JULGAMENTO DOS GENERAIS KOPELIPA, DINO & CIA
Com base na falta de provas, na observância de princípios constitucionais da legalidade, da irreversibilidade da amnistia, da presunção de inocência e do contraditório, juristas que acompanham o julgamento do general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” sustentam que, não se justifica a aplicação da pena por Tráfico de Influência. A acontecer, será tida como tábua de ‘salvação’ do mau desempenho do Ministério Público na condução dos processos ao abrigo do tal “combate inquinado a corrupção”, que já ninguém sabe em que armário foi arquivado e contra quem é dirigido.
POR RAMIRO ALEIXO
O Ministério Público, após análise minuciosa de todo o acervo produzido em sede de instrução preparatória e em audiência de discussão de julgamento, não logrou encontrar razões de factos comprobatórios e jurídicos claros e inequívocos, que tenha a imputação descrita na acusação contra o arguido Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa”, que conduzam a sua qualificação jurídica como crime de peculato.
Sendo subsumível os factos e de direito, conclui-se que não preenchem o disposto nos artigos 313.º, 434.º n.º 5 e n.º 5 do artigo 421.º do Código Penal de 1886, nem o ilícito criminal do peculato. Por conseguinte, entende-se que o arguido, Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa” não cometeu o crime de que vem acusado e pronunciado, sendo que, assim, não se lhe pode atribuir responsabilidade criminal consubstanciada nos crimes de Burla por Defraudação, de Falsificação de Documentos, de Associação Criminosa, de Abuso de Poder e de Branqueamento de Capitais, ao contrário dos coarguidos Leopoldino do Nascimento, You Haming e Fernando Santos.
Esse foi, aliás, o entendimento da veneranda juíza conselheira presidente da causa, Anabela Valente, na sessão do dia 13 de Outubro de 2025, data em que decorreram as alegações na Câmara Criminal do Tribunal Supremo que julga o caso do general Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa” (com o envolvimento de Leopoldino do Nascimento, de You Haming e de Fernando Santos). A opinião generalizada das nossas fontes é que, se não ocorrer qualquer influência do poder político, não há substância sequer para condenar o general de qualquer prática do crime de Tráfico de Influência, conforme os argumentos esgrimidos pelo representante do Ministério Público.
DESPACHO DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
De acordo com fonte ligada ao processo, a alegada imputação e promoção do crime de Tráfico de Influência foi baseada num ofício, com data de 1 de Agosto de 2025. Consta dos autos (fls. 3929, com a referência 089/OFC/G-DGRN/2005) produzido pelo então director do Gabinete de Reconstrução Nacional, general Manuel Hélder Vieira Jr. “Kopelipa”, que agiu por orientação do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, cujo conteúdo e despacho deita por terra a petição do representante do Ministério Público.
No ofício, sobre a observância do “oportuno desembaraço aduaneiro-portuário dos bens de equipamento e demais meios materiais necessários à reconstrução nacionalprovenientes do exterior do País”, data a celeridade que se necessitava para contrapor os efeitos destruidores da guerra e imprimir dinâmica ao desenvolvimento económico e social, o conteúdo é claro. Expõe e leva à consideração superior do Mais Alto Mandatário da Nação, a necessidade de ser a “Estrutura de Despacho de Casa Militar do Presidente da República”,a entidadeque, “observando os preceitos legais e os diferentes procedimentos aduaneiros”, devia proceder “ao desembaraço aduaneiro-portuário dos bens de equipamentos e meios materiais adquiridos pelas diferentes instituições e demais estruturas públicas e privadas que desenvolvem actividades no âmbito e com vínculo contratual no interesse da reconstrução nacional”.
Observa-se ainda que no conteúdo do ofício, está clarificado que os beneficiários dessa medida de excepção, seriam as entidades que, “quer por via de contratos ligados ao Estado, quer por via de contratos ligados ao sector e investimento privado, inclusive com utilização do endosso do conhecimento e embarque marítimo com regularização a posteriori por parte do beneficiário junto das instituições competentes”, estavam envolvidos nesse processo de reconstrução nacional coordenado pelo Gabinete, dirigido pelo arguido, subordinado ao Titular do Poder Executivo. Aliás, um modelo que não foi alterado, na actual governação.
Para as nossas fontes, nunca seria possível o arguido Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa”traficar influência para uma determinada empresa, enquanto a facilidade do desembaraço aduaneiro-portuário dos bens, equipamentos e meios materiais adquiridos pelas diferentes instituições e demais estruturas públicas e privadas, nesse âmbito, e com vínculo contratual no interesse da reconstrução nacional, não se limitou somente ao CIF Angola.
Com base nessa autorização, argumentam ainda as nossas fontes, as facilidades concedidas, para além de não serem uma iniciativa do arguido,não se tratava de um acto discriminatório ou isolado, porquanto, resultavam já de decisões anteriores que datam de 2003. Estavam inseridas no quadro das facilidades de acesso e incentivos que o Estado angolano concedia ao investimento privado a realizar na República de Angola. E tudo isso está plasmado no artigo 1.º da Lei n.º 11/03, de 13 de Maio — Lei de Base do Investimento Privado, conjugado com os artigos 1.º e 2.º, ambos da Lei n.º 17/03, de 25 de Julho, Lei Sobre os Incentivos Fiscais e Aduaneiros ao Investimento Privado.
Com base no que se aflorou acima, ressaltam as nossas fontes, a conduta do arguido Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa” imbuído do dever de obediência ao seu superior hierárquico, o Presidente da República, “não configura nem de perto e nem de longe crime de tráfico de influência”. Consideram que “não estão preenchidos os pressupostos, nomeadamente, a conduta (solicitar, exigir, cobrar ou obter vantagem, ou promessa de vantagem), o dolo (intenção de influenciar indevidamente), a premissa (o pretexto de influir em acto de funcionário público) e o dolo de fraude (a intenção de obter a vantagem, não havendo necessidade de concretizar a influência)”.
Além disso, a existência do ofício atesta, que não “agiu com dolo, pois, nunca teve a intenção clara de obter uma vantagem indevida, por meio de influência sobre o então Presidente da República”.
A DATA DOS FACTOS (1 DE AGOSTO DE 2005)
A análise dos vários juristas atentos a esse mediático julgamento, dá conta que, ainda que se admitisse a possibilidade do alegado cometimento do crime, “na data da ocorrência dos factos não existia no ordenamento jurídico angolano, a previsão ou definição legal sobre criminalização do Tráfico de Influência”. Estamos recordados, disseram-nos, que “este crime, surge no nosso ordenamento jurídico nove anos depois da data da emissão do referido documento, isto é, no ano de 2014, através da Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro, Lei Sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais”. Logo, não tem efeitos retroactivos. E não havendo crime, defendem, também não há como se aplicar qualquer pena, sem lei anterior, porque esse princípio fundamental do Direito Penal estabelece, que só pode haver condenação por um acto considerado crime pela lei, quando ele foi cometido. Dessa forma, protege-se o Princípio da Legalidade, garantindo a segurança jurídica e impedindo que o Estado puna acções retrospectivamente, ou de forma arbitrária.
Conforme o estabelecido pelo artigo 41.º da Lei.º 3/14, de 10 de Fevereiro, defendem as nossas fontes, o crime de Tráfico de Influência é punível com a “pena de prisão de seis meses a cinco anos”, mas, por outro lado, acrescentam, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei.º 11/2016 de 12 de Agosto, Lei de Amnistia, estabelece que “são amnistiados todos os crimes comuns puníveis com a pena de prisão até 12 anos, cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros, até 11 de Novembro de 2015”.
Por outro lado, a própria acusação, conforme resulta do despacho n.º 918/20-DNIAP-PROC N.º 12/2020 da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da Procuradoria-Geral da República (DNIAP), constante dos autos, refere, designadamente, que: “No entanto, alguns destes crimes estão abrangidos pela Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto — Lei da Amnistia, mas crimes como o Peculato, para aqueles que exerceram cargos públicos e o Branqueamento de Capitais, não estão abrangidos pela amnistia, pois os proventos da actividade criminosa continuaram a ingressar na esfera jurídica dos suspeitos, fora do período limitado pela amnistia”
Para as nossas fontes, a defesa do arguido Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa” soube argumentar, clarificando ao Tribunal, que a Constituição da República de Angola “estabelece o princípio da irreversibilidade da amnistia, considerando válido e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo da lei competente, artigo 62.º da CRA”.
Na mesma linha, argumentam as nossas fontes que o legislador ordinário do Código Penal, estabeleceu que “a amnistia extingue o procedimento criminal, e no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como a medida de segurança”.
Consequentemente, por força dos “princípios constitucionais da legalidade, da irreversibilidade das amnistias, da aplicação da lei mais favorável ao arguido, da presunção de inocência e do princípio do contraditório, todos com dignidade constitucional” a defesa de Manuel Hélder Vieira Dias Jr. “Kopelipa” considerou, que deve ser declarada a amnistia do crime de Tráfico de Influência.
PRESCRIÇÃO DE QUALQUER PROCEDIMENTO CRIMINAL
Refira-se que, o procedimento criminal deste badalado caso foi instaurado em 2020, mas a lei estabelece que ele se extingue logo que, sobre a prática do crime, tiverem decorrido “10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com a pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 1 ano”. Isso porque, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
Neste caso que reportamos, o crime de Tráfico de Influência, se serviu de argumento para o Ministério Público, na falta de provas sobre as demais acusações iniciais “é punível com a pena de prisão de seis meses a cinco anos, conforme determina o artigo 41.º da Lei.º 3/14, de 10 de Fevereiro”.
Contas feitas, concluíram as nossa fontes, “de 2005, data da ocorrência dos factos, até ao ano de 2020, em que ocorreu a abertura do procedimento criminal contra o arguido, decorreram 15 anos, consequentemente, está prescrito qualquer procedimento criminal”.











