NOTAS ADICIONAIS ÀS REFLEXÕES SOBRE A PROPOSTA DE LEI DE SEGURANÇA NACIONAL – III

A melhor maneira de promover a segurança nacional é trabalhar para melhorar as condições de vida do povo numa base universal, ter serviços públicos de qualidade – particularmente a educação -, promover a cidadania e reforçar as bases do estado democrático de direito.

POR CELESTINA ABREU

Quando eu pensava que o “pacote” estava completo, eis que surge mais uma medida. Aliás, duas. A 1ª, através de um Decreto Presidencial, o 36/24 (1) foi aprovado o regulamento da turma do apito, quer dizer, dos institucionalmente designados Conselhos de Vigilância Comunitária.

De imediato uma dúvida existencial me assalta: Já existem, de jure, as Comissões de Moradores e os Conselhos de Moradores; de facto, na prática, batalhões de simulacros pidescos, embrenhados nos bairros com atribuições definidas no art.º 4, 1, que não dão espaço para acções de natureza cívico-política, nem promotoras de cidadania e de inclusão, e no Cap. V Disposições Finais, o art.º 24 indica que (…) estabelece que as CM podem ser organizadas por um grupo de moradores “devidamente reconhecido” pelo órgão da administração local …

Bem, mas voltando ao centro da questão: se já há Comissões de Moradores e Conselhos de Moradores, esquadras de polícia fixas e móveis por tudo o que é canto, mais os incontáveis agentes à paisana, mais os outros que também são bufos, todos com função de vigiar, para quê mais um Conselho de Vigilância Comunitária? Só se for para se vigiarem mutuamente, o que não é de estranhar numa sociedade pautada pela desconfiança e pela intolerância!

Tem mais, ainda não acabou a securitização deste país… Foi igualmente criado o Observatório Nacional de Combate à Imigração Ilegal (entenda-se mais um instrumento de vigilância nas comunidades), Exploração e Tráfico Ilícito de Recursos Minerais Estratégicos. No imediato, e mais uma vez, a questão dos conceitos: quais são e quem definiu os “recursos minerais estratégicos”? Nas áreas onde existem minas / explorações de recursos minerais haverá a acção, protegida por lei, destes batalhõezinhos de vigilantes… por outro lado, entendo que se estabeleceu uma correlação entre Imigração Ilegal e Exploração e Tráfico de Minerais Estratégicos, porque está tudo metido no mesmo “saco de gatos”…. Mas será que existe mesmo essa correlação e cobre todos os casos de imigração ilegal?

Mas outra duvida existencial se me coloca em relação a todo este aparato: com tanta gente a vigiar quem e quando vai trabalhar, a sério, dar no duro, de sol a sol para fazer este país andar para a frente?

Terceira questão existencial: Observatório serve para observar, segundo indica a própria designação. Então, assim sendo, como será constituído e como funcionará um Observatório para combater?

Em resumo:

Vamos ter multiplicadas, pelo número de bairros e comunidades deste país, as Turmas do Apito de triste memoria!

Isso significa, na gíria, ter milhões de “Chefes” a procurar “fazer o seu trabalho”, que é interpretado como sendo, no mínimo, complicar a vida do outro, denunciar, aproveitar a chance de deter “esse poder” de denunciar, descarregando vinganças e frustrações …

Numa sociedade com tão baixo grau de escolaridade, com uma pobreza crescente e extremando-se, com uma desigualdade das mais elevadas do mundo, sem oportunidades no mercado de trabalho pelo menos na percentagem do aumento da população, está a criar-se um ambiente de constante e agressiva vigilância de todos contra todos, exacerbando o que de pior nos caracteriza: défice de solidariedade, falta de confiança generalizada e violência estrutural.

Foucault certamente adoraria este laboratório em “carne viva” para estudar a sua microfísica do poder!!!

Que isto faz parte de uma estratégia cujos objectivos não me parecem difíceis de identificar, eu não tenho dúvidas, e há bastante tempo!… o que está mais difícil de entender é o nosso lado, nós o tal de soberano, nós os cidadãos…

O que vamos fazer perante isto? Ensurdecedor o silêncio!

Mais uma vez afirmo: a melhor maneira de promover a segurança nacional é trabalhar para melhorar as condições de vida do povo numa base universal, garantir serviços públicos de qualidade – particularmente a educação -, promover a cidadania e reforçar as bases do estado democrático de direito.

Construir confiança como método e como bem público (criando oportunidades para a repartição de condições e responsabilidades na gestão dos assuntos de interesse comum), tanto nas relações empresariais, profissionais e na vida em sociedade, através da criação de sistemas de amortecimento dos efeitos na economia e na sociedade, das acções económicas e da imprevisibilidade. Exemplos: seguros colectivos contra riscos colectivos, e sistemas de segurança: alimentar, educacional, de saúde, habitação, etc. (2). Complementarmente, promover instituições intermediadoras de confiança, capazes de motivar e constranger o comportamento de todos, governantes e governados.

Promover tolerância – que não seja indiferente, mas que busque, pelo contrário, a compreensão e a comunicação dos, e com, os outros, como meio de promover a auto-confiança, a reflexão crítica e o respeito pelos demais, como condição para a diversidade, a diferença e a autodeterminação. Cultivar o respeito e o reconhecimento do outro, desconstruindo a figura do “inimigo”.

Estas são, apenas, algumas das medidas necessárias e possíveis, pois, curiosamente, não custam muito dinheiro, mas em contrapartida exigem vontade política e verdade!

Com justiça social e paz em processo, a segurança nacional torna-se algo que todos procurarão defender, farão tudo para preservar. Sem dúvida!

1 Considerando que as férias nas Sheychelles terão durado até 9 Janeiro, em 15 dias houve 36 despachos, uma média assinalável! Governar de caneta ta fácil!

2 Ideia colhida em HUTTON, W. (1998), “Como será o futuro estado?”.

31 Janeiro 2024

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