“Por despacho (933-C/2021, de 13 de Dezembro) da veneranda juíza conselheira presidente do Tribunal Constitucional, foi admitido o recurso interposto pelo engenheiro António Venâncio sobre a providência cautelar indeferida liminarmente por outro despacho da mesma doutora Laurinda Cardoso. O recurso terá como relator o juiz conselheiro Carlos Teixeira. A providência cautelar indeferida pedia o fim (imediato) dos actos preparatórios do VIII Congresso do MPLA”. Felisberto da Costa, mandatário de António Venâncio, por via do Facebooc aos 15.12.2021
Por Felisberto Ndunduma Sakutchatcha*
As decisões políticas investidas de tamanha aventura praticadas pelo Tribunal Constitucional (TC), constituem um puro e intempestivo ensaio de instabilidade para Angola, algo que nem em sonhos se deverá idealizar.
Durante os últimos pleitos eleitorais, apesar dos imensos e sucessivos atropelos à legislação eleitoral e normas conexas devidamente provadas e alguns realizados a céu aberto, o TC foi o mais fiel cúmplice e conivente nos actos que beneficiaram a equipa elitista governamental, ante a queixas apresentadas consequentemente, pelos concorrentes do MPLA.
Hoje em dia, fica extremamente difícil dissociar o TC do MPLA. Parecem duas instituições que se complementam, porque é ágil nas decisões que favorecem o partido governante e ardil para razões bem fundadas e provadas perante a oposição. E assim não se constrói a Nação.
Nas eleições de 2017, vimos o TC considerar improcedente as violações tão grosseiras à legislação eleitoral, onde o candidato declarado vencedor (declarado sim) foi visto oferecendo bens em nome individual a pessoas singulares e colectivas, com destaque à ambulâncias para hospitais públicos, mas que a PGR nem sequer se deu ao trabalho de abrir um processo por prática de corrupção eleitoral e ainda mais, o TC, mais uma vez habilmente, descartou terem ocorrido violações durante a campanha e que o processo estava conformado. E não se questionou o porquê da inviabilização da presença de observadores vindos de fora de África!
Em 2021, a estratagema do regime subiu de tom e a rouquidão parece fazer mais eco que a própria montanha: intoxicar a opinião pública com factos fabricados e se forem verdadeiros, sem merecimento de continuarem na cena mediática contra os seus mais bem posicionados adversários. É a arma comunista para manutenção do poder. Porém, o pico foi o acórdão 700/2021 que ilegalizou o que já tinha sido legalizado. Uma decisão extemporânea, política, tendenciosa e nada mais, senão belicista.
O país elogia o partido UNITA pela sabedoria, cordialidade, inteligência e calma como os seus dirigentes geriram o dossier 700/2021 e por não responderem à medida que esse acórdão mais bem merecia e pretendia: com caos social e a instabilidade política interna e nacional. Porque se o fizessem, isso seria uma justificativa eficaz para regressarmos ao estado de tensão, decretar emergências tolas, adiamento técnico das eleições para resolver o dilema criado propositadamente para tais efeitos. Vejamos que o MPLA tem provas dadas de usar pequenos sintomas como gravidades a seu favor: em 2014, mal se anunciou a crise global, o país colapsou na hora e até hoje não ressuscitou (volvidos 7 anos); em 2020, mal se anunciou a Covid-19 como uma pandemia, o plano das autarquias foi de imediato amputado, só para citar o aproveitamento que o MPLA tem para resolver questões sociais e políticas!
Com a instalação dessa postura, O TC está a colocar-se do lado absolutamente errado, um lado que nem deveria ter conhecido em toda a sua história. Enquanto angolano, rezo que se salve a dignidade do nosso Tribunal Constitucional e se resgate a sua missão vocacional contra o embrulho a que foi submetido, à captura partidária e ao sufoco jurídico. O TC já atingiu o estágio da banalização da intelectualidade dos seus integrantes, com especial realce para os que assinaram o polémico e biblicamente amaldiçoado acórdão 700/2021. Neste momento resta apenas ao TC reerguer-se, pois já em ruínas se fez a sua essência.
Independentemente de quem esteja a dirigir ou a integrar esse o colectivo de juízes, sempre se espera de um tribunal (qualquer que seja) decisões fundadas na legalidade, imparcialidade e sem vícios, o que não tem sido demonstrado nesses casos de pender político.
O despacho da juíza presidente deste tribunal em relação ao pedido de impugnação do VIII Congresso do MPLA, é que deveria merecer o pedido de impugnação decretado ao do XIII congresso de 2019 da UNITA. A lei prevê recorrer aos tribunais superiores contra decisões de órgãos inferiores. Os tribunais que resolvem conflitos intra/interpartidários sem decisão tomada por um órgão jurisdicional de base, são meramente movidos por força de seus mandantes.
O MPLA tem de deixar de pensar que é nosso patrão. É o contrário. Nós é que somos o seu patrão. E nem o MPLA é patrão do TC. Tudo é nosso. O TC tem de se libertar. Tem consigo o povo. E o povo vai defender as instituições que defendem os seus interesses e não os de quem o prejudica.
Portanto, a entrada do expediente do congresso anulado da UNITA e posteriormente do MPLA, são os mais nobres actos político-partidários de que os mentores se devem valer, mas que o TC não se deve dar ao trabalho de importunar sob pena de armadilhar o país e levá-lo para um ambiente de intensa instabilidade, que nem nós (povo) saberemos entender, a julgar pela táctica tóxica que o regime tem de minar a consciência da opinião pública. A validação destes congressos sem quaisquer nuances político-partidárias é a via mais acertada que se deve tomar, e, entretanto, usando única e simplesmente a lei.
O TC fez o ensaio e deve terminar aqui. Deve, e isso impõe que se posicione do lado certo, para assumir o seu papel no centro da solução de todos conflitos que envolvem a legalidade, usando para isso a jurisprudência como única e exclusiva arma para regularizar o curso normal do país, em vez de, no epicentro da instabilidade política.
De nada valem acórdãos falaciosos se no seu final tratar-se-á só mesmo de falácia, para justificar atropelos e ataques à vida normal das instituições democráticas, autónomas e independentes.
O MPLA deve saber ler os sinais dos tempos. Se o povo não o favorece pela situação criada no país, precisa de ter sim ambição para continuar a governar, mas com total respeito às normas de sã convivência política. E nunca usando instituições públicas e muito menos o TC.
*Cidadão, activista, professor, escritor e pesquisador
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