
À semelhança da organização da Cimeira do G20, que iniciou hoje (sábado 22) e termina amanhã (domingo 23) em Joanesburgo, pelo Presidente Cyril Ramaphosa, a Cimeira União Europeia — África, a decorrer em Luanda, de 24 a 25 (segunda e terça-feira), sob a égide do actual Presidente da União Africana, João Lourenço, na qualidade de Presidente de Angola, ao colocarem ambos países nos holofotes da média internacional, prestigiam-nos.
A diferença é que, na África do Sul há democracia e por essa razão, não obrigaram a população a fechar-se em casa, ao contrário de Angola, onde, uma vez mais ela é forçada a recolher-se. Por isso, naquele país manifestam-se livremente. Por outro lado, enquanto a África do Sul tem uma economia diversificada, assente numa agricultura e indústria sedimentadas e num sector financeiro robusto, não apenas baseada na extração e exportação de recursos minerais brutos, Angola não tem nem sector agrícola, nem sector industrial e muito menos financeiro funcionais. Dessa forma, a BODIVA tarda em iniciar a sua actividade como bolsa de valores de facto.
É certo, que durante a recessão económica de 2008/2009, (que se prolongou até 2011/2012), em anos de alta de preços do petróleo, quando o nosso país tinha uma produção diária de cerca de 2 milhões de barris/dia, grandes investimentos com financiamento da China, em infraestruturas, agricultura e na construção civil, o nosso PIB ultrapassou, a dado passo, o PIB da África do Sul. Passou para o 2.º lugar em África, atrás do Egipto.
Porém, a corrupção, a má gestão dos recursos financeiros escassos, a falta de visão e a ausência de uma estratégia sustentável, agravou com a nova liderança, desde Setembro de 2017, à vista desarmada dos angolanos. Assiste-se à paralisação de obras, ao enceramento de empresas, ao desemprego em massa, à fome, à mendicidade, pondo a população a lutar por restos nos contentores do lixo e a morrer descontroladamente (a maioria morre em casa e é enterrada em cemitérios improvisados clandestinos).
Os recentes elogios de incentivo do FMI ao Executivo angolano, vem apelar que se apertem mais os “cintos” dos angolanos em fase terminal, para se continuar a retirar da renda interna, mais de metade do PIB (já baixo), para pagamento da dívida externa, para além dos juros (muitíssimo mais elevados do que para os países desenvolvidos), o que lhes dá bastante jeito. O FMI, criado com uma finalidade bem definida pelos Estados Unidos, está pouco se preocupando, se morrem mais ou menos cidadãos dos países em desenvolvimento por onde passam. A sua consultoria de “copy e paste”, baseada nos dados do nosso INE (duvidosos), nada trazem de novo e em nada acrescentam. E demonstramos:
• O que leva a liderança da União Europeia a reunir com os membros do G20 na África do Sul e com os membros da União Africana em Luanda?
— Tem relação com o programa da União Europeia para África, denominado Global Gateway, aprovado a 1 de Dezembro de 2021. Esse programa financeiro, que está alinhado com a Agenda 2030, sobre as alterações climáticas e com o Acordo de Paris, tem uma previsão total de 300 milhões de euros até 2035, conta com uma primeira “tranche” de 150 milhões de dólares disponíveis, para investir prioritariamente em infraestruturas físicas de qualidade, nas áreas digital, clima e energia e dos transportes, mas inclui também saúde, investigação e educação.
• O programa financeiro Global Gateway para África, estará disponível pera apoiar investimento directo (de risco)?
— Não. Esse programa destina-se a financiar projectos de empresas europeias que pode incluir parcerias locais, para venda de serviços, equipamentos, peças, acessórios, insumos, consultora, etc… a Angola.
• Será bom para Angola?
— Sim. Trarão emprego, porque os serviços necessitarão de mão-de-obra. Indiretamente, incentivarão o sector agro-alimentar e a construção civil, nas localidades onde forem prestados os serviços.
• O valor do pacote inicial do programa financeiro Global Gateway, tem um valor significativo?
— Não. Se dividirmos 150 milhões de euros por 55 países africanos (1 ser reconhecido) grosso modo, cada um deles teria apenas cerca de 2,7 milhões de dólares para o seu investimento.
Todavia, quer durante encontros anteriores que tive com presidentes e vice-presidentes do Exim-Bank americano, quer no âmbito da US/Africa Business Center, da US Chamber of Commerce, recordei sempre que, à semelhança da engenharia financeira que fizeram com instituições financeiras europeias, quer para o financiamento (empréstimo) para construção do projecto Angola LNG, quer para o financiamento (empréstimo) da aquisição de aviões Boeing, poderiam utilizar financiamento da União Europeia para África.
Foi o que se fez. O Presidente Biden negociou com a União Europeia e muito bem, (para a política “Americans First”), o financiamento cruzado para a reabilitação e prolongamento do Corredor do Lobito. Desta feita, deduzido o valor já acordado para financiar o projecto do Corredor do Lobito, que beneficiará 3 países, nomeadamente Angola, RDC e Zâmbia, não restará muito para os restantes 52 países africanos.
De recordar, que a RDC é um dos países no mundo com maior variedade de recursos minerais e espécies raras. Se verificarem, quer nas brochuras como nos websites ao tempo da ANIP (AIPEX), sempre esteve em evidência o facto de Angola estar estrategicamente bem localizada, em termos geográficos, constituindo uma placa giratória. O porto do Lobito, através do Corredor do Lobito, é a via de saída mais curta para o oceano Atlântico, quer para a RDC, quer para a Zâmbia.
Aliás, 300 milhões de euros, de 2021 a 2035 (14 anos), são migalhas para os “pombos” africanos, como habitualmente, se comparados com o Plano Marshall, após a 2.ª Guerra Mundial. O Plano Marshall, foi um programa financeiro de 13 bilhões de dólares, (que deflacionado para 2020, equivaleria a 132 bilhões de dólares), para impedir a influência soviética a 16 países da Europa Ocidental, por um período de 1948 a 1951 (3 anos).
Todavia, à semelhança do que se pretende actualmente de África, isto é, obrigar o mais possível a obter financiamentos solidários, por regiões, a Europa segue a receita que já lhes foi servida para terem acesso ao Plano Marshall, que assentava no Projecto do Carvão e do Aço. Após a guerra, o carvão e o aço foram a fonte de energia e a matéria-prima imprescindíveis daquela época. Hoje em dia, estamos na era digital e da redução das emissões de CO₂. Assim, tanto os ocidentais do oeste e do leste, como os orientais, procuram mercados para exportação dos seus produtos acabados e de serviços em excesso. Mais ainda, procuram recursos minerais e sobretudo terras raras escassas, em África.
Nunca deveremos ignorar que a África é um território no qual caberiam vários dos grandes países (30.37 milhões de km2), tais como os Estados Unidos, China, Índia, Rússia, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Espanha, Portugal e sobra espaço. Por outro lado, o continente tem um imenso potencial hidrográfico, florestal, mineiro, piscícola, etc… e apenas cerca 1,6 bilhões de habitantes, inferior a de um só país, como a Índia (1,46 bilhões em 2025), ou a China (1,409 bilhões).
Quanto ao discurso do Presidente da União Africano na Cimeira do G20 em Joanesburgo, longe está a autonomia financeira com que ele sonha. Ao sul do Saara, à excepção da África do Sul e possivelmente do Quénia, os restantes países têm a maioria da população estagnada, numa fase similar à da Idade Média Europeia. Outra parte, mais residual, encontra-se ainda na fase da Idade da Pedra. A dívida aumenta com o analfabetismo e com este cresce o desemprego. A prestação de serviços sem investimento directo (com risco) e os monopólios criados pelas elites ligadas ao poder, desinvestem, através da fuga de capitais de forma pouco transparente. Mas, a culpa do nosso subdesenvolvimento, também é nossa, dos que ainda têm emprego, porque temos medo de perder o “pão”, ou de ir parar injustamente na cadeia. Por isso não reclamamos e quando o fazemos, quase não se sente.










