcionará a Associação? Será que lidaram com todas as entidades do modo que as situações do género exigem? Ou será que sou eu que estou desfasado da realidade? Penso que não, e temo não estar enganado. Nem sempre o Estado tem a verdade absoluta sobre os factos. E essas não se podem pendurar em coisas relativas. As notícias que me chegam dão indicações de podermos estar perante um caso grave de abuso de poder. Espero que não.
Desejo a todos os meus leitores e amigos, Um feliz Ano de 2025, o dos Cinquenta Anos da Independência Nacional.
Até ao próximo domingo, à hora do matabicho.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2025
Foto: Reunião do Comité Director do MPLA, em Leopoldville, em 1963. Da esquerda para a direita: Aníbal de Melo, Mário de Andrade, Manuel dos Santos Lima, Reverendo Domingos da Silva e Agostinho Neto.