ESTRADA FANTASMA E A EPIDEMIA DA INCOMPETÊNCIA

SAMPAIO JÚNIOR

Há estradas que se gastam com o uso. E há outras, como o troço Catete — Calomboloca — Maria Teresa, que se gastam(…) sem sequer terem sido devidamente usadas. Um fenómeno digno de estudo científico ou de comédia nacional.

Segundo observadores atentos (e condutores incrédulos), a via mal foi inaugurada e já apresenta sinais evidentes de degradação. Buracos, desagregação do asfalto e uma sensação geral de que a estrada foi feita mais para fotografias eleitorais do que para automóveis. Convém esclarecer uma coisa desde já: não devemos agradecer nada. O dinheiro investido saiu do bolso dos contribuintes. E se resulta de dívida, será paga. Com dinheiro dos contribuintes. Isto não é favor, é obrigação. Mas como o povo anda cansado das maracutaias desta governação, acaba por pedir “por favor” aquilo que é seu, por direito, respeito.

A situação, na verdade, não é complexa. Há contratos, há garantias e deve existir uma equipa técnica do Ministério responsável por fiscalizar o prazo de garantia da empreitada após a sua entrega. Ou será que os contratos também se dissolvem com a chuva?

Aliás, ficam perguntas simples daquelas que não exigem conferência internacional: qual foi o volume de tráfego considerado no projecto? Qual foi o veículo de projecto? Houve estudo geotécnico sério ou foi tudo feito à pressa para “cumprir calendário”? A solução é conhecida, mas pouco praticada, concursos públicos internacionais, transparentes, e não ajustes directos que resultam em obras falhadas e contas bem-sucedidas. Porque falhar, neste país, é um excelente negócio. É grave? Muito.

Mas, como as empresas de fiscalização “são deles”, ninguém faz nada. Por cada empreitada surgem novos-ricos. O povo? Continua a receber lorotas asfaltadas.

O ministro das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação, Carlos Alberto dos Santos, visitou recentemente o troço afectado, após as chuvas intensas, e constatou a formação de buracos entre os km 24+500 e 30+500, causados pela degradação precoce da camada binder. Nada que os automobilistas já não soubessem. Faltava somente o carimbo oficial.

Na presença de técnicos do Laboratório de Engenharia de Angola (LEA), do empreiteiro, do fiscal e do projectista, orientou-se uma análise técnica para apurar as causas, apontando-se, entre outras: infiltração de água que enfraquece a fundação da via; deficiente aderência entre agregados e ligante betuminoso, como referencia a nota de imprensa do Ministério.

Tudo muito técnico. Tudo muito bonito.

Mas surge a pergunta inconveniente. Desde quando chuva é novidade em Angola?

Se a chuva destrói a estrada, então o problema não é o clima, mas sim o projecto, a execução ou ambos. Mas é só em Angola que chove? Aqui bem ao lado, na Namíbia e na África do Sul, também chove. E, curiosamente, as estradas não desaparecem com duas chuvinhas. Será que não dá para copiar pelo menos o que funciona nos outros países?

A obra tem conclusão prevista para Setembro de 2026. O Estado não pode continuar a gastar rios de dinheiro em estradas que precisam de reparação antes mesmo de serem concluídas. Há outras prioridades. Se queremos crescer, temos de aprender uma lição básica: fazer bem à primeira sai sempre mais barato.

O país não pode continuar a brincar às obras públicas. Angola precisa de infraestruturas que orgulhem os seus cidadãos, não de estradas descartáveis. Porque estrada que não aguenta chuva não é estrada, é metáfora perfeita da má governação.

E só para alertar o Chefe, os jovens não morrem devido às estradas reparadas, mas, sobretudo, pela qualidade do trabalho realizado, que não é padronizado. Os chineses fazem uma coisa, os portugueses outra. Como na zona do Longa, no Cuanza Sul: a estrada é nova, toda bonita e trabalho bem executado, mas, a armadilha está nas áreas laterais. Não há o mínimo para encostar ou desviar. Um pequeno deslize, pode significar o fim.

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