Um Estado que reage a professores e crianças com balas, que não entende como legitimas exigências mínimas de dignidade humana para a vida do seu povo, é um NÃO-ESTADO. As crianças são a reserva moral de um país. Angola fica, com estas e outras posturas, na História do Mundo, como um infractor dos princípios fundamentais da carta universal dos direitos das crianças.
Pela Constituição angolana, por onde, teoricamente, é obrigatório que se tenha que reger o país, estão consagrados os princípios fundamentais dos direitos das crianças à Educação e o direito às condições mínimas para o harmonioso desenvolvimento físico e intelectual das nossas crianças. Assim como o direito à manifestação e à exigência, por parte dos cidadãos, dos direitos consagrados na lei. E dentro da lei, o professor Diavava Bernardo, da escola 5008 da Estalagem, em Viana, juntou os alunos e foram, ordeiramente, como disse a própria Polícia, pedir para seremrecebidos por alguém responsável da Administração de Viana e reclamar sobre a falta de carteiras na escola. Leram bem – falta de carteiras na escola! Não estamos a falar de livros, de cantina, de biblioteca, de pavilhão gimno-desportivo, que fazem parte das condições para o que se chama educação e saudável desenvolvimento de uma criança, condições que qualquer escola para os nossos filhos deveria ter. Está lá escrito, na Constituição, que os nossos filhos têm o direito a ter. Estamos a pedir alguma coisa que a lei não diga? Não! Exigindo, estamos a ser conscientes cidadãos, estamos apenas a pedir que as leis no país se cumpram. Mas como foram recebidos esses conscienciosos cidadãos? Pela administração de Viana? Foram educadamente convidados a sentaram-se para falar e serem ouvidos? Não! Foram afrontados agressivamente por um grupo de polícias mascarados e camuflados, como se fossem para uma guerra. Mas, por outro lado, têm medo de trezentas crianças, entre os oito e os quinze anos, vestidas de bata branca, e, amedrontados, foram pedir reforços. Poderia ser só o cenário de um filme de guerra e humorístico, mas não. Usando da violência gratuita e da sua ignorância sobre as leis que devem fazer cumprir, mas que nem conhecem, começaram a disparar para o ar. A disparar frente a crianças e a agredir o professor com choques eléctricos. Saberão eles dos riscos de balas perdidas? Terão noção da gravidade moral e ética desta reacção? Familiarizados com um modo de pensar e agir generalizado, que actua sistemáticamente violando as leis – violência gratuita, repressão, maus tratos e proibição do exercício dos direitos cívicos consagrados na lei. A Polícia Nacional tem as pessoas por inimigos e, descobrimos agora, tem também as crianças como um perigo que exige reforços policiais. E porquê? Porque um professor e trezentas crianças querem carteiras! Carteiras! E como está registado em vídeos, a ignorância das leis e do seu papel como zeladores da lei está resumida no entendimento perverso com que Nestor Gorbel, porta-voz da Polícia Nacional, afirma: -“Estou estupefacto como um professor que começou a trabalhar há 15 dias já se propõe realizar uma marcha”. E dão choques eléctricos a um professor porque, segundo as declarações “o professor quase que afrontou a Polícia em cenas de desacato e parece ter mostrado resistência”. Quases e parecem… trataram-se com choques eléctricos…
Acusados os alunos de terem destruído 50 carteiras como protesto pelas degradantes condições da “escola”, (facto a confirmar), João Paulo Oliveira, director da escola, chamou a Polícia. Ou seja, este director da escola não possui o mínimo de capacidade pedagógica para lidar com os alunos, para, pelo diálogo, estabelecer uma plataforma de entendimento e análise sobre os problemas escolares.
Analisadas as afirmações vindas de policiais, da direcção e de algumas pessoas nas redes sociais, constata-se uma inversão fundamental na forma de entender o que realmente está em causa e importa equacionar. Como psico-pedagoga, curso que também tenho, e como mãe, solidarizo-me com todas as mães e pais na extrema preocupação sobre as condições que temos nas escolas, a segurança dos nossos filhos e da sua saúde mental e física. Porque nós não temos escolas! Temos depósitos de crianças sem condições e muitas vezes sem suficientes professores habilitados para as matérias a dar, nem, em grande percentagem, formação humana e ética para ajudar a orientar o crescimento de uma criança. Têm culpa os professores? Não! Fazem o melhor que podem muitos deles. Também eles não puderam ter essa preparação que o país não oferece.
Há 2 milhões de crianças fora do Sistema de Ensino e nos que estão dentro, em turmas de 70 a 80 alunos! Como diz qualquer manual, para ser eficaz o ensino, uma turma deve ter no máximo 25 alunos. Para terem uma ideia do Orçamento Geral do Estado para a Educação, este reserva para o ensino pré-primário 22kzs/aluno/ano!!! As condições de higiene mínimas não estão asseguradas. Os WCS não têm água corrente em muitas escolas. Muitas meninas não podem ir à escola durante o período do ciclo menstrual por a escola não oferecer o mínimo de condições para que estas cuidem da sua higiene íntima.
Diz a UNICEF, com quem Angola assinou todos os compromissos de assegurar a educação de sãs crianças, que para uma instituição de ensino se chamar Escola, é necessário integrar no programa básico, WCs com água, cantina, biblioteca, um pavilhão gimno-desportivo, salas com ventilação e iluminação natural, carteiras, quadros e equipamento didáctico. Falo de condições mínimas, cujos conteúdos exigidos Angola assinou com entidades internacionais e se comprometeu a cumprir.
Senhores(as) governantes, como pais, o que pensam fazer? (não falar, porque de palavras que o vento leva, estamos cansados). Se fossem os vossos filhos, como se sentiriam, pensando que são capazes da empatia? Todos os angolanos têm um carinho e uma preocupação fundamental com o desejo de educar os seus filhos. E o que oferece o Estado às crianças do país? Que pessoas, que capital técnico, que país poderemos ter, se não tivermos as mínimas condições? E ironicamente, de uma forma absurda e até hilariante, fala-se em formar astronautas! Que disfunção mental está instalada, entre o absurdo com que a comunicação social propagandeia o país quase perfeito e a nossa realidade? Temos sim, todos nós pais, o direito e o dever constitucional de exigir que os nossos filhos possam ter uma educação digna, que os nossos filhos se formem capazes de ser profissionais úteis e competentes, que os nossos filhos não sejam alvo de agressão gratuita pelas autoridades policiais nem expostos ao exercício da violência. É de lei e as leis são para cumprir pelo Estado.
E como cidadãos que todos somos, temos que nos insurgir contra a desumanização do modo de agir dos elementos da autoridade e defesa nacionais. Não têm aqueles policias também filhos? Não têm os professores também filhos? Um Estado que reage a professores e crianças com balas, que não entende como legitimas exigências mínimas de dignidade humana para a vida do seu povo, é um NÃO-ESTADO. As crianças são a reserva moral de um país. Angola fica, com estas e outras posturas, na História do Mundo, como um infractor dos princípios fundamentais da carta universal dos direitos das crianças. Reveja-se com urgência a gravidade com que se lida com direitos e condições fundamentais da vida dos cidadãos angolanos, à beira da ruptura. Se todos sentimos na pele a disrupção, como não o governo? E acredita o governo que a repressão e a violência são as soluções para resolver os problemas? Deveria ser o poder a assumir como prioridade absoluta, a revisão dos modelos adoptados e de pessoas responsáveis pelas instituições, cujos princípios e práticas são anti-éticos e chegam a ser desumanos.
Como já dizia Voltaire, no século XVIII – “O melhor governo é aquele em que há o menor número de homens inúteis”.