O CENSO E O REGISTO DAS CRIANÇAS “fantasmas”

MARIA LUÍSA ABRANTES 

Através do controlo dos dados privados dos terminais dos telemóveis,   imposto à UNITEL e seus utentes, possivelmente pelos Serviços de Inteligência, recebi a notificação sobre o início do censo da população. (Observação: Trabalhei na área de telecomunicações no Ministério da Defesa com tenra idade e secretariei reuniões, onde se decidia o que fazer e como fazer, para controlar as telecomunicações, por via de escutas telefónicas sem autorização dos utentes, ainda no tempo da empresa portuguesa Marconi). 

O censo é um instrumento económico de extrema importância, para a projeção demográfica e de desenvolvimento sócio-económico de qualquer país e dos seus habitantes. O censo não pode, contrariamente, consistir apenas na dissecação de números que aumentam, parecendo destinar-se a analisar como transformar a população a mais, no maior número de cadáveres a curto prazo (até 2 anos) e médio prazo (até 4 anos), por falta de meios de subsistência.

Não se pode continuar a aceitar, que a população tenha um “per capita” abaixo do limiar da pobreza, alegando o rápido crescimento da população (capital humano) e a falta de crescimento adequado do PIB, (por má gestão económica), que levaram ao encerramento de empresas, ao desemprego de mais de 60% da população e ao subemprego de cerca de 39% da população.

O censo não pode servir unicamente, para fundamentar o aumento do valor do OGE e, na sua distribuição, privilegiar, por exemplo, a rubrica dos órgãos de Segurança do Estado, em detrimento das rubricas da Saúde, Educação, Investigação Científica e construção de infraestruturas básicas no meio rural. 

À semelhança dos países desenvolvidos e emergentes, o censo populacional em Angola, deveria servir de instrumento fundamental para privilegiar a inclusão social, dos indocumentados (inclusive dos imigrantes ilegais), com prioridade para as crianças “fantasmas”. Essas crianças foram abandonadas pelos seus progenitores, por falta de educação cívica e moral, ou pelo facto dos mesmos também não serem registados. 

O censo populacional também deveria servir, para identificar as casas em situação ilegal e não apenas como fonte de receita para a AGT, (iniciando o processo pelo “telhado da casa”). 

Deveria ser utilizado, em primeiro lugar, para os governos locais (inoperantes pela inexistência de autarquias locais e incompetência), efectuarem o levantamento, destinado à legalização, ou desocupação de terrenos, respectivo ordenamento geográfico, criação de plataformas informáticas de consulta e tramitação de registo de terrenos em qualquer parte do mundo, assim como o realojamento de possíveis ocupantes. Parte desses documentos deterioram-se nos Governos Províncias, ou foram para o lixo, quando o Instituto Nacional de  Geodesia e Cadastro esteve sob tutela do Ministério da Defesa. 

As observações dos recenseadores sobre as dificuldades de acesso a diversas áreas geográficas do país, deveriam ser o “busílis” (fundo) da questão, para análise e captação de financiamento interno e externo, para a abertura de estradas terciárias, reparação das estradas principais, adução de luz e água. Um país com 12% dos recursos hídricos de toda a África, não pode ter mais de 85% da população sem água potável e com  deficiência de alimentação, porque vive da chuva e a falta de irrigação, inibe qualquer tipo de produção. 

Em 1998, através da ONG “Friends of the Children of Angola”, que fundei, trabalhamos com o Governo angolano, para introduzir na legislação a obrigatoriedade do registo a nascença, para autorizar o registo gratuito para crianças cujos pais não tivessem posses, assim como campanhas para registo gratuito de adultos com filhos. 

Esse processo iniciou-se com o ministro da Justiça Paulo Tchipilica e com a ministra da Saúde Hamukwaia. Foi proposto o registo a nascença, com o apoio das igrejas e entidades locais. Oferecemos  simbolicamente os primeiros computadores as maternidades em Luanda, em 1999. Foi proposta formação gratuita de auxiliares de registo e oferta de computadores reciclados, o que foi rejeitado, com a justificação que existiam meios para o efeito. Isto é: poderia dar algum dinheiro aos prestadores de serviços possivelmente por ajuste directo.  

Desde 2018, faço parte da Comissão de Gestão de um Fundo UIA, iniciado com a Gestão da prestigiada Fundação Rei Balduíno (do Reino da Bélgica), para captação de fundos para cooperar com todos os Estados Africanos no registo das crianças “fantasmas”. 

E agora? Onde andam os registos à nascença nas maternidades em Angola, se quase não existem e os serviços de registo civil e notarial estão em completa desorganização, consistindo um autêntico “cancro”?

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