Gente que atende mal quem de si precisa para tratar processos, resolver assuntos, sem cortesia e muitas vezes sem respeito. Impera o esquema, as coisas só funcionam se há conhecidos lá dentro, só se come se há padrinhos na “cozinha” ou se, por alguma razão, alguém se compadece da pessoa que anda por lá faz tanto tempo, de tantas idas e vindas, para tratar de um processo qualquer, e resolve dar uma mãozinha.
Questiona-se muito, nos tempos que correm, sobre a qualidade dos serviços que a Função Pública presta aos cidadãos deste país, o que é o mesmo que questionar a qualidade de quem faz a função pública: o funcionário público.
Quem passou pela função pública, nos idos anos 70/80, do século passado tem, efectivamente, termos de comparação, e pode avaliar com propriedade, o que foi, e o que hoje é, ser funcionário público.
Naqueles tempos, vestir a camisola do funcionalismo público era, antes de mais, ter a noção de que ser funcionário público tinha um significado enorme, porque enorme era, também, a grandeza atribuída ao funcionário como tal. Era saber que, quem ali estava era, acima de tudo, um servidor do interesse público. Vestir a camisola não era envergar nenhuma farda, ou fatiota. Era o verdadeiro assumir das responsabilidades que representava isso mesmo, servir o interesse público.
E nisso, de servir, a “camisola” que se envergava, implicava que o funcionário público tivesse de tomar decisões e realizar actos, acções, em benefício da população, do público, do cidadão em geral, garantindo sempre que tudo quanto fizesse, fosse baseado na justiça, na equidade, no bem-estar social.
Essa tarefa envolvia, naturalmente, que as decisões tomadas fossem imparciais, porque tomadas com base em critérios objectivos, legais, sem olhar a quem, nem à cor da “camisola” que o cidadão pudesse trazer vestida, sem favorecimento nem discriminação de qualquer espécie. A actuação de um funcionário público era transparente, porque se exigia que fosse clara, aberta, prestava-se ao cidadão toda a informação que a cada caso dissesse respeito, e esclarecia-se de modo que o cidadão pudesse, ele próprio, monitorar e avaliar as acções realizadas, afinal governativas.
O funcionário público de então, buscava a permanente eficiência na utilização dos recursos públicos, assegurando que os serviços prestados fossem de qualidade, e que, os recursos disponíveis, fossem usados de forma responsável. Mas não se ficava por aqui. A legalidade era cumprida, fazendo aplicar leis e regulamentos, de modo que estivesse garantido que tudo seria de acordo com o legalmente estabelecido. Sem subterfúgios. Sem esquemas. Sem apadrinhamentos nem afilhadismos.
O funcionário público de então tinha educação, respeito e gentileza no trato com os outros, com o público, o cidadão, de quem ele era, no final das contas, um mero servidor. Agia com delicadeza e consideração, mostrando boas maneiras e sendo atento às necessidades do público. Era cortês!
O funcionário público assumia, com responsabilidade, as consequências das decisões e acções por si realizadas, e estava preparado para prestar contas à sociedade. Sem medo de ser escrutinado, controlado, avaliado, ou julgado pelos seus actos. Disso se fazia até ponto de honra. Não arranjava desculpas nem escapatórias para os seus falhanços, porque também falhava. Assumia a responsabilidade sem atribuir culpas a outros ou a quaisquer outras situações. Não usava de subterfúgios.
Tudo isso fazia com que a resolução dos processos fosse célere, que os assuntos fossem resolvidos e tratados dentro dos prazos estabelecidos, e quanto mais rápido melhor, porque o que estava em causa era, em primeiro lugar, servir, satisfazer o público, o cidadão. Não se olhava para a roupa que cada um trazia vestida porque todos, sem excepção, “são iguais perante a Lei”, como diz a própria Lei.
Mas os tempos foram mudando… e porque mudaram os tempos…
Mudaram de tal forma que, hoje, dificilmente se encontra um funcionário público, na verdadeira acepção do termo. O funcionário público de hoje é mais um empregado do Estado porque, o mais importante, não é servir o interesse público, é garantir o salário, o posto. É o tachismo. É verdade nem todos os funcionários públicos são empregados do Estado, há excepções, sem dúvida, mas, esses, muitas vezes se queixam das pressões que sofrem para não serem tão ágeis na resolução dos processos: “eh pá, isto não é bem assim”, dizem-lhes os outros. Aliás, quando alguém é admitido no Estado, parece mesmo haver uma espécie de cartilha, quais recomendações, do que não deve ser feito, ou de como deve ser feito, a fim de não ver o emprego ir pró-esgoto. Afinal tem filhos para criar.
Então, não causa espanto algum, quando se vai a uma repartição pública, onde devia haver servidores públicos, e se encontra gente arrogante, prepotente, sempre mal disposta e mal-humorada, sempre de “trombas”, como se, quem lá vai, tivesse culpa alguma dos males por que eles passam, se é que passam por mal algum… além de terem de trabalhar. Como se eles estejam a fazer algum favor ao público que deve ser servido. Gente que atende mal quem de si precisa para tratar processos, resolver assuntos, sem cortesia e muitas vezes sem respeito. Impera o esquema, as coisas só funcionam se há conhecidos lá dentro, só se come se há padrinhos na “cozinha” ou se, por alguma razão, alguém se compadece da pessoa que anda por lá faz tanto tempo, de tantas idas e vindas, para tratar de um processo qualquer, e resolve dar uma mãozinha.
Hoje em dia, não é espanto algum, processos da mesma natureza terem tratamento diferente, porque o empregado do Estado atropela a imparcialidade, se calhar nem sabe o que isso é… Dois pesos e duas medidas passou a ser quase norma. Ou, como também é comum, os processos são embarrados propositadamente, desaparecem misteriosamente, ou se pedem, vezes sem conta, papéis e mais papéis, documentos e mais documentos para, dar andamento ao seu processo.
Hoje em dia, o empregado do Estado não está lá para satisfazer o interesse público porque, se assim fosse, não se criavam sistematicamente dificuldades na resolução dos assuntos do público, levando quase sempre o cidadão à exaustão, porque, dessa forma, com o cidadão cansado e esgotado, de tanto papel tratar, de tanto processo desaparecido e renovado, de tantas idas e vindas sem sucesso, é mais fácil levá-lo ao ponto de rebuçado e fazer com que escorregue com algum: “sabe, a vida está difícil,” e assim, o processo é tratado mais rápido. Untar as mãos do empregado com algum poder de decisão, para ver o contrato assinado, já é algo que faz parte do processo, porque o empregado, sem pejo algum, diz abertamente qual é a percentagem que ele quer do negócio. Assim mesmo, de caras, ou… ou…
Questão recorrente no funcionalismo público, no seu estado actual, é o cidadão dirigir-se onde deve tratar de um assunto, pedir informações sobre o que fazer, ou que documentos apresentar e, o empregado do Estado que o atende, passa-lhe uma informação, mas, porque o tratamento do processo envolve muita papelada, alguns dias depois, o cidadão volta à dita repartição e, quem o atende, já não é a mesma pessoa, é outro empregado do Estado, se calhar mais mal disposto e mais mal-encarado que o anterior, pega no processo e vai que, com arreganhos, o devolve porque, no seu entender, há documentos a mais ou a menos, ou não era daquela forma. Não se entendem. Uns dizem uma coisa, outros, outra. Não são conhecedores da matéria. No mínimo estão lá para complicar a vida de quem deviam servir. Chega-se mesmo a questionar se esta forma de agir não é propositada.
Hoje em dia, não se “enverga a camisola” de funcionário público, envergam-se fatiotas, mandadas confecionar ou importadas pelo patrão, porque está na moda, se tornou regra, passou a ser obrigatório vestir todos de igual, sabe-se lá, andam de fato, farda, engravatados e todos bem-postos, como se fatiota fosse sinónimo de serviço de qualidade, que é aquilo que o cidadão precisa, reclama. Só em fatiotas, o patrão deve gastar uma pipa de massa, mas, é melhor nem fazer essa conta… Ah, e todos são doutores, é conveniente não esquecer.
Provavelmente, por conhecimento do próprio patrão, sobre qualidade dos empregados que tem, e até pela necessidade de “acompanhar” a evolução dos tempos, vão sendo criadas ou compradas soluções, e dá-se conta de que muitos processos passaram a ser tratados de modo diferente, através de sistemas mais avançados porque, afinal de contas, mudaram-se os tempos, e hoje já ninguém escreve em livros, ou se escrevem certidões à mão. Tudo passa por processos informáticos, pela digitalização, pelos portais e todas essas modernices que se conhecem, cujo funcionamento tem prosa suficiente para escrever alguns livros.
Daí, Simplifica, que é também projecto, com esse propósito criado, que devia de facto simplificar a vida do cidadão mas, todavia… porque tudo tem de passar pela mão do empregado do Estado, a simplificação, que também devia significar pé no acelerador, mais rapidez no tratamento dos assuntos, fica sempre pendurada na falta de sistema, e noutras desculpas que vão recheando o catálogo dos atrasos, do baile, do desgaste a que o cidadão é sistemática e sistemicamente submetido.
Mudaram-se os tempos, mas não basta mudarem-se as vontades…