3ª PARTE

O despertar no Ocidente hoje e agora
Paradoxalmente, ao contrário do “lapso temporal” onde reside a mundividência, as crenças e as imaginações de alguns actores sociais e políticos em África e em Angola, tem sido precisamente dentro dos próprios EUA e da Europa onde, cada vez mais, vem crescendo a resistência e o despertar de consciência contra a natureza nefasta da dominação das elites políticas ocidentais sobre os outros povos do mundo.
Noam Chomsky, filósofo, sociólogo e cientista cognitivo norte-americano, é autor de uma imensa quantidade de obras, onde não hesita em denunciar o impacto dos danos causados à humanidade pela elite política do seu país. No livro “Mudar o Mundo”, cuja base é uma entrevista concedida a David Barsamian, Chomsky, o célebre professor emérito do Massachusetts Institute of Technology(MIT), olha para as questões candentes do século XXI e não tem dúvidas do quanto as acções dos EUA têm contribuído para a proliferação da instabilidade, das injustiças e do subdesenvolvimento em diversas regiões do mundo.
Jean Ziegler, sociólogo e político suíço, que exerceu as funções de Relator Especial da ONU sobre o direito à alimentação, assim como o cargo de vice-presidente do Comité Consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no seu livro (best-seller) “O Ódio ao Ocidente”, partilha as constatações feitas, na primeira pessoa, durante o contacto com os povos do Sul global ao longo do seu percurso profissional. Ziegler percebe com nitidez a manifestação deste sentimento de ódio, cuja origem o autor atribui ao passado colonial e esclavagista, que ao invés de se apaziguar com o tempo se foi consolidando. No substrato desta realidade, Jean Ziegler expõe o capitalismo ocidental globalizado que submete o resto do mundo à condição de dominação, bem como reflecte sobre a necessidade de o Ocidente assumir as suas responsabilidades.
O advento da internet e das redes sociais tem permitido que centenas de personalidades influentes em países ocidentais consigam difundir as suas posições críticas, as suas ideias e alertas contra a captura dos governos dos seus Estados por elites exploradoras, belicistas e invasoras, que trabalham, não para o interesse da maioria dos cidadãos dos países que representam, mas sim para a casta detentora dos fundos de investimento, dos grandes bancos e de todo o tipo de lobby e máfia, que actua no submundo do “mercado” e do capitalismo globalizado e assaltou o lugar da política. Alerta ainda contra a receita para o precipício que vem sendo o Neoliberalismo para as populações ocidentais e a desgraça que representa a transferência desta doutrina económica nefasta para África e para outras regiões “periféricas”. Dentre estas mentes lúcidas que brotam de dentro do Ocidente, que por via da internet têm sido capazes de romper o bloqueio dos senhores do sistema e da velha imprensa, podemos destacar, por exemplo:
Cornel West (filósofo, escritor, crítico social, activista dos direitos humanos e intelectual norte-americano, professor da Universidade de Princeton, um dos principais percursores dos estudos afro-americanos e concorrente à eleição presidencial dos EUA em 2024), Jeffrey Saches (conceituado economista e Professor universitário dos EUA), Scott Ritter (ex-oficial de inteligência dos fuzileiros navais dos EUA e ex-inspector de armas da ONU), Chas Freeman (ex-Embaixador norte-americano na Arábia Saudita e ex-Secretário assistente de defesa, com mais de 30 anos de serviço no Departamento de Estado e Departamento de Defesa dos EUA), Brian Berletic (ex-fuzileiro naval dos EUA, autor e especialista em Relações Internacionais), Radhika Desai (autora, analista de geopolítica e professora da Universidade de Manitoba, no Canadá), Glenn Diesen (cientista político norueguês), Juan Antonio Aguilar (director do Instituto espanhol de geopolítica e estudioso de estratégia militar), José Miguel Villaroya (historiador e professor universitário espanhol), Richard Wolff (economista norte-americano e professor emérito do M.I.T), Miguel Ruiz Calvo (advogado e comunicador espanhol); Pascal Lottaz (filosofo e historiador suíço, professor do instituto Waseda de estudos avançados em Tóquio), Douglas Macgregor (Coronel aposentado do exército dos EUA e participante dos ataques na Guerra do Golfo), Arnaud Bertrand (analista geopolítico francês), Kaisa Ekis (activista, autora e jornalista sueca), Ray McGovern (activista político americano e ex-oficial da CIA), Arnold August (autor, jornalista e analista político canadiano), Gerald Horne (autor e professor de história dos EUA), Michel Houdson (renomado economista, professor universitário e analista norte-americano), Andrew Napolitano (ex-juiz do tribunal superior de Nova Jersey, e ex-analista da Fox News), George Galloway (emblemático político escocês, ex-deputado do parlamento britânico e líder do partido dos trabalhadores da Grã-Bretanha), Daniel Davis (oficial aposentado do exército norte-americano e analista da política externa dos EUA), Raul Cunha (major-general português, ex-integrante de missões europeias na Jugoslávia, com uma vasta folha de serviço incluindo trabalho prestado para a NATO), Yánis Varoufákis (ex-ministro das finanças grego e deputado mais votado em 2015, responsável pela negociação entre a União Europeia e a Grécia no contexto da crise financeira. Em 2024 regressou à ribalta da reflexão intelectual com o conceito de Tecnofeudalismo, face à exploração das massas por parte das big-tech). Podíamos incluir também John Mearsheimer (cientista político, académico de Relações Internacionais e famoso neorrealista norte-americano) e inclusive o insuspeito cientista político francês, Emmanuel Todde, que em 2024 publicou o autocrítico best-seller, La défaite de l’Occident (A Derrota do Ocidente).
As personalidades acima mencionadas são apenas algumas das centenas de intelectuais do Ocidente que têm abordado questões como as consequências das persistentes agressões dos países ocidentais contra outros povos, o estado actual da economia dos EUA e dos países europeus, as verdadeiras causas da guerra na Ucrânia, o significado da ascensão da China, a dupla e sínica classificação de democracia (jogo duplo) usada pelo Ocidente, as reais motivações da hostilidade contra a Venezuela, contra o Irão e contra a Rússia, o desmoronamento gradual do império americano e a ascensão de uma nova ordem multipolar, o genocídio do povo palestino por Israel com o patrocínio de governos ocidentais e a decadência moral da Europa. Do seio do próprio Ocidente, estas e outras questões actuais têm sido analisadas e debatidas com toda clarividência e rigor científico, diferente do mantra propagandístico que a rede de agências de comunicação controlada pelas elites ocidentais distribuem mundo afora, e que são reproduzidas ipsis verbis pela imprensa e por alguns fazedores de opinião em países periféricos, incluindo Angola.
O intelectual angolano e a realidade paralela: ingenuidade, alienação ou conivência?
Enquanto o debate a nível da alta esfera da intelectualidade internacional em diversas partes do mundo (principalmente no Ocidente) tem convergido para o entendimento de que o império norte-americano está em declínio e, por isso, a velha ordem mundial unipolar tenta sobreviver recorrendo ao seu método tradicional – o assalto, as invasões e o gangsterismo de Estado contra povos e culturas que buscam a todo custo preservar as respectivas soberanias ‒, é frustrante ouvir dos intelectuais angolanos com espaço nos média, uma interpretação minúscula do quadrante internacional contemporâneo baseada no mantra da alienação da propaganda ocidental, que induz a redução dos factos com o raciocínio binário sobre “autarcas e democratas” ou “ditaduras e democracias”.
A referida patologia levou a que determinadas pessoas em Angola celebrassem, no espaço público,um prémio Nobel da Paz atribuído a uma figura execrável como Maria Corina Machado, num momento em que, do âmago do império, Max Blumenthal (jornalista norte-americano, fundador do The Grayzone) denunciava as mortes de pessoas inocentes massacradas no Caribe, que considerou “um crime titânico do regime dos EUA para satisfazer a sede de sangue maníaca de Rubio e do Complexo Industrial de Gusano”. A ingenuidade e a incapacidade de certos fazedores de opinião de ler a big picture, faz com que considerem o Comité do Nobel na Noruega algo sacrossanto e afastado de qualquer agenda geopolítica ou tendência ideológica. Aliás, é a mesma idoneidade inquestionável que atribuem às redes sociais ocidentais que bloqueiam e censuram conteúdos e opiniões críticas contra o Ocidente, ou os sites e canais de televisão ocidentais cuja matéria-prima é a classificação em “regimes e ditaduras” de todos os governos que não se vergam aos ditames dos senhores da velha ordem decadente.
Não foi necessário que vinte anos se passassem para que o conselho norueguês da paz anunciasse a não realização do tradicional cortejo com tochas por Oslo, acto que celebra a atribuição do prémio Nobel da Paz todas as vezes que alguma individualidade é distinguida com o mesmo. O referido Conselho justificou a decisão por “fidelidade aos princípios”. Ou seja, o Conselho Norueguês da Paz (órgão independente do Comité Norueguês do Nobel) não está de acordo com a atribuição do prémio à opositora venezuelana – uma belicista ao serviço do império. Para vergonha alheia.
Num momento em que o modelo económico neoliberal provou ser insustentável e que centenas de intelectuais, dentre eles renomados economistas ocidentais, alertam para o risco que a adopção dessa filosofia ruinosa representa para a estabilidade social, é estarrecedor o persistente fluxo, na imprensa luandense, de apologias neoliberais, num país africano com a história e as características de Angola.
A crise cognitiva é de tal dimensão, que um neoliberal em Angola se sente à vontade para defender que as pessoas, incluindo políticos com responsabilidades governativas, devem agir pensando no bem individual e não para o bem da pátria. É sobejamente sabido, que o neoliberal é por excelência um antinacionalista, um mercenário que desconhece a natureza dos princípios e valores que constituem o dever patriótico. Porém, é anormal que, em pleno ano de 2025, um indivíduo defenda publicamente, aos microfones de uma emissora de rádio, a inverosímil tese do egoísmo de um Adam Smith, de 1776, quando inclusive muitos intelectuais de direita consideram que existe um mal-entendido na interpretação do self-interest do economista de Edimburgo do século XVIII, para além do facto da maioria das sociedades europeias já ter superado Adam Smith com o Marxismo e com o Keynesianismo, sendo que hoje, o principal debate a nível dos grandes círculos intelectuais do mundo é sobre soberanismo versus entreguismo.
Após 1975, com o reconhecimento da independência por parte da maioria dos países do sistema internacional e da ONU, o Estado angolano foi admitido como sujeito do Direito Internacional. Porém, ainda assim, países ocidentais, com os EUA à cabeça, passaram a financiar e a fornecer armamento a um grupo rebelde que pretendia derrubar um governo legítimo. Por seu turno, o governo angolano tinha o apoio dos países do bloco socialista. Mesmo depois do fim da URSS, o apoio do Ocidente ao grupo rebelde ainda se intensificou. Margaret Anstee (diplomata britânica e representante espacial da ONU em Angola) não tinha dúvidas de que Angola era “Órfão da Guerra Fria”.
Transcorriam já vinte anos de guerra civil pós-independência de Angola e três anos após a realização das primeiras eleições multipartidárias, em 1992, ganhas pelo partido governante. Não aceitando os resultados eleitorais, o grupo rebelde, fortemente equipado pelas potências ocidentais e com recursos provenientes da venda ilícita de diamantes e outros minerais, retomou a guerra civil em posição de força, chegando mesmo a ocupar algumas capitais provinciais e diversas localidades em várias regiões do país. Foi neste contexto que, nos dias 25 e 26 de Setembro de 1995, por iniciativa das Nações Unidas e da Comissão Europeia, se realizou, em Bruxelas, a Mesa-Redonda de doadores, na qual foram prometidos mil milhões de dólares para a reconstrução de Angola.
A disponibilização da verba por parte da “comunidade internacional” ocidental, com base na referida mesa-redonda, consistiria na entrega de 786 milhões de dólares para programas de reabilitação e desenvolvimento, que deviam ser implementados entre 1996 e 1997; e 207 milhões de dólares para o programa de ajuda humanitária, o que perfazia um total de 993 milhões de dólares. Havia igualmente a expectativa de que outras promessas seriam confirmadas, por isso acreditava-se que o montante final excederia mil milhões de dólares, sendo que a União Europeia se responsabilizaria por 43% dos “compromissos assumidos pela comunidade internacional”.
Perante promessas feitas na presença de representantes do governo angolano, do grupo rebelde e do enviado especial do Secretário-Geral da ONU para Angola, Alioune Blondin Beye, o anfitrião da Mesa-Redonda de Bruxelas, o político português João de Deus Pinheiro, à época responsável das relações das Comunidades Europeias com África, Caraíbas Pacífico (ACP), não escondeu o entusiasmo ao afirmar que “nenhuma conferência de doadores jamais atingiu este nível de compromisso”. As etapas que foram definidas, para as quais se esperava o envolvimento dos angolanos, eram “a pacificação, reconciliação, reabilitação e reconstrução nacional”.
Ocorreu, porém, que em 2002 o fim da guerra foi alcançado por meio da derrota do grupo rebelde patrocinado pelo Ocidente. Quando, nesse mesmo ano, depois da implementação de um processo de reconciliação nacional considerado exemplar para os países africanos, e mesmo do mundo em contexto pós-guerra civil, o presidente angolano apelou à comunidade internacional para a realização da conferência de doadores com vista à reconstrução do país, no espírito da promessa da Mesa-Redonda de Bruxelas de 1995, a resposta dos doadores foi que o governo angolano devia erradicar uma suposta “má gestão financeira e que as finanças de Angola não estavam a ser bem utilizadas”. Apesar da admissão pelo The New Humanitarian (2024), de que “um dos principais obstáculos foi a relação fria entre o FMI e o governo”, ou seja, de que o governo angolano resistia ao “anúncio de assalto” feito por esta organização de Bretton Wood. Ainda assim, a etapa seguinte do plano foi colocar em acção outros dois tentáculos da extensão política do Ocidente – a Human Rights Watch e a Global Witness, que, de seguida, “acusaram altos funcionários angolanos de roubar bilhões de dólares em receitas do petróleo”.
Para além de que é impossível que bilhões de dólares circulem num sistema financeiro internacional controlado pelos governos ocidentais sem serem rastreados, as referidas ONG não citaram os nomes dos detentores, os números das contas, nem as instituições bancárias envolvidas. Mas isto pouco importava. Não é que, em 2004, não existissem eventuais casos de corrupção e de desvios de fundos em Angola, assim como existiam na China, na Rússia, na Índia, no Vaticano, nos EUA, no Reino Unido e na própria União Europeia. O objectivo da acusação da Human Rights Watch e da Global Witness não era a verdade. O objectivo era gerar um facto que não podia ser afirmado directamente por estruturas estatais ocidentais, no sentido de se justificar o dito pelo não dito. A verdade é que não interessava a realização da prometida Conferência de Doadores para a reconstrução de Angola, conforme o compromisso de Bruxelas de 1995, porque contra as expectativas geradas então, o fim da guerra ocorre com a vitória do governo liderado por uma força política que não era vassala do Ocidente, um partido que até recentemente tinha alianças com o campo socialista. Logo, ou o governo angolano se submetia às ordens do FMI (eufemisticamente apelidadas de reformas), para que fosse controlado por esta via, ou então não haveria a prometida conferência. Aliás, não seria a primeira nem a última vez que o Ocidente faltaria com a palavra.
As etapas que deviam ser cumpridas pelos angolanos, de acordo com o Comunicado de Imprensa da própria Comissão Europeia, de 27 de Setembro de 1995, eram “a pacificação, reconciliação, reabilitação e reconstrução nacional”. O FMI e as ditas reformas não constam do documento. É importante destacar que tinham passado apenas dois anos após o calar das armas, num país com infra-estruturas destruídas, centena de milhares de deslocados, milhares de soldados desmobilizados por reintegrar na sociedade, milhares de pessoas mutiladas, crianças na rua, e a economia de rastos. Mas, a “comunidade internacional ocidental” não cumpriu a promessa feita em Bruxelas em 1995, porque a realidade do controlo político, em 2002, não ocorreu como planificado. Inclusive, em 2004, Francisco Xavier Esteves, então embaixador de Portugal em Angola, contrariando o entusiasmo expressado pelo seu conterrâneo João de Deus Pinheiro durante o compromisso de Bruxelas em 1995, chegou mesmo a afirmar que a comunidade internacional tinha outros países por ajudar.
Foi neste contexto que foram lançadas as Fake News da época publicadas pela Human Rights Watch e pela Global Witness. Curiosamente, as referidas ONG, que têm publicações sobre denúncias de tráfico de diamantes de sangue na Serra Leoa e de exploração ilícita de minerais no Zimbábue, não fizeram nenhuma referência aos milhões de dólares acumulados pelo grupo armado pró-Ocidente que combatia o governo legítimo de Angola, dinheiro este proveniente do tráfico de diamantes de sangue, guardado em contas bancárias em Paris, Antuérpia e noutras cidades ocidentais, que não existem nos mapas e nos “relatórios” da Human Rights Watch e da Global Witness.
Acusar de corrupção e desvios de fundos um governo africano, que à época acabara de sair de uma guerra fratricida, governo de um partido “indesejado” pelas elites de Wall Street, City of London e Black Rock, um governo que se recusou a vergar-se ao FMI, foi uma fórmula fácil para atingir o apelo de cidadãos pouco avisados, porque sempre existem ouvintes e fazedores de opinião largados nas cavernas da alienação. A ingenuidade é incapaz de atingir a compreensão da história do mundo, das dinâmicas e jogos de interesse em curso nas Relações Internacionais, amparados por teorias e conceitos cuja essência apenas resume uma única verdade: a luta de classes extrapolada para a esfera global. Ou seja, a luta entre uma elite de exploradores, que fará de tudo para manter o seu status quo, contra diferentes grupos de sociedades humanas, algumas já conquistadas, outras completamente dominadas, enquanto existem neste panorama as sociedades tidas como rebeldes. Aquelas que procuram a todo o custo salvar a sua soberania.
Dependendo da combinação dos diversos factores biológicos, históricos e metafísicos que tenham determinado a existência de cada um, pode ocorrer que um individuo nasça e viva em Angola e evidencie uma profunda “mundividência do cordeirinho”, mentalidade que habita no “conto da carochinha” sobre a actuação dos actores das Relações Internacionais (os Estados, as ONG e os grupos de pressão). Esta desconexão da realidade das interacções no “sistema-mundo” ficou mais uma vez evidente com as declarações de um comentador em Luanda, em 2025, que para milhares de ouvintes, alguns dos quais sem formação académica, outros provavelmente jovens estudantes, expressou afincadamente a sua crença na idoneidade moral, na lisura, na neutralidade ideológica, na imparcialidade da Human Rights Watch e da Global Witness, que, investidas do “poder de fazer justiça”, proferiram, com as suas acusações contra as autoridades angolanas em 2002, a sentença que ditou a não realização da prometida conferência internacional de doadores.
Human Rights Watch e a Global Witness
A Human Rights Watch (HRW) é uma ONG norte-americana sediada em Nova Iorque, cuja fama é de “fiscalizar” e documentar situações de violação dos direitos humanos e de arregimentar um conjunto de influências políticas no sentido da “responsabilização dos infractores” (quando conveniente). A origem da HRW encerra em si mesma um pendor de parcialidade política a favor do bloco ocidental no contexto da Guerra Fria. Nascida em 1978 como Helsinki Watch, a HRW tinha como função monitorar a União Soviética no quadro do protagonismo dos EUA no Acordo de Helsínquia de 1975.
A melhor forma de conhecer a natureza de uma ONG é aplicar um dos conselhos populares anglófonos – follow the money. Dentre os diversos financiadores da HRW constam, por exemplo, a Fundação Ford, que entre 2023 e 2025 lhe concedeu 1 milhão de dólares. De recordar que, em 2024, o presidente queniano William Ruto denunciou a Fundação Ford por ter financiado um protesto antigovernamental que resultou na morte de mais de 50 pessoas, 59 desaparecidos e 628 detidos. Outra fonte de financiamento da HRW é a Open Society Foundation do milionário norte-americano de origem húngara George Soros, uma figura sinistra, conhecido por fazer fortuna com a especulação financeira na bolsa de valores, activos de risco, e ser instigador de instabilidade política em diversos países do mundo, principalmente contra governos soberanos próximos à Rússia e à China, ou que não atendem os interesses ocidentais. Entre 2022 e 2024, a HRW recebeu da Open Society Foundation 3.125.000 de dólares norte-americanos. Em 2018, a HRW recebeu do Qatar uma doação de 3 milhões de euros. Em 2012, Ken Roth, director executivo da HRW, recebeu uma doação de 470.000 dólares norte-americanos de um magnata da Arabia Saudita, com a promessa desta ONG não apoiar a comunidade LGBT no Médio Oriente e no Norte de África. Depois do facto ter sido denunciado, em 2020, a HRW devolveu o dinheiro e anunciou a realização de uma “investigação independente” para apurar os motivos pelos quais os “rigorosos protocolos e políticas de avaliação das doações” da referida ONG tinham falhado. Afinal, tanto o Qatar, como a Arabia Saudita são grandes democracias e exemplos de preservação dos direitos humanos…
De acordo com o ONG Monitor (2025), o financiamento da Human Rights Watch “não é totalmente transparente”, pelo que, mesmo a nível do que é tornado público, existem financiamentos que continuam ocultos. Em relação ao vínculo com o poder político dos EUA, em 2014, diversas entidades, dentre elas dois laureados com o Prémio Nobel da Paz, mais de 100 académicos, jornalistas e activistas de direitos humanos dirigiram uma carta onde pediam o término do “intercâmbio de pessoal” entre o governo norte-americano e a HRW. Os signatários da referida carta consideram que tal prática “afecta a pesquisa e a defesa dos direitos humanos”, por parte da Human Rights Watch, nos casos de “violações cometidas pelo governo dos EUA”.
A Global Witness (GW) é uma ONG fundada em 1993 no Reino Unido. É uma organização que se declara comprometida com a “busca de um mundo melhor, onde a corrupção seja combatida”. A mesma incluí no seu portfólio o que considera ser a luta contra abusos ambientais e de recursos naturais, contra a violação dos direitos humanos, assim como contra a corrupção de sistemas políticos e económicos. Porém, trata-se de uma ONG financiada também pelos governos britânico e norueguês. Dentre outros patrocinadores da GW constam a Open Society (tal como a HRW), cujos meandros já referimos anteriormente. A GW recebe doações do governo dos Países Baixos, da União Europeia, Nações Unidas e outros. Entre 2008 e 2009, 33% das receitas da GW foram provenientes de governos.
Quando, numa entrevista concedida ao The Guardian, em 2007, Patrick Allery, um dos directores fundadores, foi indagado sobre um eventual conflito de interesses em relação à emissão de pareceres contra a actuação das autoridades britânicas (a mesma questão podia ser colocada em relação ao governo norueguês e à União Europeia), Alley respondeu que a independência da referida ONG “nunca é comprometida”. Será isto possível na vida real?…
Em determinados momentos, tanto a Human Rights Watch, como a Global Witness desenvolvem efectivamente acções tendentes à salvaguarda dos direitos humanos e preservação ambiental, etc., etc. Aliás, esta é a melhor camuflagem que estas ONG possuem, uma vez que procuram convencer uma parte da opinião pública nacional e internacional de que estão munidas de alguma credibilidade. Porém, na prática, servem de instrumentos de projecção da acção político e ideológica de certos sectores das elites governativas e económicas dos EUA e do Ocidente em geral. Vale relembrar uma lição elementar que se aprende estudando R.I. – as ONG são actores das Relações Internacionais.
Continua nos próximos capítulos (…).










