JAcQUEs TOU AQUI!
Em Angola, quem tem coragem de falar verdades é criticado, e quem mente ou se mantém calado, sem voz nem opinião, é louvado e considerado patriota. É a fase mais aguda da cobardia que foi semeada, que medra e singra por estes campos.

A cimeira afro-europeia de Luanda, realizada na semana passada, veio obrigar o governo angolano a acautelar os seus dispositivos de segurança. Ficaram à vista os cuidados especiais requeridos pelo evento. Reunião muito importante, participantes e convidados a representar boa parte da nata da política internacional. Não é todos os dias que, em África, se juntam os melhores do mundo! Por isso, as atenções não podiam ser poucas. E não foram. A polícia e seus agentes, o universo da comunicação, particularmente a imprensa e televisão internacionais, todos se movimentaram. Olhos postos, literalmente, na capital de Angola.
Criou-se o ambiente, surgiram novos cenários. As habituais medidas de segurança alargaram-se, descobriram-se sítios e pontos sensíveis. Não se ativeram aos locais onde, normalmente, cada pessoa que entra ou se aproxima, é obrigada a passar por detectores de metais e a ver, naturalmente, as suas pastas, bolsos e mochilas vasculhadas.
Inventaram-se novos métodos de vigilância. Preveniram-se e contiveram-se movimentações nas ruas. Deixar os cidadãos descansados em casa, foi uma das soluções. Se assim se pensou, melhor se executou. Juntando-se o útil ao agradável, forjou-se mais um fim de semana, no caso, um princípio de semana prolongado, daqueles que os angolanos adoram. Dois dias de repouso para apaziguar os ânimos da malta assanhada, vieram mesmo a calhar. Evitaram-se ajuntamentos, possíveis presenças de agitadores, arruaças de atrevidos, dos que gostam de barafustar e falar mal do governo. À frente de tudo estava, tinha de estar, o interesse da Nação. Seria de todo conveniente evitar que os ilustres visitantes se cruzassem com ajuntamentos de protestantes. Era o que mais faltava! E, foi assim, que no meio da apreensão mal-escondida, se instalaram também nos cuidados, juntos e misturados, a kimbúa, o medo e o receio.
Enquanto os comentadores da nossa TPA se esmeravam no verbo para relatar a história, aqui e ali deturpada por conveniências várias, alguns participantes captavam imagens. Flagravam-se expressões serenas de uns, risos abertos, rostos sisudos e preocupados de outros. Fugindo à vigilância, foram captadas várias imagens e de vários ângulos, de responsáveis, inclusive de membros do governo angolano. Uma delas mostrando um ilustre homem a exibir relógio de pulso, de conceituada marca, avaliado em 130 mil euros. Mas que falta de cuidado! Aparentemente sem apoio da inteligência artificial, foi fotografada a figura garbosa do Ministro angolano da Justiça e dos Direitos Humanos. Ilustre governante de um país rico, mas miserável – miserável, sim – e sem justiça – sim, isso mesmo, sem justiça a funcionar – em pose de homem rico. Que tristeza e que vergonha, meus senhores!
A propósito da segurança e do medo, li há dias o book que o “The Economist” classificou como o “melhor livro de 2024”. “Como caem os tiranos – e como sobrevivem as nações”, é o seu título. Marcel Dirsus, o autor de quem nunca tinha ouvido falar e cuja nacionalidade se esconde não sei bem porquê, explorando a teoria do medo, refere que os tiranos mais poderosos do mundo estão condenados a viver no medo.
Da abertura, consta como destaque a seguinte nota: Eles podem fazer os seus inimigos desaparecer com um estalar de dedos. Eles, as suas famílias e os seus acólitos podem controlar países inteiros a partir do luxo do seu palácio, mas também têm de passar todos os momentos do dia atormentados pelo medo de perder tudo. Não importa o quão poderosos eles se tornem, não podem ordenar ou pagar para que esse medo desapareça. Se esses tiranos derem um só passo em falso, eles cairão. E quando os tiranos caem, frequentemente acabam no exílio, numa cela de prisão, ou debaixo da terra.
As controvérsias deste mundo em que vivemos, levam-me a meditar sobre este conteúdo e também acerca da actual fase das nossas vidas. Em Angola, quem tem coragem de falar verdades é criticado, e quem mente ou se mantém calado, sem voz nem opinião, é louvado e considerado patriota. É a fase mais aguda da cobardia que foi semeada, que medra e singra por estes campos. Que mobiliza um pequeno exército de gente acomodada, capaz de, na sua indiferença pelo que é primordial, classificarem os seus semelhantes de modo injusto e de certo modo insultuoso, de se esquecer que esta vida que se vive é um verdadeiro inferno para a maioria dos angolanos.
Volto atrás para dizer que, acerca do livro de Marcel Dirsus, fiquei sem saber, na verdade, o que o escritor pretende defender no seu livro. Do pouco que dele fui buscar à Google, fiquei a saber que é jovem e estudou em Oxford, tendo trabalhado em determinado período na República Popular do Congo. Foi durante a sua estadia no país vizinho que ali aconteceu um golpe de Estado falhado. O escritor em causa, foi nesse período Conselheiro de importantes fundações e organizações internacionais como a NATO e a OCDE.
Muitos dos autores notáveis de hoje, escolhem para os seus textos, temas relacionados com as políticas sociais desonestas, a fraude, a corrupção e o posicionamento das ditaduras que se impõem no mundo. É notório que abordam esses assuntos para se notabilizarem. Entre vários escritores da actualidade evidenciam-se Bradley Hope e Tom Wright, autores do bem-sucedido “Billion Dollar Whale”. Estes livros, lançam, de um modo geral, olhares essenciais e fascinantes sobre os escândalos de fraude financeira, quer os de carácter local, quer os globais. Não escapam à visão crítica das suas análises os males e os perigos da governação autoritária e das muitas formas como os antipatriotas e os déspotas mais implacáveis do mundo podem cair.
Nós por cá vamos lendo o que o nosso compatriota António Costa Silva tem escrito sobre o país. Em “Desconseguiram Angola”, um dos seus mais recentes livros, fala da guerra e da destruição a que se sujeitou o país e ainda do sofrimento a que submeteu o povo angolano, assim como dos “vícios e males do poder” que, idênticos ou quase iguais aos que se referem os autores citados acima, parecem eternizar-se ao longo dos cinquenta anos da nossa independência nacional.
É o que se me oferece comentar hoje. Com a certeza de que a vitória será certa, despeço-me dos meus leitores, dos familiares, amigos e companheiros de luta. Espero por todos, no próximo domingo, à hora do matabicho.
P.S. – O trágico acidente que no passado 30 de novembro vitimou 6 jovens angolanos numa avenida de Lisboa, dá que pensar. Sobretudo sobre modos de vida e da educação da família angolana. Infelizmente estamos todos sujeitos a essas contingências! Apresento os meus sentidos pêsames às famílias enlutadas.
Forte da Casa, Portugal, 7 de Dezembro de 2025











