DIREITOS HUMANOS. AI APELA A MONTENEGRO PARA ABORDAR QUESTÃO COM GOVERNANTES ANGOLANOS

“Nos últimos anos, a Amnistia Internacional tem documentado um padrão preocupante de detenções arbitrárias, intimidação e assédio, perpetrado pelas autoridades angolanas contra os cidadãos que se atrevem a denunciar violações de direitos humanos, corrupção e injustiça no país”.

Fonte: Lusa (Ao Minuto)

A Amnistia Internacional (AI) apelou ao primeiro-ministro português, Luís Montenegro, que visita Angola na próxima semana, para abordar a questão dos direitos humanos com as autoridades angolanas.

Portugal, “enquanto país defensor dos direitos humanos e subscritor dos principais tratados internacionais de direitos humanos, deve abordar, de forma construtiva e diplomática, as temáticas de direitos humanos nas interações formais com países parceiros”, lê-se no comunicado da secção portuguesa da AI.

A organização ressalva a importância deste diálogo, sobretudo quando as autoridades angolanas “têm uma conduta contrária àquela que são os valores que o Estado português defende e são reconhecidos internacionalmente”.

Para a AI, “os direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica, assim como a libertação imediata de activistas presos e o fim das acusações contra estes, devem ter lugar nas conversações”.

A secção portuguesa da AI convida ainda a população a juntar-se neste apelo ao Governo português, enviando um email ao primeiro-ministro nesse sentido.

“Em Angola, as violações ao direito à liberdade de expressão e ao direito de manifestação e reunião pacífica têm sido persistentes e não podem mais ser ignoradas pelo Governo português”, considera a AI.

E prossegue: “Nos últimos anos, a AI tem documentado um padrão preocupante de detenções arbitrárias, intimidação e assédio, perpetrado pelas autoridades angolanas contra os cidadãos que se atrevem a denunciar violações de direitos humanos, corrupção e injustiça no país”.

A organização “desafia o primeiro-ministro Luís Montenegro a destacar os direitos humanos na sua visita oficial ao país, pedindo formalmente às autoridades angolanas que os direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica sejam respeitados em Angola”.

Mas Portugal deve rever também a lei sobre manifestações

A Amnistia Internacional (AI) instou recentemente também o Governo português a rever a legislação sobre manifestações e a promover uma maior responsabilização da polícia, referindo que, desde 2016, a Inspeção-Geral apenas publicou um caso de sanções disciplinares a agentes neste contexto.

O caso a que se refere a Amnistia foi publicado pela Inspeção-Geral da Administração Interna na página de internet e implicou revistas a activistas da Climáximo, em 2021, precisou à agência Lusa fonte da organização de defesa dos direitos humanos.

Portugal está entre os países analisados pela Amnistia, num relatório europeu, onde se verificaram incidentes de uso da força “equiparáveis a tortura ou a outros tratamentos cruéis”, nomeadamente quando os agentes da polícia espancaram ou pontapearam manifestantes que já se encontravam deitados no chão e/ou não ofereciam resistência.

“Os agentes de segurança pública dispersaram reuniões, quer em casos nos quais a dispersão não era legal, quer em casos nos quais a mesma era legítima, mas os meios empregues para o efeito, incluindo o uso da força, foram desnecessários e/ou desproporcionais”, acrescentou a AI no documento, que foi apresentado em Lisboa e que contém dados sobre 21 países.

Situações de uso excessivo de força por parte das forças de segurança na dispersão de manifestantes foram registadas pela AI a dia 21 de Janeiro de 2019, na Avenida da Liberdade (protesto contra a atuação da PSP no Bairro da Jamaica) e a 3 de Fevereiro de 2024, na Praça do Município, em Lisboa (contra manifestação espontânea em resposta a um protesto da extrema-direita).

Segundo Inês Subtil, coordenadora da AI, a polícia agiu “com violência, sem aviso prévio”.

De acordo com a mesma fonte, há “uma enorme dificuldade” em identificar cadeias de comando: “O que vemos é uma ausência de responsabilização dos agentes e isso é perigoso, porque deixa espaço para tudo”.

Segundo a Amnistia, em nenhum dos países examinados os observadores de manifestações e concentrações encontram-se legalmente protegidos, e, em vários, a ausência de diretrizes claras significa que o tratamento dado aos observadores e aos jornalistas é deixado ao critério dos agentes da polícia. “Foram registados casos de tratamento problemático, por parte dos agentes de segurança pública, de observadores ou monitores de manifestações, bem como de jornalistas, na Alemanha, na Áustria, na Finlândia, na Grécia, em Portugal e na Suíça”, lê-se no relatório.

Em Portugal, a equipa da AI identificou sete “preocupações-chave” e emitiu um conjunto de recomendações que passam pela necessidade de alterar legislação sobre o direito de reunião pacífica, de eliminar restrições às acções e punições aos manifestantes, mas também pela responsabilização e formação da polícia.

“A Amnistia Internacional identificou casos em que os activistas foram acusados e punidos pelo crime de desobediência por falhas na notificação de protestos, tendo sido sujeitos a penas suspensas convertidas no pagamento de multas”, exemplificou a estrutura.

Nas recomendações que emitiu, a AI sugeriu alterações legislativas para que os organizadores de manifestações pacíficas não estejam sujeitos a sanções por não notificarem as autoridades.

A AI pretende garantir que os requisitos para a organização de uma manifestação sejam tratados “apenas como um aviso” sobre a intenção de realizar um protesto e não como “um pedido de autorização”.

Para a Amnistia, o direito de manifestação em 21 países europeus está pouco protegido e “demasiado restringido”.

21 países europeus na lista dos acusados de repressão

A Amnistia Internacional acusou na mesma ocasião “muitas autoridades estatais de reprimirem organizadores e participantes em manifestações pacíficas”, na sequência de uma análise ao direito à reunião pacífica em 21 países europeus.

A associação também elencou “interferências arbitrárias, incluindo detenções, acções judiciais e encarceramento de manifestantes, assim como a utilização crescente de tecnologias de vigilância invasivas”, criando um denominado “efeito inibidor”.

Apresentada sob a forma de relatório, a investigação da Amnistia Internacional foi desenvolvida entre Dezembro de 2022 e Setembro de 2023, mas foram incluídos exemplos após esse período, designadamente após Outubro de 2023, após o início do actual conflito na Faixa de Gaza e quando “vários Estados europeus”promulgaram “restrições desproporcionais” em relação a manifestações a favor da população palestiniana.

Segundo a mesma fonte houve casos de “proibição preventiva de manifestações” e de determinados “cânticos, bandeiras, do keffiyeh e outros símbolos”, tendo também existido “uso de força desnecessária ou excessiva, a dispersão e a detenção arbitrária de manifestantes pacíficos”.

No documento lê-se que alguns grupos enfrentam desafios específicos, uma vez que os seus direitos “são restringidos pelas sociedades por diferentes formas de racismo intersecional, sexismo, violência, marginalização, normas sociais e, por vezes, até legislações que visam reprimi-los e manter um status quodominado pelo patriarcado e pela heteronormatividade”.

No âmbito das reuniões pacíficas, alguns países ainda alteraram enquadramentos legais para reflectir normas internacionais sobre direitos humanos, como Portugal, enquanto noutros países se avançou para “criar um ambiente significativamente mais restritivo quanto ao exercício do direito à reunião pacífica”, sendo enumerados a Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Itália, Luxemburgo (proposta) e Reino Unido.

A Amnistia Internacional apontou um “marcado contraste face ao tratamento que alguns grupos e indivíduos enfrentam na prática, incluindo pessoas negras, pessoas árabes ou pessoas pertencentes a outros grupos racializados (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Portugal e Reino Unido)”.

“Mulheres (Grécia, Polónia, Turquia e Reino Unido), pessoas LGBTI (Hungria, Polónia, Sérvia e Turquia), crianças (França, Polónia e Reino Unido), pessoas portadoras de deficiência (França e Reino Unido), trabalhadores do sexo (França, Irlanda e Itália), manifestantes pelos direitos do povo palestiniano (Alemanha, Áustria, Eslovénia, França, Grécia, Itália, Reino Unido e Suíça), manifestantes pela justiça climática (Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Itália, Portugal, Reino Unido, Sérvia, Suécia e Suíça)”, lê-se no relatório.

A ONG indicou que apenas na Irlanda a notificação é voluntária para todas as formas e notou a discrepância não só em termos de notificação, como de prazos nos vários países analisados, criticando as “abordagens punitivas” por meio de eventuais “sanções administrativas ou até criminais por ausência de notificação ou pedido de autorização”.

“A imposição de qualquer sanção devido apenas à ausência de notificação às autoridades constituirá uma interferência injustificada no (e, por conseguinte, uma violação do) direito de reunião pacífica”, lê-se no documento, que referiu ainda que em alguns países os “organizadores são sobrecarregados com responsabilidades adicionais pelas ações alheias e pelos custos inerentes às mesmas”.

A limitação a determinados dias ou horas foi considerado como “restrições desproporcionais às reuniões públicas”, tendo sido ainda notado que a “presença de agentes da polícia é frequentemente desnecessária” e que nos países examinados foi “reportado um número muito elevado de exemplos de uso excessivo e/ou desnecessário da força, no contexto de manifestações”.

Foram ainda manifestadas preocupações quanto à “vigilância, monitorização, recolha, análise e armazenamento de dados dos manifestantes”.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR