A HERANÇA ‘ENVENENADA’ PASSADA POR JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

Os desafios que o novo presidente terá pela frente

POR RAMIRO ALEIXO
ramiroaleixo1011@gmail.com

Nota prévia: Estávamos no rescaldo das eleições realizadas a 23 de Agosto de 2017, e dois dias antes da posse do terceiro Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, a 26 de Setembro, produzi e partilhei uma edição do Kesongo em PDF, com a minha reflexão sobre o percurso feito por Angola na gestão do Presidente José Eduardo dos Santos, até essa transferência do poder tão ansiada, porque estamos todos sequiosos de mudanças. Decorridos oito anos e três meses, retorno ao texto, que não sofreu qualquer alteração por retratar aquele período, sobretudo para que os meus leitores percebam o que pensávamos, já naquela altura, sobre o que deveria ser a gestão do actual Presidente, e por que manifestamos as nossas desilusões e frustrações; por que as nossas expectativas foram defraudadas e o país, na gestão do Presidente João Lourenço regrediu, e está a tomar um rumo perigoso. Para que percebam as razões das nossas criticas e o conteúdo dos textos que produzimos e as nossas intervenções em rádios privadas ao longo destes anos. Asseguramos que continuaremos em 2026, ano que consideramos de antecâmara para novo exercício do voto, ainda com muitas incertezas. 

Eis o texto que partilhamos aos 24 de Setembro de 2017:

Com a tomada de posse de João Manuel Gonçalves Lourenço como terceiro Presidente da República, Angola começa a dar os primeiros passos para a tão aguardada mudança, que a possa conduzir à normalidade. É apenas isso o que o cidadão comum deseja: normalidade e respeito. Oxalá que esse desejo de todos nós não seja defraudado. Afinal, por 38 anos exactos, fomos ‘forçados’ ao exercício pouco comum em democracias, de aceitar como normais os actos de gestão da nação por um só homem, José Eduardo dos Santos, que tendo tudo a seu favor para encetar uma reviravolta à práticas de uma ditadura revolucionária que herdara de Agostinho Neto – incluindo uma guerra – acabou ele próprio, por se transformar num líder déspota, encoberto por descarado endeusamento, sustentado por uma maioria que acabou por conduzir o país à bancarrota.

O carácter da guerra e do conflito interno, numa conjuntura regional e internacional difícil, inicialmente, pode não ter ajudado a gestão de José Eduardo dos Santos. Mas, depois, nos seus dois últimos mandatos, teve tudo do seu lado para operar mudanças profundas, porque para além de paz o país dispunha de recursos financeiros e reservas cambiais mais do que suficientes para dar o salto. Sem apoios de doadores, iniciou o processo de reconstrução nacional com suporte de financiamento chinês. Contudo, aconteceu o descalabro. O modelo de governação unipessoal que seguiu também se constituiu na nossa maior desgraça, porque em muitos domínios, foi como jogar dinheiro para a sargeta.

Não é aceitável a forma descontrolada como foram geridos os recursos financeiros do país até aos últimos dias do seu mandato, ignorando, ou passando por cima da transparência e do rigor das contas públicas. Endividou o país até a medula. Tornou-se ele próprio num ‘estimulador’ da corrupção e do saque, por via do protecionismo directo ao reservado séquito que o cercava; deixou-se embalar pelo ‘boom’ das receitas do petróleo para tornar o país mais dependente das exportações; promoveu um modelo de desenvolvimento económico igualmente atípico, que se destacou no betão armado, mas que aumentou o fosso e as assimetrias entre os principais centros urbanos e o interior, bem como a pobreza e a discriminação; finalmente, isolou-se entre as paredes do Palácio da Cidade Alta, porque lhe faltou força anímica para continuar a andar pelo país real; não soube ouvir o clamor dos oprimidos e explorados, nem ser consensual na tomada de decisões, para que houvesse equilíbrio na arrumação do país. Deixa ao seu sucessor um baú contendo uma herança cujo peso e grau de dificuldades, não temos sequer noção, embora imaginemos quanto.

EGOCÊNTRICO E NARCISO 

Mas, é claro, José Eduardo Santos é um humano, logo, tão falível quanto qualquer outro, e não é verdade que personificou o diabo, nem fez apenas coisas más. Isso não é verdade. Dirigiu o processo de paz e o esforço de salvação e assistência a milhares de pessoas afectadas ou envolvidas directamente na guerra; orientou a execução de vários e bons projectos sociais que se tivessem consistência e realismo, teriam, efectivamente, reduzido a pobreza. Fez o seu papel, como é evidente, cumpriu com a sua obrigação na qualidade de mais alto mandatário da nação. Competia-lhe esse procedimento, porque aceitou a assunção dessa elevada responsabilidade. Como humano, também falhou, por desconhecimento ou por omissão, mas, particularmente, por desgaste, por cansaço. Podia ter saído melhor, sim lá isso é verdade, como um cidadão comum e não como uma espécie de dono do país. Foi demasiado egocêntrico e narciso. No entanto, apesar de tudo isso, tenho dúvidas de que seja, pessoalmente, dono de grande fortuna e o tempo poderá (ou não) corrigir-me.

Por diferentes razões, muitos sentirão saudades da sua gestão ou do seu protecionismo. Mas, também, são milhares, mesmo entre os militantes do seu próprio partido, que não viam a hora do homem ‘largar os cabos’ porque é por demais visível que, apesar de alguma resistência encoberta em se manter no poder, só a sua imagem impõe respeito. Já lhe faltam forças e competências para continuar a governar um país com tanto vigor, que tem tantos desafios pela frente o que exige, para além de sangue novo, outra visão, conhecimento e interpretação dos factos políticos, económicos e sociais, internos, regionais e intercontinentais e/ou geoestratégicos. A mudança de liderança pode assim ajudar a encontrarmos soluções mais adequadas e consentâneas com a realidade e as necessidades do país, dos seus cidadãos e das suas instituições.

Mas, será a história a julgar o desempenho e o legado de José Eduardo dos Santos, um dos mais destacados líderes do continente africano e da África Austral sobretudo, tido por muitos como o ‘líder clarividente e o arquiteto da paz’. E esse julgamento tanto poderá elevar a sua fasquia de reconhecimento ou de gratidão pelo bem que eventualmente terá feito, como para enterrá-lo no cemitério das nossas más referências, de que as futuras gerações não sentirão qualquer orgulho em visitar.

Mas bom! Disso também dependerá o comportamento do seu sucessor: se cortará o vínculo umbilical com o que é mau e suplanta o que é bom nesse legado, se mantém o ‘status quo’ da continuidade já que, o ‘líder clarividente’ ainda que só com a sua sombra, estará bem na sua frente. Dependerá simplesmente da sua postura, da sua coragem, da sua agressividade e da sua perspicácia como novo Presidente. Tem perfeita consciência de que não há condição de também permanecer 38 anos no poder, mas a gestão dos africanos é complicada e poderá ser tentado a ficar mais tempo do que o que a constituição em vigor permite. Agora, João Manuel Gonçalves Lourenço tem pela frente apenas cinco anos, que poderão depois ser mais cinco, mas também deverá ter em conta, que o defraudar das expectativas da nação pode elevar o nível de descontentamento ou de descrença nacional e encurtar o seu próprio exercício. Tudo estará interligado entre as respostas do seu Governo e a ansiedade generalizada por mudanças, e se elas terão impacto imediato na melhoria da condição de vida de cada cidadão e no funcionamento das instituições. Para a maioria, isso é que representa a mudança.

Só para recordar ao novo Presidente, quando José Eduardo dos Santos foi empossado como Presidente da República, na sequência da decisão do BP do MPLA, elegeu como bandeira “o combate ao liberalismo e à desorganização”. Foi uma entrada em  força, porque o país se encontrava numa bagunça económica fechada pelo modelo de produção e gestão socialista ou comunista, e transformado em toda a sua dimensão, num campo de terror e de morte. E também já havia corrupção e roubo de milhões do erário no tempo de Agostinho Neto.

Do ponto de vista político, foi bom ter ordenado o fim da chacina, sobretudo de jovens, e das prisões arbitrárias, mas também ter afastado os principais responsáveis pela prática desses crimes, na sequência da suposta tentativa de golpe, ou de pretexto para eliminação selectiva de uma elite nacional que despontou nos últimos anos de colonização. Faltou levá-los a julgamento, ainda que, para que assumissem publicamente a sua responsabilidade nesse genocídio, que marcou toda uma geração dos anos 50/60, e tem ainda influenciado o exercício democrático e de cidadania. Paira ainda entre nós o medo e existem inúmeras famílias choram porque não sabem dos seus familiares. Os mortos da chacina não foram ainda sepultados. E José Eduardo dos Santos, mesmo não tendo culpa do que sucedeu na sequência do 27 de Maio, não geriu com inteligência esse dossier. Optou por não lhe dar a importância que a gravidade do caso exigiu, e tinha autoridade para iniciar um processo de libertação ou de expiação desse pecado, que teve como origem e responsável o seu próprio partido. Provavelmente, com o receio de evitar, exactamente, o choque ou os estragos que essa responsabilização poderá causar. 

No capítulo da transparência, a “ofensiva generalizada contra o liberalismo e a desorganização” avançou com a limpeza de muitas falcatruas que já ocorriam nalguns sectores do aparelho do Estado. Descobriu-se, por exemplo, que o então gestor da falida agência de navegação marítima nacional, a Angonav, ‘ganhava’ muitos milhares de dólares mancomunado com armadores estrangeiros, que aproveitando-se do facto de Angola viver da importação de tudo, transformavam navios velhos rebocados até a costa angolana, onde permaneciam estacionados ao largo, em armazéns altamente onerosos. Ou seja: a incapacidade de resposta do Porto de Luanda nas descargas célere de navios, porque a sua vocação estava virada para a exportação de café e pouco mais, foi aproveitada por uns tantos para ‘facturar’. O Governo era então forçado a pagar as sobrestadias desses navios velhos (como se fossem novos), que se prolongavam por vários meses. Com a cumplicidade desse gestor, pagava-se o aluguel dos ‘armazéns flutuantes’ a reparação de navios velhos, acrescidos dos custos do transporte e da aquisição das mercadorias. O mar à volta da Ilha da Luanda, foi durante anos, a zona mais bem iluminada de Luanda. Tempos, do poder popular. O gestor em questão, com medo de ser preso, antes mesmo da conclusão do inquérito iniciado por Bernardo de Sousa, membro do CC do MPLA, fugiu, na calada da noite, numa dessas embarcações.

Volvidos 38 anos, como se pode concluir hoje, José Eduardo dos Santos que até tinha começado o seu consulado com grande pujança, não só não conseguiu vencer o liberalismo e a desorganização, como acrescentou outros elementos à lista do que já estava identificado como mau: o aumento da corrupção, do nepotismo, da bajulação, da perseguição e acentuou a marginalização dos que não pertencem ao seu partido. Embora se tenha terminado com a guerra, e nisso também deu o seu inegável contributo, como realçamos, não conseguiu harmonizar a nação. Calaram-se as armas, mas o país não está reconciliado.

A FÉ PÚBLICA 

E chegamos ao novo Presidente, que durante a sua campanha, por eleição do seu partido, chamou a si a responsabilidade de encabeçar o exercício de “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”. Em concreto, também nunca assumiram e disseram exactamente o que para eles significa o “está mal” e o que é que se deseja “melhorar”. Tentaram de forma tímida. No entanto, nunca foram frontais e até se escusaram ao debate com outros actores políticos para perceber, ouvindo o outro lado, também a outra versão do que é estar “mal”. Arrogância típica nas hostes da direcção e dos representantes directos do MPLA. Não se querem chamuscar. Mas pronto! É suposto agora, que João Lourenço inicie o seu consulado “corrigindo o que está mal”. E para a maioria dos eleitores, o que “está mal” é a forma como o poder instituído por José Eduardo dos Santos olhou para o país, não propriamente como se fosse pertença de todos os angolanos, mas apenas de uma elite que tomou o poder. Logo, João Lourenço deve começar por separar as águas: os políticos que façam política no seu partido, enquanto os titulares de cargos públicos (inclusive ele) tratam da governação, sem qualquer subserviência à direcção partidária.

Partindo dessa premissa, é preciso colocar o sector Judiciário nos carris. É fundamental que João Lourenço devolva o princípio de que nem mesmo ele, como Presidente da República, está acima da lei. É necessário pois, e importante se torna, que a interpretação da Lei Constitucional não seja feita de acordo com as conveniências circunstâncias do poder e dos seus servidores. João Lourenço deve ‘limpar’ também a Procuradoria Geral da República, para que ela deixe de ser um corpo morto na investigação de crimes de colarinho branco, o que passa por se nomear um civil para o cargo, com autoridade e despido das vestes partidárias e da subordinação ao Chefe do Executivo, ou de qualquer outro poder que o rodeia.

Por outro lado, que se assuma que criticar o Governo e o Presidente da República, é um direito constitucional, de fiscalidade e cidadania que não deve ser visto pelos Serviços de Inteligência ou pela Procuradoria, como atentado à segurança do Estado, quando até se silencia o roubo e a transferência ilegal de recursos financeiros para o estrangeiro, prática que afecta profundamente o desenvolvimento do país. E com a ‘amnistia’ de José Eduardo, passaram impunes.

Na sua declaração de voto vencido sobre o Acórdão n.º 462/2017, relactivo à queixa apresentada pela UNITA relacionada com a contagem e divulgação dos resultados eleitorais pela CNE, socorrendo-se da literatura jurídica brasileira, a juíza conselheira do Tribunal Constitucional Imaculada Melo, com pertinência, chamou a atenção para a necessidade das atitudes colectivas ou generalizadas respeitarem a “fé pública”. A observância desse princípio, é fundamental para credibilidade dos actos da governação no seu todo. E João Loureço deve ser o guardião maior da legalidade, do exercício da Justiça e do Direito.

Não se defende aqui que se faça ‘caça às bruxas’ porque afectaria a estabilidade e a harmonia nacional, mas, também, para bem da transparência que deve pautar os actos de governação principalmente, e para que sirva de exemplo para o resto da sociedade, não deverá permitir mais impunidade nem a cobertura de crimes de peculato, a pretexto de imunidades. E não incluir no seu Governo, seja quem for que esteja envolvido em actos de má governação ou de corrupção, seria um bom começo para quem prometeu “corrigir o que está mal”.

JURISTAS ‘QUIMBANDEIROS’. 

No domínio Judiciário e do exercício do Direito, para aproveitar esta fase em que o ‘ferro’ ainda está quente e pode ser moldado aos novos ventos da mudança, a Ordem de Advogados, com ou sem o patrocínio do Governo, deve realizar um encontro abrangente com todos os nossos agentes ou interventores da Justiça e do Direito, para se analisar também “o que está mal e deve ser corrigido” nesse sector. É que, tem parecido que essa classe com responsabilidades acrescidas no bom funcionamento das instituições com influência directa na vida do cidadão, influencia o desempenho da Justiça. Muitos dos seus actores, em defesa da militância e de benesses, tornaram-se serviçais do poder e lesaram os mais altos interesses da nação. E as vezes ficamos com a impressão de que há uma ‘força oculta’ com poderes superiores, que quer impor a sua vontade a juízes e aos tribunais no exercício independente da interpretação da lei. Em consequência, juristas da velha e da nova geração, acabam por fazer o papel de ‘paus mandados’ do sistema e por ficar com a sua imagem maculada. Perdem a honradez, até sentem vergonha de mostrar a cara em pleno tribunal. Atingiu-se um nível de desvirtuação tçao elevado do papel da classe, que alguns, ferindo profundamente os postulados e a consciência do Direito, até ajudaram a engendrar esquemas para suporte do poder, impedindo, consequentemente, que o país desse passos mais robustos na consolidação do Estado de Direito e Democrático. 

Se alguém quiser exemplos dessa negatividade, promiscuidade e dessa bicefalia que minou o Judiciário e o exercício do Direito em Angola, bastam os seguintes: A Lei Constitucional (atípica) ajustada ao ‘fato’ de José Eduardo dos Santos e que favorece claramente o MPLA, condicionando a intervenção e participação na disputada democrática de figuras distanciadas da prisão dos partidos; o silêncio da PGR diante de denúncias sobre crimes de corrupção que envolvem altas figuras próximas ao Presidente; a prisão e o julgamento dos jovens acusados de atentarem contra a segurança de Estado; o desfecho dos casos de assassinato de Cassule, Kamulinge e de Hilbert Ganga, responsável juvenil da CASA-CE; a repressão contra o direito de manifestação de uns e a liberdade e facilidade que assiste outros, geralmente afectos ao partido no poder…

São tantos os casos que desabonam os diferentes actores do exercício da Justiça e do Direito em Angola, que incrédulos, boa parte dos cidadãos e até mesmo alguns juristas se perguntam: será que os nossos juízes e advogados estão efectivamente comprometidos com o Direito e a Justiça e sabem o que é o comprometimento com o Estado de Direito e Democrático? Será que as nossas universidades estão mesmo a formar juristas, ou a preparar fornadas de servidores do sistema que o ajudam depois a dar suporte aos atropelos à Lei e aos direitos dos cidadãos? Não será que a excessiva partidarização da nossa sociedade, com professores que não sabem destrinçar a defesa da sua dama política da academia, está a desvirtuar o verdadeiro sentido da formação científica para servir a pátria e a comprometer seriamente o futuro do país?

Noutro prisma, o do Brasil, onde por cerca de quatro décadas actores políticos, governantes e empresários tornaram aquela bela nação numa das mais corruptas do mundo, chegam-nos exemplos de como deve ser a postura do sistema judicial, dando início a nova era de moralização e de responsabilização a todos os níveis. E nessa mudança, tem sido fundamental o papel jogado inicialmente por um juiz, que obrigou ao despertar de todas as outras consciências comprometidas com a transparência da gestão da coisa pública e com o dever (obrigatoriedade) do fazer bem. E porquê a necessidade dessa intervenção do poder judiciário?

De acordo com a advogada Edna Cardozo Dias, numa abordagem sobre o tema “A Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado e a defesa do meio ambiente” (Biblioteca Digital Fórum de Direito Público) “(…) Impõe-se ao advogado, como profissional e cidadão, o dever de actuar no sentido de colaborar para a efetivação dos direitos de cada um e de todos, sem se esquecer de contribuir para que cada cidadão e a sociedade como um todo não se esqueçam de praticar os deveres correspondentes”. E isso porque, como sustenta igualmente Edna Cardozo Dias, “a advocacia é uma profissão essencialmente ligada à vida, ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana”. E prossegue: “O aperfeiçoamento das instituições jurídicas passa por reformas institucionais que sejam concitárias à realização da sociedade sustentável, e o advogado deve ser um dos agentes capazes de propiciar esta mudança”.

Pode-se concluir que, a melhor forma de ajudar a gestão do novo Presidente não é engendrar esquemas para defesa do que convém ao sistema do qual fez ou faz parte, mas sim ter a coragem de dizer-lhe e mostrar-lhe que as leis são para ser cumpridas. Doa a quem doer. O recurso à esquemas com o apoio de ‘juristas quimbandeiros’, é também um sintoma de traição de políticos cegos, fundamentalmente preocupados com a manutenção do poder por qualquer meio (incluindo por via do golpe constitucional), do que com a consolidação do Estado de Direito e Democrático e com a construção segura e estruturada do futuro, que é o maior bem comum.

O ‘DITADOR BOM’. 

Em conclusão, o novo Presidente tem pela frente grandes desafios e quase todos eles com carácter de resolução imediata. Como é evidente, e porque não tem nenhuma varinha mágica, necessita de tempo primeiro para conhecê-los melhor e depois, para tomar decisões. Mas, não podendo resolver todos, bom será se até ao final do seu mandado der o melhor de si para travar o desgoverno deixado pelo seu antecessor. Porque o país real não é o que lhe foi dado a conhecer no decorrer da pré e da campanha eleitoral, já que o seu eleitorado foi transportado até si. O país real é bem mais profundo e terá que conhecê-lo, descendo até as suas entranhas de forma implacável, sem arrogância, sem maquiagem e sem brilhantina.

A imagem que o novo Presidente cultivou ao longo dos tempos e deixou transparecer nalgumas intervenções, não é propriamente a de um democrata. E para se tornar um  reformador (o nosso Deng Xiaoping, como disse em entrevista a EFE) necessitará de muito tempo. E o país não pode esperar. João Lourenço está provavelmente mais próximo de ser um disciplinador, alguém que não pactuará com a corrupção, com o nepotismo e com o protecionismo. Um ‘bom ditador’ já que a Lei Constitucional que herda, lhe confere todos os poderes. Mas até nisso continuaremos expectantes, porque por muito tempo ainda, quer aceite quer não, continuará amarrado à uma direcção partidária responsável “pelo que está mal”. Corrigir, implicará necessariamente, chocar contra ela de frente e não, como disse, coabitar num ambiente pacífico.

Provar-nos que ainda podemos manter viva a esperança de que Angola pode, efectivamente, ser melhor, depende agora principalmente do Presidente João Lourenço. Mas bom seria se desse o pontapé de saída, com a separação efectiva dos três poderes – do Legislativo, do Judiciário e do Executivo – e que o Código de Ética fosse de observância e aplicação rigorosa pelos membros do seu Governo. Oh como seria bom! Mas, infelizmente, já começou mal ao não fazer a sua declaração pública de bens, ao abrigo da Lei de Probidade Pública, que, concomitantemente, seria seguida pelos seus auxiliares. Tem dificuldade em dar a conhecer que não é pobre, ou não o fazendo, à saída, não se sentirá obrigado a declarar também quanto amealhou?

Mas, enfim… Iniciemos então a nova era! Estaremos nesta bancada exercendo o nosso direito de cidadania.

Luanda, 24 de Setembro de 2017

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