O escritor e jornalista angolano José Luís Mendonça lançou hoje, em Portugal, a sua mais recente obra “A Metamorfose do Elefante”, na qual mostra uma Angola em guerra consigo própria, exposta às suas próprias contradições.
“O que se pretende mostrar neste livro é como é que os independentistas se tornaram em carrascos do próprio povo, ao ponto de cometer estas atrocidades todas. O que eu levanto neste livro é uma coisa que tem sido muito silenciada, que é a tortura. A tortura e o desaparecimento”, destaca, referindo-se ao processo do 27 de Maio de 1977, em que pelo menos 30 mil pessoas desapareceram, segundo a Amnistia Internacional.
Em 27 de Maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves – então ex-ministro da Administração Interna desde a independência (11 de novembro de 1975) até Outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.
Fazendo a ponte entre os acontecimentos de 1977 e Angola actual, que tem agendadas para Agosto eleições gerais, em que o Presidente da República será eleito, por via indireta – como prevê a Constituição -, José Luís Mendonça acredita que o partido governante a 46 anos, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), não admite largar o poder.
“Eles não admitem isso. Não têm essa noção da necessidade de haver alternativa. Para eles, a alternância não existe”, referiu.
Tendo Angola uma geração maioritariamente jovem, o escritor e jornalista defende que esses jovens não vão aceitar a continuação da actual situação.
“Há muita indignação, muita revolta. E como é que é? Como é que trabalha sem direção essa revolta? É com a violência física e até armada. Portanto, este é que é o perigo da juventude. E este livro vem mesmo espoletar essa questão, porque o ministro da Justiça, Francisco Queiroz, disse que no 27 de Maio houve excessos. E pediram perdão. Então você pede perdão e continua a cometer os mesmos excessos como as prisões arbitrárias, a tal tortura que eu falei também continua nas cadeias?” – questiona José Luís Mendonça.
“Os jovens são presos, são logo torturados com porrada. Eu considero isso uma tortura que é uma violação dos direitos humanos. Portanto, a problemática do 27 de Maio continua em Angola. O 27 de Maio é um processo que começou em 1977, mas tem continuidade. Quer dizer, o regime só se mantém através dos excessos”.
O livro “A Metamorfose do Elefante” foi posto à venda um dia depois de se completarem 20 anos sobre assinatura de um acordo de paz pelo Governo do MPLA e pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) que pôs fim a mais de 27 anos de guerra e de destruição.
“A Metamorfose do Elefante” evoca o 27 de Maio, “mas também o descalabro económico de Angola, em torno de várias coisas que foram acontecendo ultimamente (…) em que há só uma classe a comandar tudo, uma classe ditatorial e não há uma inclusão económica, política e cultural”.
“Nestes 20 anos de positivo vejo uma coisa. É que acabou realmente a luta nos grandes espaços rurais. Acabou toda essa necessidade de importar armas e a mobilização dos jovens para a guerra. É a única coisa positiva que eu vejo. Agora, não estou a ver uma paz a ser construída em Angola quando se ostraciza desta forma o adversário com quem você fez a paz”, salienta.
Para José Luís Mendonça, os excessos continuam em Angola. “Esses excessos causam muito dano à população, então não estou a ver paz social também (…) Ninguém consegue sobreviver assim (…) É uma tristeza imensa”, acrescenta.
Perante esta situação, o escritor só vê duas alternativas. “Ou fico resignado ou fico revoltado. Porquê? Como é que é possível haver um processo eleitoral se não há contraditório? Toda a imprensa está tomada pelo partido no poder que, exceptuando a rádio Despertar, que é da UNITA, e o Folha 8 que é um jornal que tem pouca tiragem (…) e algumas vozes aqui na Internet ou no Facebook, não há contraditório”, lamenta.
José Luís Mendonça considera que não havendo contraditório o jogo, a disputa política, “fica desigual”. E considera que “isto parte de um conceito de estabilidade, do próprio MPLA. O conceito de estabilidade deles é a classe dos chamados marimbondos manterem-se no poder. Isso é que eles consideram estabilidade. Quando alguém tenta mostrar o seu valor, o poder político arranja um esquema qualquer de provocar distúrbios sociais para condenar a oposição”, sustenta.
Vinte anos após a assinatura do acordo de paz, tanto MPLA com UNITA mudaram de líderes, mas para José Luís Mendonça, “no MPLA o processo de comando ficou mais refinado”.
“Quem manda em Angola, praticamente, é o Serviço de Inteligência. Então isto torna-se perigoso porque eles não têm uma noção. Não têm inteligência. Já não há ética nenhuma. Este é que é o perigo. Então não mudou nada, só piorou. Em termos do comando do país, só piorou”, acrescenta.
Quanto à UNITA, José Luís Mendonça considera que se “democratizou”, enquanto o MPLA “tornou-se ainda mais absoluto”.
José Luís Mendonça nasceu em 24 de Novembro de 1955, na província do Cuanza Norte, no Golungo-Alto e licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. É autor de Chuva Novembrina (1981), obra que mereceu o prêmio de poesia Sagrada Esperança, Respirar as mãos na pedra ‘1989, com qual venceu o grande Prémio Sonangol de literatura – 1988; Quero Acordar a Alva – 1997, prémio de literatura ‘Sagrada Esperança – 1996, ex-aequo com João Maimona; Se a Água Falasse, primeiro prêmio dos jogos florais do Caxinde, 1997 e finalmente, Loga – Rítimos da alma, Poemas do mar 1998.
Com Lusa/Mundo ao Minuto
Tenho quase certeza que este livro nao sera vendido em Angola e o seu autor sera posto na lista Negra do MPLA.