“Não é a pornografia que é obscena… é a fome que é obscena. E enquanto nós não compreendermos isto, que não há o direito, que não há nenhuma razão para que um único ser humano morra de fome. Então, todo o discurso sobre a moralidade pública é um discurso hipócrita” – José Saramago
JOAQUIM CARVALHO
O que vem ocorrendo em Angola ao nível da economia e o que há a fazer?
Um dos problemas é a falta de um sistema estatístico confiável. Ninguém sabe o que aconteceu em 2009, em 2002, nem em 2007. Como referência, posso indicar que a universidade Católica de Angola estimava que o crescimento económico em 2009 foi sendo inferior a 2%. O governo indicou, na mesma altura, 2,74%. O FMI apresentou uma cifra negativa de 0,4%. A revista The Economist apresentou uma taxa estimada de crescimento do PIB de menos 2%. O BAD estimou em 0,1%. Conclusão: não se sabe. E não se sabe porque Angola não tem um sistema de contas nacional. O modelo de distribuição de renda no país é baseado na corrupção, na incompetência, no tráfico de influências e é evidente que isso não é bom para a sociedade, para as pessoas e para a imagem internacional do país. (Fonte: Agnaldo Brito, Reconstrução de Angola precisa de alcançar o Estado, 25.05.2010 ).
De há algum tempo para cá, em Angola, fala-se muito em empreendedorismo, privatizações e em desenvolvimento sustentado. O que isto significa para nós? Empreendedorismo de quê?? Seminários e conferências sobre empreendedorismo e o escambau, gasta-se dinheiro a rodos com estas coisas e fica tudo na mesma como a lesma.
Desenvolvimento sustentado de quê? Do subdesenvolvimento? O que tem de haver é transformação da economia. Deixar de importar e passar a exportar.
Que valor tem a moeda, e qual a sua importância? Este é um dos problemas, mesmo 48 anos depois da independência. A moeda nunca teve importância.
Mesmo sendo complexo e influenciado por factores económicos diversos, tem de se potenciar o valor da moeda, a importância da moeda. Neste contexto, passo a listar algumas estratégias gerais para reforçar o Kwanza:
1. Política monetária: o BNA pode tornar a política monetária mais restritiva, aumentando as taxas de juro. Taxas de juro mais elevadas podem atrair investidores estrangeiros e nacionais que procuram rendimentos para os seus investimentos. Este aumento da procura da moeda também pode ajudar a aumentar o seu valor. Quanto ao investimento interno, há que estabelecer políticas de financiamento local à agricultura (meios de irrigação, sementeira, colheita e distribuição) e à indústria.
Que parte da população apenas produz para comer, para a sua subsistência? Não sabemos porque não temos estatísticas credíveis. Por que não introduzir políticas inclusivas por forma a incluir esta fatia da população na política monetária nacional? Angola tem tantas matérias primas que se torna necessário transformá-las no país. Obtém-se empréstimos para efectuar importações, potenciando outras economias. Há que fazê-lo em benefício próprio. A exportação de capitais também deve ser feita em benefício do país.
2. Política fiscal: o governo pode adoptar políticas fiscais sólidas, reduzindo os défices orçamentais e controlando a dívida pública. Uma posição fiscal sólida pode aumentar a confiança dos investidores na economia do país e na sua moeda, tornando-a mais valorizada. Não é, certamente, com aumentos estupefeitos de impostos sobre as empresas e sobre os consumidores que se consegue.
3. Economia forte: um país com uma economia forte e estável tem mais probabilidades de ter uma moeda valiosa. A melhoria dos indicadores económicos, como o crescimento do PIB, o baixo nível de desemprego e a baixa inflação, atraem investimentos e reforçam a moeda. Por onde começar? Pensar muito seriamente nos custos de produção. É necessário ter custos de produção baixos. Começar por algumas infraestruturas, com certeza.
Número um: o transporte. Um transporte de baixo custo. A criação de uma rede ferroviária que abranja o país e que torne o transporte de mercadorias menos oneroso. Esta solução não pode passar pela reconstrução de uma qualquer via férrea e colocar o transporte por esta via muito mais elevado que o transporte por estrada. Bem entendido, se as frotas de camiões são propriedade de pessoas ligadas ao poder… se dificulta, crie-se uma fase transitória sem onerar a economia do país, aconselhando a não haver reforço dessas frotas. Tem que se balancear as perdas e ganhos para o desenvolvimento. Não pode ser em função de elites. Tem que ser em função do país, em função da prosperidade e não do lucro.
Número dois: outro factor importante para a transformação da economia, para o desenvolvimento, é a existência de uma rede de fornecimento de energia eléctrica que abranja o país e que seja de baixo custo. A economia do país não se pode compadecer com políticas energéticas estúpidas que dificultem a agricultura e a indústria existentes ou a gerar. Outro factor importantíssimo é a banca. Qual o papel da banca em Angola? Não é suposto que a banca financie a economia? O que temos visto é a banca financiar a importação, os comerciantes. Deixemo-nos de estórias, a banca tem que passar a financiar, a baixo custo, a indústria e a agricultura. Doutra forma, a banca apenas existe para transacções meramente financeiras, para a candonga, e sem qualquer impacto positivo na economia. Desta forma, a política monetária fortalece a dependência.
É por todos estes factores que os sindicatos se devem bater, não colocando de lado a imensa luta pela melhoria das condições sociais, de que qualquer dos factores abordados é parte integrante. África não pode continuar a produzir o que não consome e consumir o que não produz. Temos de “pôr a mão na massa”, começando pelo nosso país.
4. Balança comercial: melhorar a balança comercial, exportando mais do que se importa, pode levar a uma maior procura da moeda nacional no mercado cambial, aumentando assim o seu valor.
5. Estabilidade política: a estabilidade política e a boa governação são essenciais para manter uma moeda forte e desenvolver a economia. Incertezas e instabilidades podem levar a uma falta de confiança na moeda, causando depreciação na economia. Existem, entretanto, algumas questões que urge abordar para que não fiquem no esquecimento:
a) Salários baixos: os salários baixíssimos são uma dura realidade para a maior parte da população angolana. São absolutamente insuficientes para cobrir as necessidades básicas, como alimentação, alojamento e vestuário. Para além do mais, a existência de salários muito reduzidos realça a questão da desigualdade de rendimentos e as lutas enfrentadas pelos trabalhadores de baixo rendimento. Estes trabalhadores encontram-se presos a um ciclo de pobreza, incapazes de poupar ou investir no seu futuro ( já que, por parte do Governo, não lhes são permitidas alternativas), levando à instabilidade financeira, ao acesso limitado ou inexistente aos cuidados de saúde, educação e a uma qualidade de vida miserável. A existência de salários baixos pode ainda contribuir para questões sociais graves como a criminalidade (alargadamente existente), falta de habitação e problemas de saúde mental. Para obstar à existência de salários tão baixos exige-se o envolvimento de políticas governamentais, responsabilidade corporativa e mudanças sociais. Para aliviar o fardo urgem iniciativas como aumento do salário mínimo, oferta de melhores oportunidades de emprego e promoção de práticas laborais justas. Sublinho, pois, a necessidade de uma sociedade mais equitativa e justa, onde todos os indivíduos sejam capazes de ganhar um salário digno e tenham a oportunidade de prosperar. É necessário colocar os pobres a poder consumir e estes consumidores no Orçamento de Estado. Os trabalhadores precisam de unir-se na luta pela mudança!
b) Precaridade dos serviços públicos: a precaridade dos serviços públicos vem sendo uma preocupação premente que afecta as comunidades que deles têm necessidade. Os serviços como saúde, educação, transporte e bem-estar social são vitais como garantir o bem-estar do desenvolvimento da sociedade. Entretanto, o financiamento inadequado, a falta de recursos (materiais e financeiros) e a ineficiência conduzem à precariedade destes serviços essenciais. O resultado são longos tempos de espera, instalações superlotadas, acesso limitado a serviços de qualidade e diminuição geral dos mesmos. Para uma abordagem séria a esta questão exige-se compromisso do executivo, um maior investimento e uma gestão eficaz para garantir que todos tenham acesso a serviços públicos fiáveis e de considerada qualidade quando necessário. Doutra forma: instabilidade no emprego e na sociedade, como se tem visto!
c) Falta de seriedade nas políticas públicas: a falta de seriedade na implementação de políticas públicas, face à instabilidade social e governamental existentes, vem sendo uma tendência preocupante que pode ter consequências de longo alcance. Estas políticas desempenham um papel fundamental na resposta às necessidades e preocupações da sociedade, modelando o cenário político e promovendo a estabilidade e o progresso. Entretanto, quando há falta de seriedade na concepção e implementação destas políticas, juntamente com a instabilidade social e governamental, os efeitos são prejudiciais. A incapacidade de abordar questões sociais prementes através de políticas públicas abrangentes e eficazes exacerba os problemas existentes, aprofunda as desigualdades e alimenta o descontentamento entre a população. Esta falta de seriedade pode manifestar-se de formas diversas, tal como implementação inconsistente de políticas, recursos inadequados atribuídos a áreas críticas e incapacidade de adaptação às dinâmicas sociais em mudança. Além disso, quando as políticas públicas não são executadas com a seriedade que merecem, aprofunda ainda mais a desconfiança nas instituições governamentais e contribui para um sentimento de instabilidade e incerteza entre a população. Esta falta de fé na capacidade do governo para enfrentar estes desafios sociais pode gerar agitação social, polarização política e fragilidade institucional.
Esta falta de seriedade, no contexto actual, pode criar um ciclo perigoso que dificulta o progresso, mina a coesão social e perpetua a instabilidade. É imperativo que os decisores políticos priorizem o desenvolvimento e a implementação de políticas robustas baseadas em evidências que atendam às necessidades da população e contribuam para a estabilidade e a prosperidade de longo prazo, ou seja, há que mudar-se o regime vigente.
d) Exemplo de implementação de más políticas públicas – a CIVICOP: a gestão indecorosa do processo que envolve as vítimas “dos conflitos políticos”, nomeadamente no que diz respeito ao 27 de Maio, aliás o único conflito político relevante nos prazos indicados (o outro chamado à colação é militar), resulta do foco inadequado de elementos-chave como a verdade, a justiça, a reparação e a entrega digna dos restos mortais resultantes das execuções extrajudiciais. Negligenciando ou utilizando de forma inadequada estes componentes, o impacto nos sobreviventes, famílias e comunidade pode ser profundo. Não procurar a verdade sobre as atrocidades do passado perpetua uma cultura de impunidade, minando os esforços para reconhecer os erros históricos e prevenir a recorrência. Mecanismos de justiça ineficazes ou inacessíveis agravam o sofrimento das vítimas, deixando-as sem recurso ou encerramento. As reparações inadequadas impedem ainda mais o processo de cura, não abordando os danos materiais e psicológicos infligidos àqueles que sofreram injustiças. Além disso, a entrega digna dos restos mortais dos indivíduos sujeitos às execuções extrajudiciais é um aspecto crítico para honrar a memória dos falecidos e proporcionar consolo aos seus entes queridos. Quando este processo é conduzido de forma insensível ou negligente, como a CIVICOP vem fazendo, acrescenta uma angústia adicional ao já profundo sofrimento vivido pelas famílias das vítimas. Podemos, pois, considerar que a má gestão destes aspectos críticos do 27 de Maio de 1977 não só prejudica a resolução das injustiças passadas, mas também mina a confiança nas instituições e as perspectivas de reconciliação na sociedade. Para abordar com profundidade o legado do 27 de Maio é essencial garantir que a verdade, a justiça, a reparação e o tratamento digno dos restos mortais das vítimas sejam priorizados e efectivamente implementados.
6. Reservas externas: a acumulação de reservas em moeda estrangeira pode ajudar a estabilizar o valor da moeda nacional e a protegê-la de choques externos.
7. Intervenções no mercado: em casos a estudar, o BNA pode intervir no mercado cambial para comprar a sua moeda, reduzindo a sua oferta e, por consequência, aumentar o seu valor.
Embora não seja altura de se pensar nisso, é de salientar que uma moeda forte também tem os seus inconvenientes, como o facto de tornar as exportações mais caras e menos competitivas no mercado internacional. O importante é procurar o equilíbrio na manutenção de um valor estável da moeda.
Pelo exposto, concluímos que o povo angolano tem vivido sob um regime que não consegue satisfazer as suas necessidades básicas e defender os seus direitos. A corrupção corre desenfreada, atrofiando o crescimento económico e aumentando o fosso entre a elite rica e as grandes massas empobrecidas. A governação sufoca a população, deixando-a sem voz e sem poder. A cada dia que passa, o descontentamento entre as pessoas fica mais forte. Protestos e manifestações, com mais ou menos pessoas, tornaram-se comuns à medida que os cidadãos clamam por mudanças e exigem um novo regime que represente verdadeiramente os seus interesses. É claro que o actual regime é incapaz de proporcionar o bem-estar do seu povo. À medida que os apelos à reforma se intensificam, a necessidade de uma mudança de regime torna-se cada vez mais urgente. A esperança de um futuro melhor reside nas mãos de indivíduos dispostos a enfrentar a injustiça e a defender um governo que seja responsável, transparente e que responda às necessidades dos seus cidadãos. Façamos que os ventos de mudança soprem e acene o alvorecer de uma nova era, onde os interesses da população, a prosperidade e a esperança possam florescer mais uma vez, à semelhança do que aconteceu por alturas da independência do país.
PS – o tema Educação e Ensino, aqui não desenvolvido, fica para outra oportunidade, pela sua grandiosidade e importância para o país.