NÓS, O ESCÂNDALO E GEORGE ORWELL

JAcQUEs TOU AQUI!  

Lamentavelmente, há coisas que nos marcam a vida e das quais não conseguimos libertar-nos. O surgimento do famigerado homem mau nas nossas vidas é, sem dúvida, uma delas.

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

O lema embandeirado pelo primeiro governo do Presidente João Lourenço, Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal, surgiu com impacto, mas não era novidade. Porque, na verdade, o Presidente José Eduardo dos Santos, já o utilizara em 2012. Para que não me ficassem dúvidas, consultei uns atrasados do Novo Jornal. Encontrei o registo do facto. 

Entretanto, não preciso de consultar nada para recordar que há muitos anos, há mais de trinta, seguramente, ao decidir escrever para os jornais, apontei a um propósito bem claro. Criticar os erros que se cometiam e que, em meu entender, precisavam de ser corrigidos. Para melhorar o que estava bem. Jamais me desviei da minha linha. 

Quero dizer o quê? Que antes do governo o declarar publicamente, já o povo, quero dizer eu e muitos de nós, há muito sabíamos que isto andava mal. O povo, quero dizer, eu e muitos de nós, e curiosamente, o próprio governo, manifestamos essa preocupação há bastante tempo. Soaram campainhas. Clamamos todos por melhorias de vida. Há bwé de tempo que lançamos todos nós, os nossos gritos de aviso. 

Perante o que vejo hoje, confesso que não sei. Sinceramente, desconheço se o governo desistiu da campanha. De querer melhorar o que acha que está bem, porque o meu lado exigente diz-me que melhora pouco, muito pouco mesmo, o que se diz que está bem. Pelo contrário, o que está mal mostra-se flagrante e de tal modo, que dificilmente se encontram palavras certas para retratar a situação que já não pode ser vista com os mesmos olhos. Isto está mesmo mal, camaradas! Está muito pior que antigamente. Seria fastidioso enumerar o que anda mal por aqui. Por quê? Porque o que seria impossível de imaginar acontece. As mentiras prevalecem, a incapacidade de gerir e fiscalizar é enorme, as burlas são constantes, o dinheiro desaparece com os roubos nas instituições, os escândalos sucedem-se e o povo sente vergonha. 

Um dos piores aliados do governo no combate que encetou contra o que anda mal e no que perspectiva a melhoria da situação, tem sido claramente e sem dúvida nenhuma, a comunicação social estatal. Em todos os sectores, mostra-se com um nível deplorável, provavelmente porque é orientada para esse fim vergonhoso. Na verdade, torna-se difícil, ou talvez não, classificar a sua actuação, ou de quem a orienta. Imprópria, principalmente quando recorre à democracia e ao Estado de direito. Desse tema só terá legitimidade de falar quem dê provas de não ser prejudicial aos interesses e ao futuro da Nação e do nosso povo. 

A comunicação social estatal não consegue, não tem coragem de identificar os inimigos do povo. Os bandidos encapotados, os ladrões de colarinho branco, os que travam criminosamente a democracia, o crescimento económico e social do país. Da sua lavra não sai nenhuma palavra a censurar ou condenar criminosos perfeitamente identificados. Assim não camaradas! Com gente deste quilate, vendida ao grande capital e servil a este ponto, não se vai poder corrigir o que anda mal neste país.

Talvez venha a propósito recordar um episódio passado comigo e que não sendo nada mais do que “um caso vulgar de Lineu”, para os que acham que isto anda bem, é muito grave para os que o vêm do avesso. Os que sentem o peso da vida dura e defendem a justiça e a igualdade. 

Aconteceu em finais de 2021, quando me atrevi a criticar na minha crónica semanal um ministro do nosso governo. Pela sua desastrada actuação. Castigaram-me por abuso e atrevimento. Sem qualquer explicação ou justificação, fui excluído da lista dos que escreviam regularmente para o periódico estatal, o mais lídimo e fiel defensor da situação em curso. Não me surpreendeu porque há muito estava avisado da qualidade dos que dirigiam e dirigem a casa. 

Confesso que na altura recordei George Orwell, o célebre autor de A revolução dos bichos. Ele disse numa passagem do famoso texto: todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. As pessoas de bom senso sabem que não fica mal e por isso ninguém se ofende quando essa designação inclui o bicho homem, o mais perigoso, o pior animal ao cimo da terra. Há, sim, entre nós, homens mais iguais que os outros e a comportarem-se como animais!

Há alguns anos, quando entrevistado por um semanário me referi às transformações que se operavam nos comportamentos do homem novo, vaidosa criação do MPLA, saí-me com a ideia do homem mau. Eu estava apenas a alertar para o surgimento matreiro desse homem, um animal perigoso, um bicho equiparado aos animais criados por Orwell. Nem cedo, nem tarde, o bicho apareceu, está aí. É o tal, o mesmo que enfrentamos nos dias que correm e que, preparando as garras naquela altura, ataca agora descarada e ferozmente.

Nesse clima bárbaro que vivemos, parece que tudo isto não acontece por acaso. O homem mauaproximou-se de nós sorrateiramente. Está presente não apenas nos inúmeros crimes descobertos e não julgados, nos constantes assaltos aos cofres do Estado em diversas instituições, no oportunismo de actuação de certos dirigentes, mas também está retratado, infelizmente, em vários gestos incompreensíveis dos três poderes estabelecidos, e tristemente, na figura de muitos selectos funcionários públicos. Na origem, no estilo e na conduta, semelhantes aos da AGT, originais na sua clara traição aos interesses da Nação e agora devidamente desmascarados.

Lamentavelmente, há coisas que nos marcam a vida e das quais não conseguimos libertar-nos. O surgimento do famigerado homem mau nas nossas vidas é, sem dúvida, uma delas. Assim sendo, nada mais tenho para dizer hoje. Por enquanto, resta-me continuar na minha postura na pequena e insignificante luta que travo e receber com entusiasmo intervenções como a da Ministra Vera Daves que acompanhei ontem. Desculpou-se perante os cidadãos e os contribuintes e condenou os funcionários públicos, prometendo rigor e justiça implacável na luta contra bandidos. Tem o meu aplauso. Agora, resta-me, a mim e a todas as pessoas de bem, pensar nos meios que deveremos usar para nos livrarmos totalmente do homem mau e dos seus tentáculos. 

Com os meus cumprimentos, despeço-me de todos os meus leitores. Até ao próximo domingo, à hora do matabicho. 

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2025

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