ESTE ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

(no rescaldo de uma entrevista inconveniente) 

JAcQUEs TOU AQUI!

O nosso Chefe de Estado esteve em situação desconfortável, de tal modo que aumentou, considerável e perigosamente, o baixo nível de estima que o povo, o sofrido povo angolano, tem do seu Presidente…

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

“Este mundo virou uma m…a total”. Foram palavras proferidas, sem reticências, por um apresentador de televisão brasileiro, que apesar de famoso, não tinha dado o nome a nenhum estúdio, mas tinha sido político e deputado. Há uns bons anos, a frase bombou nos bastidores da tevê dos nossos irmãos. O desabafo, não sendo inédito, tinha a marca de um personagem versátil, incomum. Mestre em várias artes, chegou a notabilizar-se no delicado ofício da alta-costura. Já partiu há muito tempo. Era gay, mas nunca assumiu a condição. Algo impedia a sua saída do “armário”, o que não deixava de surpreender, num país tão sem tabus no campo da liberdade sexual, como é o Brasil. 

Na ocasião, mostrou-se triste. Não escondeu, sobretudo, o desencanto que lhe causavam certas pessoas com quem lidava. Apesar do tempo passado, e embora por razões bem diferentes das dele, subscrevi, repetidamente, o lamento do artista. Porque, também eu e já desde aquela época, não tinha dúvida. O mundo era o que sempre foi. Uma grande m…a! Sem reticências. 

A apreciação tocava, como é evidente, o mundo de Angola. Que esteve sempre muito distante do tal, do dito cujo, do admirável mundo novo desenhado por Aldous Huxlei no romance que lhe deu fama, e mais longínquo ainda daquele outro com que sempre sonhamos. O maravilhoso mundo para os angolanos, está longe demais, essencialmente porque se vive a desdita de nos ter calhado em sorte no comando do nosso destino, uns conterrâneos medíocres, diferentes da maioria, que de um momento para o outro, se tornaram donos disto tudo. Assumem-se, ora como patrões, ora como empregados do povo, mas não conseguem encarregar-se do essencial, da descoberta da simples fórmula de fazer o seu povo feliz. As suas limitações nas ideias são por demais evidentes. Não se esperaria outra coisa de pessoas que constituem um clã conhecido por não reconhecer culpas, quaisquer que elas sejam.

E quantas terão a pesar nas suas consciências?! 

Tantas que nem permitem entender o que as suas atitudes trazem de negativo aos seus conterrâneos. Utilizando o mesmo sentido figurado usado para falar do apresentador brasileiro, gay complexado, direi que essas figuras também se refugiam há muito num grande “armário”. E é lá, naquele sítio, onde escondem envergonhadas a falta de respeito, a incapacidade, a ganância, a insensibilidade, enfim, o desprezo pelo povo de que agora se dizem escravos. São uns gestos estranhos, esses que impedem, decididamente, que algum dia a nossa terra consiga ser admirável e o seu povo minimamente capaz de ser feliz.

Escondendo a sua natureza desumana (querem melhor exemplo que a fome, o desemprego e a doença que matam o povo e destroem a Nação?), obrigam os patrícios a pensar e aceitar que, afinal, não será apenas a condição de gay, a única circunstância que levam altas personalidades ao refúgio em certos “armários”, onde os que vivem essa estranha forma de vida, encarceram os vergonhosos desencantos da sociedade geral.  Vão induzindo, com as suas atitudes, a que se veja, cada vez menos possível, o admirável mundo novo que tanto se anseia. A frequência dos filmes que passam ao povo é tal, que se torna inevitável a tristeza e a desilusão que paira sobre a grande plateia angolana. Enorme frustração, até em relação aos artistas que nos são próximos. Quanta semelhança, meus senhores! Como não lembrar o desencanto do apresentador e ex-deputado brasileiro?

No que me toca, o desapontamento vem aumentado. Todos os dias, não pára de crescer. Levam-me, inclusivamente, a fazer perguntas que eu não gostaria de fazer. Fi-lo ainda a semana passada, repetidamente, por sinal. Então onde andam os conselheiros e os adjuntos, os que ajudam o Chefe a não cometer erros? Onde estão os que aconselham a corrigi-los? É verdade que todos os Presidentes cometem erros, mas que se saiba, todos eles têm a seu lado, alguém que os ajuda nos acertos e nas emendas. 

Abro um pequeno parêntesis para, a propósito de erros, dizer que há poucos dias e curiosamente, vi um excelente filme sobre o ex-presidente francês Jacques Chirac. Melhor dito, sobre a mulher de Chirac. “Bernadette – a mulher do Presidente”, uma comédia biográfica que retrata a sua vida, e em particular a sua ascensão à notoriedade e a sua influência na vida política francesa. Para além de ridicularizar a figura do Presidente, o filme mostra o que a mulher de um Chefe de Estado, consegue fazer para segurar o prestígio do marido. Grande interpretação da ainda belíssima Catherine Deneuve!

Não tendo o filme nada a ver com os nossos assuntos, volto ao que nos interessa. Para dizer que em televisão é difícil não se cometerem erros. Mesmo que as entrevistas sejam previamente gravadas, como foi a última a que assistimos. Para acautelar escorregadelas, existe sempre uma mão ou uma cabeça protectora que ajuda a superar dificuldades, corrigir erros e reconhecer omissões. Porque, uma coisa é sabida. Nem todos os Presidente são craques (fiquei surpreso com a pouca inteligência de Jacques Chirac retratada no filme que vi), nem sequer o título de Presidente é sinónimo de sapiência. 

Volto à vaca fria. Já não basta a miséria em que vivemos e os dramas que nos castigam? Não poderíamos, ao menos, ser poupados da presença do Ernesto Bartolomeu, que, pelo que diz e, sobretudo, por aquilo que não consegue dizer, coloca o nosso Chefe de Estado em situação desconfortável, de tal modo que aumenta, considerável e perigosamente, o baixo nível de estima que o povo, o sofrido povo angolano, tem do seu Presidente? 

O vocábulo Democracia saído da voz de EB, soa mal, perde significado, porque destila o falso, é banal e leviano. Lançada para o ar assim, dessa maneira, a palavra ganha sem-vergonhice, diriam os brasileiros, mostra-se quase sempre como peça sofrível dos actos desconfiáveis que impingem ao povo, porque não conseguem colar e, ao invés, transformam-se em armas perigosas, capazes de magoar pelo seu arremesso. 

Nestes termos, atrevo-me ainda a perguntar, sobre o que se passa connosco. Tratar-se-á mesmo e só da propalada teimosia do Presidente? Diz-se que ele é teimoso e, na verdade, há provas substantivas disso. Haverá outros motivos que o empurram para o constante erro político, para tão destemida quanto perigosa forma de dirigir a Nação e comunicar com os seus concidadãos?  De querer arrasar, sem elegância, a coragem dos seus partidários, putativos adversários políticos? Seja pelo que for, meus senhores, eu falo por mim. Também eu tenho direito de falar o que penso. Sejam quais forem as makas que vos opõem, que haja um pouco mais de respeito para com este povo maravilhoso. 

Sendo o que de momento se me oferece dizer e na medida do que me aconselha a minha consciência; na expectativa de que o lançamento, na sexta-feira passada, do livro sobre Mário Torres, “o combatente urbano clandestino”, tenha sido um sucesso, cumprimento todos os meus leitores e amigos. Sem mais assunto de momento, espero-vos a todos, no próximo domingo, aqui mesmo, à hora do matabicho. 

Lisboa, 15 de junho de 2025

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR