Factos, citações e outras coisas

Angola desencoraja actos de subversão contra a democracia

Título de capa do JA do dia 29 de Novembro de 2021

A alguém como eu que, na medida do que pode, acompanha o desenvolvimento (ou a ausência dele) da sociedade angolana, inteirando-se diariamente dos males e magnificências que o afectam ou o enobrecem, torna-se difícil refrear o brado de alegria estrangulado na garganta. Há que tempo! A auspiciosa notícia aproveitada para a entrada da crónica de hoje, deu azo a que gritasse cá para mim. “Ora viva, aqui está uma boa notícia!” Disse-o convicto, sem falsidade, levado pelos mais recentes e significativos gestos registados nas várias áreas em que se movimenta a política indígena. Mostraram, num rasto de há longo tempo, a desordem e o incumprimento, enfim, a insubordinação instalada. Em todas, sublinho todas, instituições (com as suas pessoas) que conformam o governo e a sociedade angolana. É, pois, de louvar que se pretendam desencorajar agora actos contra a democracia. 

Defender a democracia, venham de onde vierem os ataques, é uma obrigação de todos, um gesto que dignifica e valoriza a cidadania. Admiro os gestos de coragem, sobretudo os vindos do topo, lá de cima, ainda que por via indirecta, na exacta medida que abomino os de origem fraca assente no desânimo dos que andam por baixo, ora caindo em negação, ora beijando os pés dos de cima. Como me causam repulsa os que incentivam, em cima ou em baixo, o caos através da mentira, da intriga, da violência e do autoritarismo.

A frase do Jornal de Angola estampada em caixa alta e a merecer a minha análise será, porventura, notícia, de menor ou maior impacto ou importância. Depende da confiança que suscite e do ponto de vista que se queira atingir com ela. Neste caso, obrigou-me a entrar no campo escorregadio da especulação e a enveredar igualmente por uma amálgama de citações famosas, vindas mesmo a calhar. A primeira, não tendo muito a ver com o caso (mas acabando por ter), é da autoria do polémico Spike Lee, renomado realizador negro americano que afirmou, salvo erro no último Festival de Cinema de Cannes (para dizer a verdade não sei quando se realizou o último), que “o mundo é governado por bandidos”. A afirmação dura, corajosa e quiçá exagerada, não anda muito distante da verdade, gira pelas suas cercanias e, no que a nós respeita, até por certos areópagos da cena política nacional. À afirmação, seguiram-se questionamentos: “com as democracias confrontadas, como é que a nossa sociedade vai poder aguentar isto, quando ela está globalmente doente?”. Não sei responder nem me sinto habilitado a confirmar a verdade nas palavras de Lee. Desconfio apenas do seu significado e sentido e admito que esta notícia prometedora na primeira página do jornal, empurra contra a parede certos derrotistas militantes que adoram menorizar com raivas e laivos de ridicularização, alegações do género. Mas, se virmos bem as coisas, a declaração acaba por constituir uma arma de arremesso contra os antidemocratas (grupo onde geralmente se acoitam com disfarce os lançadores de boas novas), que terão dificuldades de responder a questões difíceis. Como esta, por exemplo: “de que democracia se está a pretender falar?”. 

Inauguro então no amplo espaço do meu imaginário, uma magnífica exposição de fotografias ampliadas a preto e branco mostrando um passado duro, miserável, mas que comparado com o quotidiano de hoje em dia, é muito mais brando e colorido. E como acontece sempre quando vou a aberturas de exposições de pintura ou fotografia, àquelas vernissages para gente fina em que saio delas meio confuso, sem entender bem o que acabei de apreciar, olhando e sorrindo para os mestres e entendidos, dizendo que sim com a cabeça e obrigando-me a uma série de incertezas que descambam em assuntos delicados, tais como os que colocam, por mero exemplo, dúvidas sobre uma ideia de concepção tripartida: a construção, a eventual compra ou a aquisição efectiva de refinarias de petróleo novas para Angola. Pelo que refere um “menu” sobre essa área, informação que me serviram de outras feiras, no mundo moderno já não se constroem novas refinarias, já passou o seu tempo. Fiquei boquiaberto ao saber por quem tem conhecimento da causa, que as do México, provavelmente das mais antigas do mundo, laboram há mais de 100 anos e mantêm-se activas. Que os actuais custos de produção não justificam a aplicação de fortunas que podiam (e deviam) tirar da miséria uma imensidão de gente faminta e sofredora. Desconheço se o mesmo foi feito no México. O que fiquei a saber foi que, hoje em dia, se utilizam meios técnicos extremamente mais baratos e, segundo consta da agenda dos que andam por dentro deste assunto, eram investimentos desse tipo que se encontravam programados e caminhavam com relativo sucesso em 2017, quando a gestão da nossa (salvo seja) Sonangol, apanhada em offside, mudou coercivamente de gerência. Como explicar isso ou, falando mais claro, como ficamos afinal perante nós próprios? Quem quer realmente o relançamento da economia de Angola? Uns ou os outros? 

Quem não sabe é como quem não vê. Fiquei cheio de dúvidas mas a saber um pouco mais dessas coisas petrolíferas, como por exemplo, que os países com correcta visão de gestão económica e do controle financeiro, mesmo em tempo de alta do preço do barril do petróleo, nunca o quantificaram nos seus orçamentos a mais de trinta dólares, a fim de que as mais-valias conseguidas em anos bons, o lucro obtido a partir do negócio, pudesse constituir riqueza e reverter para fundos de desenvolvimento devidamente estruturados e melhor geridos, destinados a acudir situações de emergência dos cidadãos desses países. Jamais para os tornarem milionários. “Bom, isso é, de facto, pensar país, é construir a democracia”, cogitei para mim, uma vez mais. E também me convenci que não há guerra que justifique uma má administração de recursos.

Penso então que se os dirigentes angolanos se dispuserem a mudar as mentalidades, deixarem para trás recalcamentos; se pensarem maduramente na situação do país e aderirem a uma nova forma de viver, breve se verão pessoas a dizer baixinho para si mesmo ou com ímpetos de coragem em voz alta, coisas como “não tenham medo meus irmãos, enriqueçam com boa educação, porque com trabalho limpo tudo conseguiremos”, aconselhando e citando mesmo Nelson Mandela, o herói, o homem que dignificou África e o mundo. “Mentes que procuram vingança destroem os estados, enquanto as que procuram a reconciliação, constroem nações”, disse ele um dia, e muito bem. E nesta onda de busca de uma relação diferente com a vida, lembrei e assustei-me perante outra frase famosa, esta a do não menos famoso escritor e filósofo russo Fiódor Dostoiévski. “A tolerância chegará a tal ponto que as pessoas inteligentes serão proibidas de fazer qualquer reflexão para não ofender os imbecis”. Confesso que, como anda o nosso mundo, tenho muito receio de chegar a esse estádio.

Termino com as habituais saudações aos estimados leitores. Enquanto nos preocupamos com a variante detectada na África do Sul que, em vez dos louros da descoberta traz à baila descarada discriminação a África e particularmente à nossa região, espero por todos no domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2021

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