COVID-19. O lado satânico do combate à pandemia em Angola

Os meus cumprimentos, caros governantes da República de Angola. Também, os meus votos de muita saúde para todos vós, para que consigam, de uma vez por todas, levar o país a um bom porto. Que tenham em conta os ideais a que se propuseram. Senão, por favor, peçam desculpas aos liderados, peçam ajuda, peçam conselhos. 

Chamo-me Áurea Ernestina Dias da Graça Machado Pereira. Cheguei, no dia 02 de Janeiro 2022, de S. Tomé e recebi, fruto da testagem ao Covid-19, à chegada, resultado positivo. Tive de seguir as orientações sequentes que culminaram no destino para o Calumbo, Centro CETEP. 

A caminhada para o centro, foi indigente. Nem animais a gente deve levar da forma como os passageiros positivos foram transportados. Interior de uma ambulância, com duas cadeiras apenas, com cintos infuncionais, enferrujados, com o motorista a conduzir com extrema velocidade, sem respeitar as pessoas que, no interior da viatura, lutavam para sobreviver aos solavancos e rezavam para chegar sãs ao destino. A viagem de carro estava a ser turbulenta, contrariamente à tranquila, de avião, que tinha tido momentos antes. 

Compreendo e louvo todas as iniciativas que estão a ser feitas para a saúde da população. E todo o trabalho para se travar a propagação. Mas, recuso-me, enquanto cidadã, a compreender o porquê da não existência de um autocarro para transporte de passageiros nas condições referidas.

Recuso-me, enquanto cidadã, a aceitar que duas ambulâncias em péssimo estado, sejam utilizadas para transportar cerca de 12 pessoas e suas respectivas bagagens. Recuso-me, enquanto cidadã, a ser bode expiatório de projetos inacabados a fim de justificar a utilização dos mesmos. Sou transportada para um ninho de mosquitos, para uma mata, para uso de um leito indigente para qualquer paciente.

Aquando da inauguração do Centro Especializado de Endemias e Pandemias, em Calumbo, o Presidente João Lourenço convidou “os polémicos” a irem ver a infraestrutura hospitalar construída em 12 meses e que neste momento é a maior do país, com 1.300 camas

As residências são de fachada. Não há chave para a porta externa. Qualquer inquilina não sabe com quem está a partilhar o habitat. Não há segurança nenhuma. A roupa de cama, péssima, é dada após ser retirada debaixo do sovaco do enfermeiro indicado para o fazer. Sem estar devidamente envolta em plástico, fechado, demonstrando higienização e regras básicas que o momento impõe.

Digníssimos, aprendi que devemos tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratados. Há hierarquias, compreendemos e sabemos, mas estamos cansados de ser bodes expiatórios. Não pratiquem o agir por emoção. Tenham em conta, também, a inteligência e supremacia dos liderados. 

Faço parte de uma geração sonhadora. Nascida em 1965, testemunha do empenho dos seus ancestrais pela conquista da independência do país. Entristece-me o rumo que o país está a tomar. Repito: peçam ajuda, peçam conselhos, tomem atitude, mas deixem de usar o povo como justificativo de projetos inacabados e comissões chorudas. Respondam-me, por favor, se como cidadã, o meu dever, para manter a minha segurança, na residência proporcionada pelo meu país, é, antes de me deitar, arrastar o guarda-roupa existente no quarto, para servir de cobertura à janela. O pequeno-almoço é entregue numa caixa de papelão, improvisada (pão embrulhado no guardanapo e retirado da referida caixa, por mãos envoltas em luvas, que por si só, podem ser transportadoras de micróbios). Estamos em que era afinal? 

Questiono, pois como cidadã, recuso-me a não o fazer e a resposta, das assistentes, é: é o país que temos. Não aceito! E não me conformo. Agradeço, unicamente, pela existência do líquido precioso: água corrente, o que me surpreendeu pela positiva, pois até água quente possui (para acalmar os ânimos, pós viagem e situação presente). 

Finalmente, subscrevo-me, terminando com um lamento: óhhh meu pai, óhh nosso querido Albano Machado, foi por este ideal que a tua família ficou privada de ti? 

Áurea Machado Pereira

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