JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS NA MEMÓRIA COLECTIVA E NA OMISSÃO DO MPLA, PARTIDO QUE DIRIGIU POR 38 ANOS

Em que estou a pensar?

Em JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

POR MÓISES CHISSANO*

Que se lhe apontem os erros políticos e de gestão da coisa pública que comprovadamente ele terá cometido, mas que ele era uma pessoa de bom coração, lá isso era. 

Quem, como eu, lidou de perto ou de muito perto com ele tem consciência disso. Não era uma pessoa expansiva, sendo mais ou menos reservado, privilegiando o silêncio, mas pronto para responder a quem lhe abordasse sobre fosse o que fosse, sempre com muita educação e respeito, em voz moderada. 

É difícil afirmar-se que não era uma pessoa muito inteligente, muito inteligente mesmo, um cérebro com muita informação relativamente a quase todas as áreas do saber científico. Nas suas intervenções em reuniões e conferências internacionais em que estive perto dele, JES simplesmente impressionava os seus colegas e demais participantes. Era muito sério no trabalho e não hesitava em “pôr na linha” interlocutores dos mais variados níveis, que não respeitassem a justeza da nossa luta, que era efectivamente justa.

Virando-me para dentro, oiço e leio amiúde que JES acabou sendo vítima de um sistema que ele próprio criara, e muitas vezes pergunto-me, se se trata mesmo de um sistema “que ele próprio criou” ou que o próprio MPLA é que criou, senão vejamos: o alegado autor do tal sistema já partiu, definitivamente, mas os seus sobrevivos correligionários continuam a actuar da mesmíssima maneira.

Ao longo do consulado do actual timoneiro do MPLA e do país, que já vai a caminho do oitavo ano, inúmeras são as acusações políticas contra o mesmo, mas não tenho memória de alguma vez algum dos seus camaradas, ou de todo o partido enquanto conjunto, ter saído a cerrar fileiras publicamente em torno do seu líder. Mantêm todos um silêncio sepulcral.

Até há meses muito se falou e especulou-se sobre um hipotético interesse do chefe dos camaradas, em eventualmente promover uma alteração à Magna Carta a fim de se acomodar num “terceiro” mandato. Tudo o que ouvi foi um ‘NIM’. Em consequência, o homem viu-se sozinho.

Recuando na História, aquando das alegações e acusações em matéria de fraccionismo, sabendo-se como sempre se soube, que nunca houve consenso em torno da existência, efectivamente, ou não, de tal realidade no seu seio, nem por isso alguém de entre eles emergiu para dizer que o que se alegava não correspondia à verdade, assistindo, todos caladinhos, ao cortejo de mortes de inúmeros inocentes.

Não se traduzirá tal prática numa filosofia central do partido dos camaradas?

Concluo, então, que se calhar JES foi, pelo contrário, também uma vítima de um sistema já encontrado porquanto o cinismo, a ausência de genuína camaradagem, de verdadeira amizade, de profunda solidariedade, de espírito de união, bem como a promoção de lutas intestinas, de concorrência desleal, etc., etc., parecem muito serem uma marca registada daquela agremiação política e por isso continuam-se.

Será falta de segurança político-ideológica?

*No Facebook (9.07.2024)

VÍTIMA DO SISTEMA QUE ELE PRÓPRIO CRIOU

POR JOSÉ NETO ALVES FERNANDES*

Faz hoje, dia 8 de Julho, dois anos desde que o antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, morreu em Barcelona, Espanha, vítima de “doença prolongada”.

Não foi divulgado qualquer programa oficial do MPLA para assinalar mais um ano desde o passamento físico daquele foi o “líder incontestável” dos camaradas durante 38 anos, tendo-lhe sido concedido, no final do seu longo consulado, o título de Presidente Emérito do partido no poder.

De recordar que o funeral de José Eduardo dos Santos teve lugar somente sete semanas depois da sua morte, devido a disputas insanáveis sobre a data e o local do enterro entre alguns dos seus filhos e o Governo, que levaria a melhor. 

O antigo Presidente da República, que dirigiu os destinos do país de 1979 a 2017 e foi entronizado pelos seus camaradas de então como o “arquitecto da paz”, teve um funeral de Estado, mas num ambiente sombrio, em Luanda, no dia 28 de Agosto de 2022, data em que completaria 80 anos.

De lá para cá, não há notícias de visitas ou romarias ao mausoléu construído especialmente para acomodar a urna contendo o corpo inerte de José Eduardo dos Santos, situado precisamente nas cercanias do Memorial Dr António Agostinho Neto, erguido em homenagem ao primeiro Presidente da República de Angola.

O silêncio sepulcral da velha-guarda e da nova geração de quadros e dirigentes do MPLA (salvo raríssimas excepções) é tão somente a prova irrefutável que José Eduardo dos Santos foi liminarmente eclipsado pelo regime que ele próprio criou. Um regime alicerçado no cinismo, na intriga, na bajulação, na exclusão e na acumulação primitiva de capital para a manutenção do poder pelo poder.

Se não houver mudanças (genuínas e não apenas cosméticas) quem será a próxima vítima?

*Jornalista (8.07.2024)

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