Da urgência de uma Visão colectivamente construída à necessidade de um Pacto Social de Compromisso com o Futuro

É frequente confundir-se “Crescimento” com “Desenvolvimento”. Aqui mesmo, na Angola do crescimento económico de 2 dígitos, era comum escutar alusões ao suposto “desenvolvimento do país” quando, na verdade, o Índice de Desenvolvimento Humano nesse período se manteve na mesma posição (149a) apesar desse crescimento.

Por Cesaltina Abreu*

A necessidade de um Pacto Social para Angola tem sido abordada em diversas ocasiões e pelos mais diversos actores sociais com base em argumentos como os seguintes: 

  1. Construção colectiva de uma Visão para Angola, enquanto processo promotor de confiança e de solidariedade, e agregador em torno da necessidade de convivência pacífica e de crescimento equilibrado e equitativamente distribuído; 
  2. prioridade nacional na busca de soluções para oferecer às pessoas um quadro de vida que as mobilize para a construção do País, a criação social da Nação, e o relançamento da economia numa perspectiva sustentável; 
  3. produção e disseminação de mais conhecimento sobre Angola, tanto interna quanto externamente; 
  4. incremento dos níveis de inclusão social através da harmonização dos objectivos entre os diversos actores, principalmente no que respeita às condições necessárias para o desenvolvimento humano nos domínios da educação, saúde, trabalho, esperança de vida e ambiente; 
  5. redução das desigualdades sociais, através do combate à pobreza e de políticas públicas de correcção das assimetrias do país e de acção afirmativa relativamente a grupos sociais hoje excluídos; 
  6. reorganização das forças políticas e sociais em torno de objectivos comumente estabelecidos e de responsabilidades partilhadas; 
  7. criação de oportunidades de participação mais amplas de todos os sectores e a todos os níveis da vida pública. 

Em síntese, defende-se um Pacto Social como o meio através do qual se podem criar as condições de um amplo processo de debates públicos buscando diagnósticos e soluções para a saída da crise em que o país se encontra, para a construção da paz social, e para a consolidação da democracia. 

Este processo permitiria alcançar entre outros, os seguintes objetivos:

  1. Identificação das opções constitucionais mais adequadas ao contexto multicultural angolano e adequação das formas de governação;
  2. Criação de condições para a troca de opiniões envolvendo não apenas políticos, mas intelectuais e outros representantes dos vários grupos socioculturais angolanos, sobre (re)conciliação nacional e construção da angolanidade, enquanto alicerce da nação;
  3. Estabelecimento das bases de um diálogo nacional em busca de consensos diversos sobre problemas que afligem a sociedade angolana;
  4.  Relançamento do crescimento económico para o Desenvolvimento Sustentável;
  5. Construção de uma Visão para o país enquanto um “passaporte” para o Futuro, projectando ‘quem queremos ser’ daqui a algum tempo, o que permitirá melhor inserir o país no continente e no Mundo. 

Acima de tudo, este processo permitirá exercitar democracia e, por esse meio, vulgarizá- la na sociedade, de maneira que o seu sentido e conteúdo sejam compreendidos por todos, considerando que a herança do passado manifestada na distorção da consciência social, na incompreensão da ideia de direitos civis e na submissão à autoridade política, contribuiu para a confusão, a desordem e a negligência em relação aos direitos, principalmente dos grupos sociais mais desfavorecidos, que se sentem, assim, excluídos da sociedade. 

A criação de espaços culturalmente adequados para a discussão e a divulgação dos conteúdos relacionados aos distintos temas acima listados é, por si, muito importante, dada a necessidade de educar as pessoas para melhor expressarem as suas opiniões e adquirirem uma cultura de diálogo, evitando a ‘linguagem panfletária’ e/ou agressiva. Esta constatação remete-nos, novamente, ao questionamento sobre os efeitos nas pessoas, nos grupos e na sociedade, da possibilidade de se expressarem nas suas línguas maternas sempre que essa opção se revele a mais confortável. 

A ideia de um Pacto Social enquanto um amplo processo de debates e negociações de objectivos, compromissos e distribuição de responsabilidades aponta para a existirem vários pactos numa mesma sociedade, restritos a parcelas ou grupos, em função dos objectivos que lhes sejam atribuídos. Isto pressupõe a coexistência de múltiplas estratégias e de correspondentes estruturas de implementação, acompanhamento e avaliação, as mais inclusivas possíveis. 

Atendendo à urgência imposta pela evolução acelerada da degradação das condições ambientais nos últimos 50 anos e aos sinais de alerta que a natureza insistentemente vem emitindo, parece-me importante que o ‘lema’ do nosso Pacto Social seja o de um Compromisso com o Futuro, tendo como pressuposto fundamental a busca pela sustentação científica e metodológica para ampliar a satisfação das necessidades de hoje sem colocar em causa as necessidades de amanhã e em alinhamento com a Agenda 20631. 

O colonialismo, o positivismo, o racismo científico, o capitalismo selvagem, têm sido instrumentos de aprofundamento dos males da nossa civilização, via absolutização do Ser Humano que se voltou contra a natureza e contra os seus semelhantes. Este “antropocentrismo absolutista” criou as condições de destruição do seu habitat, da sua própria espécie e das espécies não humanas. Para enfrentar a crise já instalada, antes dos humanos cuidarem dos não humanos, precisam cuidar da sua casa. Quer dizer, rever as suas práticas filosóficas e científicas dentro dos parâmetros éticos. Uma vez feito isso, poderiam ter condições de cuidar do meio em que vivem. 

Na busca do objectivo de “garantir futuro”, deve evitar-se a redução de assentar a “arrumação” da casa nos 3 pilares da sustentabilidade (o económico, o ambiental e o social), como defendido no Relatório Brundtland (1987), e orientar a saída da crise ambiental acrescentando a essa trilogia o que lhe falta para ser não só sustentável mas também inclusiva, considerando os 7 pilares do Pacto de Compromisso com o Futuro, ao acrescentar a Cultura, a Ética, a Política e a Estética.

É frequente confundir-se “Crescimento” com “Desenvolvimento”. Aqui mesmo, na Angola do crescimento económico de 2 dígitos, era comum escutar alusões ao suposto “desenvolvimento do país” quando, na verdade, o Índice de Desenvolvimento Humano nesse período se manteve na mesma posição (149a) apesar desse crescimento. 

A diferença é que o crescimento não conduz à igualdade nem à justiça social, pois não leva em consideração nenhum outro aspecto da qualidade de vida a não ser a acumulação de riquezas, que acontece apenas favorecendo alguns indivíduos da população. A ideia de desenvolvimento, por sua vez, aplica-se a processos que geram riqueza e lucro, mas o fazem com o objectivo de distribuí-los equitativamente, de melhorar a qualidade de vida de toda a população, levando ainda em consideração o equilíbrio na relação da Sociedade com o Ambiente. 

Em nome desse Compromisso com o Futuro, temos de encontrar uma forma equilibrada de relacionar Humanidade e Natureza para garantir a sobrevivência humana no Planeta Terra, transformando crescimento económico em desenvolvimento sustentável, o que implica: 

  1. a satisfação das necessidades básicas da população de todos conhecidas;
  2. a solidariedade para com as gerações futuras (preservar o ambiente para que elas tenham a oportunidade de escolher “como Viver”);
  3. a participação da população envolvida (todos precisam tomar consciência da necessidade de conservar o ambiente e fazer cada um a parte que lhe cabe para tal); 
  4. a preservação dos recursos naturais (terra, água, oxigénio, vegetação, etc.); 
  5. a criação de sistemas sociais para garantir trabalho, emprego, protecção social e respeito pela diversidade cultural (erradicação da miséria e do preconceito); 
  6. a efectivação da Educação como ‘carro-chefe’. 

07 Março 2023

1 AGENDA 2063. A África Que Queremos. Quadro estratégico comum para o crescimento inclusivo e o desenvolvimento sustentável. COMISSÃO DA UNIÃO AFRICANA, Junho 2015. 

*Cesaltina Abreu é cientista social. Graduada em Agronomia, com Especialização em Botânica e Protecção de Plantas pelo IAC (International Agricultural Centre), Wageningen, Holanda (1975), detém vários títulos académicos com uma investigação conduzida na intersecção entre a Sociologia Política e o Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Newcastle, no Reino Unido, com o tema “Contribuição das Ciências Sociais para os programas de doutoramento do CESSAF (Centro de Excelência em Ciências para a Sustentabilidade em África)”.Fez mestrado e doutoramento em Sociologia, pelo IUPERJ – Rio de Janeiro, Brasil.

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