O extermínio da vegetação atinge níveis que preocupam quem não usa lentes escuras, mas tem olhos de ver e que, por azar, apenas pode ser espectador da desgraça porque, sem forças, nem poder, nada pode fazer, para fazer ver, travar a desgraça que se perde no tempo e se vai perpetuando, ante a impassividade dos olhos de ver.
Quando se sobe aos mais de dois mil e duzentos metros de altitude da Tundavala, está-se, sem dúvidas, num dos pontos mais privilegiados desta Angola, até para mirarmos à volta e contemplarmos tudo o que a nossa vista alcança.
Há quem veja apenas a Natureza que nos proporciona criações tão belas como as que vemos por estas terras do Sul, e se deixe ficar por isso mesmo, pela contemplação do belo. Há quem nunca tenha vindo a estas paragens e, quando cá vem, fica de boca aberta e não se cansa de dizer: que maravilha. Há também os que, mesmo sem terem cá vindo, tenham contemplado estas belezas por fotografia ou vídeo, e se encantem do mesmo modo. Há quem venha, ou vá à Tundavala, só para ver a fenda, olhar lá para baixo, para a Bibala e arredores, escutar uma ou outra história, ainda que de triste memória, e volte satisfeito. Há quem venha, ou vá, com o interesse apenas nisso, sem ver mais nada, porque nada mais chama a sua atenção.
Mas, quem esteja no alto da Tundavala para ver, com olhos de ver, não pode fechar os olhos à verdadeira hecatombe que se desenrola à sua volta, e que vem dos tempos que o tempo já deixou de contar o tempo, tanto tempo faz.
Lá, do alto da Tundavala, viam-se florestas imensas, matas cerradas, com árvores de grande porte que, no tempo da “funguta” que nos fizeram sofrer, faziam tremer até os mais destemidos. Matas que vinham lá das bandas de Caconda e que chegavam às portas do Lubango, se estendiam para lá da Matala, ou para lá de Quilengues, e iam por aí abaixo até às terras do Cunene. Vegetação verdejante, frondosa e farta que cobria a serra que circunda a cidade do Lubango, hoje pelada, e dava ainda mais esplendor à Tundavala e à Leba, hoje quase só com calhaus à vista.
Florestas, matas, vegetação antes exuberantes que, com o passar do tempo foram sendo dizimadas, liquidadas, exterminadas, ante o olhar impávido e sereno dos olhos que deviam ver, e sempre fizeram vista grossa à desgraça que se abateu por estas paragens.
O extermínio da vegetação atinge níveis que preocupam quem não usa lentes escuras, mas tem olhos de ver e que, por azar, apenas pode ser espectador da desgraça porque, sem forças, nem poder, nada pode fazer, para fazer ver, travar a desgraça que se perde no tempo e se vai perpetuando, ante a impassividade dos olhos de ver.
Esta hecatombe já foi objecto de análises, escritos e falas de quem, sendo mais entendido que este leigo, há muito vem alertando, aos olhos de ver que, o que se está a ver, não tem nada a ver com o que se devia ver. Que o que tem de ser feito não é feito por quem deve fazer, por parecer não haver vontade, ou não interessar fazer…
Esta hecatombe tem uma dimensão muito grande, muito ampla, e tem os seus alicerces na fome, na miséria, na desgraça que se abateu sobre milhares dos nossos conterrâneos. Tem dimensão económica porque ela acaba por ser fonte de rendimento para esses milhares de compatriotas que, não tendo outra alternativa, encontram no abate desmedido e descontrolado de árvores, e na sua transformação em lenha e carvão, o seu meio de subsistência, de sobrevivência. São duas dimensões que se equiparam! E que caminham a par!
Até a Serra da Leba foi tomada por salteadores do carvão e, aqui e ali, à beira da estrada, lá estão os pontos de venda de carvão. Até os olhos de ver, os podem ver. Não estão escondidos, os sacos de carvão. Nem os salteadores. Os lugares de produção são bem visíveis, e nem são precisos binóculos ou lentes especiais para ver a fumaça das carvoarias que tocam mesmo nos bigodes da cidade. Só os olhos que devem não querem ver…
Quando se acaba de descer a Leba e, já em território do Namibe, a escassos metros do “importantíssimo” posto de controle da Polícia Nacional, mesmo à beira da estrada, uma extensa área de vegetação desapareceu, foi desmatada muito recentemente, não se sabe a mando de que interesses. Diz-se que ali se vai implantar uma fazenda, ou coisa que o valha. Mugimbos dizem que foi “legal e devidamente” autorizada, pelos olhos de ver, diz-se. Será assim mesmo? E os superiores interesses da defesa da Natureza, onde estão? Que estudos se fizeram para ser justificável que, precisamente ali, e não noutro lugar, se faça o que se está a fazer? E a viagem até Moçâmedes faz-se, vendo lenha e carvão ao longo da estrada, até que, dos calhaus e pedregulhos, lá mais adiante, depois do Caraculo, não se consiga mais fazer lenha ou carvão. Lenha que antes provinha de árvores e hoje, pela espessura dos galhos, não é preciso ser especialista para saber que vem de arbustos, exterminados antes de serem vistos pelos olhos que deviam ver.
E a hecatombe vai tomando dimensões cada vez mais desastrosas, como se hecatombe não fosse desastre, desgraça, catástrofe. Os olhos que devem ver ainda não viram que se está a preparar um verdadeiro banquete de terror, que será vivido, pelo andar da carruagem, daqui a muito pouco tempo, pelas gerações que estão para herdar este fardo. Fardo que, os olhos de ver, fingem não ver que o peso do fardo será demasiado pesado para quem o vai ter de carregar daqui a pouco tempo. A Natureza não faz queixa na PGR, na Polícia, ou onde quer que seja, apenas apresenta a factura, lá mais para a frente…
E, no fim das contas, apercebemo-nos, atónitos, que os prémios, galardões diplomas e medalhas, quais campeões olímpicos, parece que só alguns mangais têm direito. Há que perceber também, atenção, também… que, as florestas, as matas nativas, o arvoredo, a vegetação, também desempenham, e de que maneira, a sua função no equilíbrio da Natureza. Numa altura em que virou moda e muito se “papagueia” turismo, os olhos de ver deviam ver que o desenvolvimento do turismo, turismo sério, entenda-se, não se faz só com estradas esburacadas, e caminhos tortuosos e poeirentos, se faz, também, com respeito pelas florestas, pela preservação e conservação das espécies, com respeito pela Natureza, e que não basta que haja supostas “boas leis” que depois só estão lá, no papel. É preciso que essas “boas leis”, de protecção da Natureza, sejam bem aplicadas, e não sirvam só para servir.
Aqui em Portugal, onde vivo há mais de 40 anos, todo o país se deparou com esta absurda e mais que estúpida indemnização, advogada pelo mais alto magistrado da nação, e ele formado em direito constitucional. Pensei cá para mim, conhecendo bem a realidade do povo angolano, para que bolsos seriam encaminhadas as ditas indemnizações, sabendo que o Povo Angolano está agora mais escravizado do que no tempo da colonização. Tristeza 😔.