CORREDOR DO LOBITO. GESTÃO DO CONSÓRCIO INDICA PERSPECTIVA ANIMADORA

Completaram-se os primeiros seis meses de gestão do Corredor do Lobito, desde que as suas infraestruturas integradas passaram para a esfera da LAR–Lobito Atlantic Railway, empresa que representa o consórcio que ganhou o concurso promovido pelo Governo angolano, constituído pela Trafigura, Mota-Engil e Vecturis, assumindo a concessão por 30 anos. 

POR RAMIRO ALEIXO

A máquina está em andamento. E com a descarga e processamento de 40.500 toneladas de enxofre a granel no Terminal Mineraleiro, originária do Qatar, mas proveniente do Porto de Cape Town-África do Sul, que têm seguido já no decorrer destes dias para a zona mineira do Katanga, no Baixo Congo, iniciou também, a grande prova de fogo do Caminho de Ferro de Benguela(CFB). Essa importante infraestrutura, funciona como a coluna vertebral de suporte ao nosso desenvolvimento regional, e transformou-se num símbolo de Angola, e do que foi o desempenho escravo dos nossos antepassados. Com 1.679 km cerca de 400 dos quais no interior da RDC, partindo do litoral vai subindo ao longo dos primeiros 350 km, até aos 1.854 metros de altitude, numa viagem desafiante que corta verdejantes campos ainda abandonados, mas que um dia serão transformados também, em sustentáculos para o nosso desenvolvimento agrícola. Como vemos na Europa, porque reunimos todas as condições para atingir tal meta. 

De facto, o CFB é um gigante a despertar, e a única ligação ferroviária da África do Sul. Mas, nos últimos anos, mesmo após reabilitada, apresentava ‘sintomas’ de adormecimento, que poderiam conduzí-lo a novo quadro patológico de elevada gravidade, face à incapacidade do dono (Angola) injectar mais recursos para reanimá-lo. Recordo que, foi a 10 de Junho de 1931 (dois anos após concluída a construção iniciada 28 anos antes, a 1 de Março de 1903), que chegou ao Porto do Lobito o primeiro carregamento de cobre do Katanga para exportação. Representou o primeiro grande ganho para a entidade gestora, a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela SARL, que teve o contrato de concessão de exploração por99 anos, completados no dia 28 de Novembro de 2001, revertendo a favor do Estado angolano todos os meios fixos e circulantes. 

Em 50 dos 99 anos de existência, como resultado da destruição a que foram submetidas as infraestruturas e meios da Companhia, o CFB foi só o acumular de despesas e de prejuízos que já não eram comportáveis para o Estado angolano. No meio, e sobre permanente pressão, há ainda uma dívida à China de mais de dois mil milhões de dólares, que custou a reparação da linha em toda a sua extensão, que incluiu a desminagem, reposição de linhas, construção de pontes e de estações, aquisição e reparação de material circulante. Mas, ainda assim, não lhe devolveram saúde total, nem a dinâmica e pujança impulsionadora que o CFB já teve no desempenho da nossa economia e da região, nem na estabilidade de milhares de famílias.

Esse foi o tema da minha abordagem, na habitual análise dos “Factos da Semana” promovido às segundas-feiras pela Rádio Eclésia (Benguela) sob coordenação do jornalista José Manuel, face, algum cepticismo surgido nos últimos dias, justificado pela incapacidade, no momento, de por insuficiência de vagões e de máquinas, se transportar o enxofre para o Congo contando apenas com um número reduzido de composições. Com essas limitações, o processo obrigará a permanência dessa matéria-prima no Terminal Mineiro (onde também é ensacado), por um período de 6 meses, segundo informações prestadas por Fernando Antunes, director-geral daquela infraestrutura. E essa informação preocupa, porque, como referiu, há previsão da chegada de mais navios transportando enxofre que tem como destino a RDC, mas também outros países da região. Mas nada está perdido. É o ensaio para saltos maiores.

O projecto de regularização do movimento de comboios passa pela renovação de alguns troços da linha férrea

Criação de empregos e de desenvolvimento

Como é evidente, esse aumento considerável da actividade obriga à mais investimento, até porque, tratando-se de negócio, o consórcio está obrigado a tornar o Corredor rentável para cumprir as suas obrigações com o Estado angolano e demais parceiros, mas também, de amortização e recuperação de capitais ‘empatados’ para ressarcimento dos financiamentos. Assim, e conforme a sua direcção, já foram encomendados 475 novos vagões fabricados na África do Sul, que chegarão a Benguela ainda ao longo deste ano. Mas o investimento prevê a aquisição de um total de 1.500 vagões e de mais 35 locomotivas, para além da renovação de vários troços da linha férrea e das infraestruturas associadas.

Esse quadro era expectável e a preocupação que fez soar alguns alarmes de cepticismo, a haver de facto razões, seria se o consórcio, nestes primeiros seis meses, tivesse demonstrado sinais de incapacidade na implementação do cronograma de acções a que se propôs, o que não é o caso. E muitas delas prendem-se com a correcção técnica de erros cometidos na reabilitação da linha ferroviária, que a tornam dependente dos padrões chineses, limitam para mínimos a velocidade dos comboios e custaram ao Estado angolano um aperto de 2 mil milhões de dólares. Contudo, o balanço, pelo menos nestes primeiros seis meses, não justifica preocupações nem da parte angolana, nem dos financiadores, até porque, a permanência por mais anos sobre gestão angolana, isso, sim, seria a continuidade do acumular de prejuízos que Angola não tem capacidade para continuar a assumir, nem é correcto que o faça quando existem outras necessidades e prioridades.

Assim, o recurso à gestão do Corredor do Lobito por um consórcio internacional, foi como que a injecção de oxigénio que faltava ao coração de uma máquina que, na verdadeira acepção da palavra, andava “com muitas limitações musculares, como que acometida por um AVC”. E o presente distancia-se desse passado. Só a empreitada de descarga e ensacamento desta primeira descarga de 40.500 toneladas de enxofre, constituiu oportunidade de emprego para cerca de 300 trabalhadores, divididos por três turnos de 24 horas. E, provavelmente, outros mais serão criados. É disso que a economia e a sociedade necessitam. Como escreveu na sua rede social LinkedIn o ministro dos Transportes, Ricardo Veigas de Abreu, “a gestão das infraestruturas do Estado por entidades privadas é o melhor caminho para a criação de postos de trabalho, de riqueza e de desenvolvimento” e a via mais curta para acelerar a diversificação da economia e a integração regional entre Angola e os países vizinhos. 

Desde o início das operações, em Janeiro, o consórcio já faz a exportação de cobre, o transporte de combustível, de cimento, para além da carga doméstica e agora de enxofre. Segundo a sua direcção, nesse período já realizaram 50 comboios internacionais (cerca de 8 por mês) e 150 domésticos de carga e de passageiros (25/mês), a cargo do CFB. É claro que ainda não satisfaz porque é necessário mais e melhor. Aliás, o plano de negócios prevê que o Corredor do Lobito atinja uma capacidade de exportação anual de um milhão de toneladas de minério por ano, antes do final desta década. Mas é o possível, no meio de tantos constrangimentos e práticas predatórias como retirar parafusos às travessas, que podem levar ao descarrilamento das composições. Esse é o país real em que vivemos, onde até bois transitam pela linha férrea, como verificamos recentemente na zona do 27 (entre a Catumbela e Benguela) obrigando a imobilização do comboio regular de passageiros.

Locomotivas movidas à lenha, que fizeram história. O CFB possui o maior polígono florestal privado e eucaliptos do mundo

Financiamento do G7 ainda não se concretizou

O Corredor do Lobito liga as províncias de Benguela, Huambo, Bié e Moxico e integra como infraestruturas o Porto do Lobito, o Terminal Mineiro, o aeroporto de Catumbela que terá em breve certificação internacional, e o Caminho de Ferro de Benguela, cuja construção foi pensada para se estender a sua ligação e interligação até às áreas de mineração da Copperbelt, na Zâmbia, e Katanga, na República Democrática do Congo. 

O objectivo sempre foi a vertente de promoção da exportação mais rápida e competitiva de cobalto, cobre e outros minérios desses países, mas também para outros por via das suas redes, aliada à componente negócio altamente rentável, ao tempo, superior ao do petróleo e quiçá dos diamantes. Com a chegada de cargas do exterior destinadas aos países visinhos, também o Porto Mineraleiro que até então exercia o papel de receptor do que vinha do Congo, depois do investimento realizado pelo Estado angolano, começa assim a ensaiar os primeiros passos na recepção de matérias-primas vindas por via marítima que têm sentido diferente, para sustentação da actividade mineira nos países fronteiriços, com particular realce para a República Democrática do Congo.

Recentemente, demos aqui mesmo conta, que no âmbito da Parceria para as Infra-estruturas e o Investimento Globais (PGI), o Grupo dos 7 aprovou na sua cimeira realizada em Itália, o financiamento de aproximadamente 320 milhões USD para o Corredor do Lobito (e outras áreas do país) e da construção de uma nova cadeia de abastecimento que poderá tornar-se rapidamente, numa das rotas comerciais mais importantes do transporte do cobre metálico para os principais pontos de transformação desse mineral, tido como vital para o desenvolvimento industrial em todo o mundo.

Segundo as nossas fontes ligadas ao sector, o financiamento em questão ainda não está disponível, mas sabe-se que será direccionado para cobertura de investimentos em 4 eixos estratégicos de suporte ao desenvolvimento do Corredor, que vão desde a tecnologia ao hab alimentar, designadamente: infraestruturas eléctricas; melhoria da rede de telefonia móvel e expansão da conexão em 5G; construção de 180 pontes em Angola e melhoria dos caminhos de ferro; o desenvolvimento de Angola como principal hab alimentar da região, mediante o financiamento da construção e aquisição de infraestruturas para o armazenamento e distribuição de produtos alimentares.

Os sete países mais industrializados do Mundo — Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América, França, Itália, Japão e Reino Unido — comprometeram-se na cimeira do G7 em mobilizar esses recursos para impulsionar o desenvolvimento do Corredor do Lobito. Mas, desde o lançamento da PGI, os EUA mobilizaram já mais de 60 mil milhões de dólares em subsídios, empréstimos e investimentos para projectos infra-estruturais, tendo como meta alcançar os 200 mil milhões de dólares até 2027 e 600 mil milhões de dólares em colaboração com o G7.

O projecto de reabilitação do Corredor do Lobito envolve um investimento de mais de 500 milhões de dólares durante a vigência da concessão, com um financiamento potencial de pelo menos 250 milhões de dólares da Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos EUA. Contudo, pode ter uma contribuição anual no Produto Interno Bruto (PIB) na ordem de 1,5 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) a três mil milhões de dólares (2,8 mil milhões de euros), conforme os dados que são avançados a diferentes níveis, e é uma ligação fundamental para a exportação de materiais cruciais para a transição energética, nomeadamente de recursos naturais usados para a construção de veículos eléctricos.

Histórico da recuperação do CFB em 17 anos

O Caminho de Ferro de Benguela, foi alvo de profunda destruição durante o conflito armado e tornou-se inoperacional desde 1975. Em 2001, a linha estava reduzida aos 34 Kms entre o Lobito e Benguela (Ramal de Benguela) e algumas linhas de acesso a armazéns e industrias do Lobito (com aproximadamente 18 Kms) e aos cerca de 15 km que separam a cidade do Huambo à Caála. 

Em Novembro de 2005, Daniel Quipache, então director do CFB, anunciou o arranque, para Janeiro de 2006, da reabilitação efectiva do corredor ferroviário do Lobito ao Luau, com recurso a uma linha de crédito da República da China. A empreitada esteve a cargo da empresa China Railway 20 Bureau Group Corporation (CR-20) que montou na zona do 27, em Benguela, o maior estaleiro e parque de máquinas alguma vez visto no continente.

Mas foi a 30 de Agosto de 2011 que teve início a exploração comercial da ligação entre Benguela e o Huambo, e em 2015 que o comboio, voltou à cidade do Luau, cerca de 40 anos depois. Finalmente, em 2018, a linha voltou a funcionar em pleno, com transporte de cobre e cobalto da República Democrática do Congo até ao Porto do Lobito. Apesar do transporte de minerais não ter atingido os níveis de 1973/1974, a revitalização do corredor já está a produzir impacto na vida das comunidades que vivem ao longo da linha férrea, contribuindo para uma transformação social e económica da região Centro/Sul.

O pleno funcionamento dos meios do Corredor do Lobito, pode impulsionar a produção de bens alimentares, sobretudo de cereais. No passado, existiam vários cilos ao longo da linha, com particular realce nas províncias do Huambo e do Bié.

A locomotiva da região

O Corredor do Lobito, que conecta o interior africano ao Oceano Atlântico, incluindo nações sem acesso ao mar como a Zâmbia e a RDC, não é tida apenas como uma rota comercial, mas também, como uma porta vital que abre esses países para os mercados globais, facilitando a exportação de minerais, de produtos agrícolas e bens manufacturados.

O consórcio Lobito Atlantic Railway (LAR), formado pela Mota-Engil, Trafigura e Vecturis, tem a partida três grandes clientes. O primeiro, a própria Trafigura; o segundo, o complexo de cobre Kamoa-Kakula, situado na República Democrática do Congo, uma joint venture entre a Ivanhoe Mines e a Zijin Mining, e o terceiro a República a da Zâmbia, que também vai beneficiar com a exportação dos seus minérios, na sequência do contrato já rubricado este ano na cidade sul-africana do Cabo.

O entendimento entre as partes indica que a alocação de capacidade de exportação da Trafigura através da LAR será de até 450.000 toneladas de minério por ano, a partir de 2025. Já a Kamoa-Kakula foi atribuída uma capacidade mínima de 120.000 toneladas e até 240.000 por ano de transporte de produtos de cobre a partir de 2025, com um compromisso inicial de 10.000 toneladas a serem transportadas ainda no decorrer deste ano.

Pela sua localização e  potencial, Angola é tida como um país relevante na SADC, tendo o segundo maior PIB do bloco, representando 13% do total (quando em 2000 era apenas 4%) e com a população mais jovem. Por outro lado, contam ainda como factores atractivos e de diferenciação, a estabilidade na segurança interna, o tamanho do mercado e a sua riqueza natural que permitem optimismo em relação às próximas décadas.

Com base nesse potencial identificado, Angola pode ser considerada como a locomotiva da região, necessitando apenas de mudar o actual paradigma de funcionamento da sua economia, para se afirmar como gigante em África, já que, de acordo com diferentes interpretações  económicas, em comparação com os restantes países da SADC, goza de uma visão estratégia de longo prazo.

Contudo, há, ainda assim, muito para ser feito, por exemplo, no domínio das ligações rodoviárias e ferroviárias, ainda insuficientes e com pouca qualidade, no sistema financeiro que continua a ser um entrave para as pequenas e médias empresas, e na capacitação do capital humano onde é necessário maior investimento no sentido de se potenciar a juventude, por ser a maior força de trabalho, já que 75% da população tem menos de 25 anos. E o funcionamento do CFB é também uma via.

A intervenção do ‘amigo’ americano

Estima-se que as necessidades de investimento de Angola até 2050, rondam os 948 mil milhões de dólares, o que perfaz entre 33 e 34 mil milhões por ano, tendo o máximo sido atingido em 2014, na ordem dos 32 mil milhões de dólares, o que exigirá um esforço considerável de quem governa.

No quadro dessa perspectiva, os governos de Angola e dos Estados Unidos da América (EUA) assinaram, no mês de Maio, em Dallas, vários acordos de financiamento, no valor de 1,3 mil milhões de dólares, contemplando também investimentos no Corredor do Lobito.


A assinatura dos acordos ocorreu à margem da Cimeira Empresarial EUA-África do Conselho Corporativo para a África e foram considerados pelo Presidente da República, João Lourenço, como os projectos“prioritários” que terão um “impacto directo nas comunidades em Angola, além de proporcionar uma grande oportunidade para a diversificação da economia nacional pelo efeito de contágio às economias da região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC)”.

Os acordos preveem o financiamento directo de 907 milhões de dólares do EXIM Bank para apoiar a construção de duas centrais de energia solar, através da empresa americana Sun África, com capacidade para gerar mais de 500 megawatts de energia renovável, que seja injectada na rede nacional.


Além disso, o EXIM Bank financiará, parcialmente, a construção das 186 pontes, num investimento total de 450 milhões de dólares, e ainda a execução do projecto de expansão do sinal de rádio em FM, avaliado em 40 milhões de dólares com a assistência da GatesAir, para aumentar a cobertura de rádio para 95% do território nacional. 

Os referidos instrumentos de financiamento constituem o compromisso contínuo dos Governos de Angola e dos Estados Unidos da América para o fortalecimento da parceria entre os dois países, que tem no Corredor do Lobito, um importante e o mais referenciado vector, para lá da exploração petrolífera.

Se tudo isso não significa ainda desenvolvimento, é também uma das vias para se lá chegar. Como estava é que não se sentiria nunca a contribuição do Corredor, o seu real valor e peso na economia, enquanto o povo passa fome e os jovens se marginalizam levados pelo desespero e a frustração. Seria quase o mesmo que não o ter.

Recinto do Porto do Lobito nos anos 60, com milhares de toneladas de minério proveniente das minas da RDC para exportação

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