JAcQUEs TOU AQUI!
Animado pelas diversas manifestações de apreço que assinalaram o meu regresso a este espaço privilegiado do Kesongo, admito o aumento das minhas responsabilidades, ao mesmo tempo que reconheço o nosso quotidiano como facilitador da tarefa de quem se mete pelos difíceis caminhos da crítica social. Embora o mercado seja abundante de factos. Dito isto e sem que me impressionassem as expectativas e as incidências e muito menos os resultados mais que esperados do VIII Congresso Extraordinário do MPLA, passo ao que interessa.
Na verdade, não deixa de ser fácil escolher no molho das malambas que magoam sem dó as populações humildes da nossa terra, algumas das que passam de fininho pela indiferença dos governantes. Esses homens e mulheres que, pelo peso dos seus cargos e pelas leis republicanas, deviam mostrar menos desprezo e maldade pelos seus semelhantes.
A forma como se tratam as pessoas em Angola, pouco difere da violência das atitudes que se mostram em Moçambique, no Médio-Oriente e na Ucrânia, em foros de brutalidade que as redes sociais exploram e encarregam-se de mostrar generosamente. E apesar desse monstruoso modo de actuação revelar que podemos estar à beira de situações desagradáveis, não se vislumbram atitudes nem medidas tendentes a atenuar esse possível descambar de anarquia que penetra e permanece em várias regiões do Mundo.
Não custa enumerar o que mais incomoda em Angola. Entre muita coisa, escolho, por exemplo, o período das grandes chuvadas que resultam das variações da atmosfera e que, devia ser mais e melhor acautelado. Observa-se, entretanto, como é agora pródigo em contrariar épocas amargas de seca e vai soltando, sem piedade, chuva sobre Luanda, Soyo, Ndalatando, Ondjiva, Saurimo, enfim, sobre muitas outras urbes, numa frequência e com um poder de destruição tais que transformam essas cidades, vilas e lugarejos, já de si descuidadas pela inexistência do poder local, em sítios inexplicáveis.
Por falar em poder local, direi que há muita coisa dessa matéria da qual se poderia falar amplamente. Uma vez que os parlamentares não o fazem com a insistência devida, o poder local podia ser mais discutido pelos cidadãos. Porém, pouco ou nada se fala das autarquias locais e das razões que impedem a sua implantação. A democracia esbate-se nas inúteis discussões das redes sociais. Por outro lado e noutros parâmetros, chegam ao conhecimento da sociedade, insistentes e enviesadas notícias acerca da Taag. E não apenas da nossa companhia de bandeira mas de várias unidades que formam a estrutura do enormíssimo Ministério dos Transportes, a dar conta de falhas graves de actuação, de cambalachos duvidosos, erros e omissões indesculpáveis, no mínimo a augurar makas e possíveis tragédias, se não forem tomadas medidas “deveras”;
Não obstante a permanente desvalorização das pensões de reforma da gente idosa angolana, também ela desvalorizada pelos insultos de todos os dias, é flagrante a indiferença dos DDT (donos disto tudo). As pensões a que aludo, hoje por hoje, de tão ridículas que são, não chegam para mandar cantar um cego. Mas apesar dessa trágica situação, tecnicamente justificada por razões exógenas, vão-se desculpando, mas a ser sustentada claramente pela ineficácia da Banca Nacional e pela nenhuma acção de instituições que deveriam mostrar-se interessadas, exemplo de sindicatos e outras de solidariedade que desconheço se existem, porém todas elas vazias de ideias, incapazes de colocar na ordem os que não impedem a decadência do valor do kwanza, nem sequer têm em linha de conta que é crime declarado contra os interesses de qualquer Estado, chegar-se ao ponto a que chegamos, de conduzir dessa maneira infame, milhares, senão milhões de cidadãos, para os tristes caminhos da miséria.
Apesar de tudo isso e sem embargo de muitas outras coisas esquecidas que fazem de Angola um Estado suis generis, sinto-me à vontade e com vontade de dizer hoje, gritando bem alto, desejar sem receio nem complexos à gente que amo e me estima, Viva! Feliz Natal, família, camaradas, meus amigos e companheiros!
Gritar de alegria porque são encorajadoras, algumas notícias destes últimos dias que precedem a quadra festiva celebrizada pelos Reis Magos. Afinal, é o Dia da nossa Família. Um dia em que se pensa e se tratam doutro modo as crianças, se ensinam elas a brincar com bonecos inofensivos e se evitam os brinquedos de guerra. Em que também se dá alguma importância aos escritores. Aos que escrevem para crianças e a alguns outros que escrevem coisas para gente que detesta ler. É também altura em que eu me lembro que José Saramago, o português Nobel da Literatura, não gostava do Natal, mas gostava das crianças!
Na verdade, neste momento apetece-me gritar “Boas Festas para todos”, porque há afectos que se espalham pelo ar e factos simples mas importantes, cheios de significado a acontecer, coisas que me levam a mostrar esta alegria incontida. Como a satisfação de saber que certos camaradas, figuras gratas da nossa luta de libertação nacional, antigos combatentes, governantes e dirigentes, gente respeitável que soube estar sempre distante dos insanáveis apetites empresariais, que eu saiba, sem jeito para serem comerciantes, alguns deles meus amigos do peito, se juntam em regulares encontros para matar saudades e atiçar velhas lembranças. Provavelmente, quem sabe, para dizer, se não de boca cheia, lá no fundo dos seus íntimos que, não foi nada disto o que nós combinamos.
Sim, meus amigos, há ainda muitos e bons acontecimentos que justificam alguma alegria. Como certificar as melhoras do meu querido amigo Adolfo Maria (tanta falta me tem feito a sua presença) e também a melhoria do estado de saúde do Presidente Lula da Silva do Brasil que passou por uma delicada intervenção cirúrgica. Lula é campeão da luta contra a fome e a miséria, um senhor dirigente, de invejável coragem, vencedor por natureza, homem de capacidade invulgar, batalhador de força inaudita, político de mão-cheia, presidente de um país enorme e importante que é quase um continente, e é contrário a muitos africanos que da fome e da miséria têm opinião retrógrada. Figura considerada, eu sou declaradamente, seu fã.
Há motivos que justificam, sim, porque se registam situações como o anunciado fim próximo da guerra da Ucrânia (o valor da vida passou a ser mais reconhecido por Zelensky, lembrou o meu amigo Quim Graça), e também o que já não assombra ninguém, ou seja, o convite dirigido a Xi Jinping para assistir à tomada de posse de Donald Trump no próximo dia 20 de Janeiro e, porque não, recorda ainda o Quim, o anúncio de que Portugal, Espanha e Marrocos vão organizar o Mundial de Futebol de 2030. Estas ocorrências deixam os nossos amargurados corações a bater com outro entusiasmo.
No meio disso farei votos, já os faço, inclusive, para que a minha satisfação contemple a criançada sofredora de Angola, essa parte importante da população do meu país, as crianças, com um pouco mais de comida e agasalho, com menos sofrimento e mais esperança de vida. Que se retire um pouco da lambança que enche barrigas grandes de grandes senhores, estragadões com cadastro, e se favoreçam as crianças. Será pedir muito? Creio que não.
E assim, com o meu melhor desejo de Boas Festas e Feliz Natal para os meus familiares, amigos, camaradas e companheiros de luta, despeço-me de todos, daqui desta tribuna. Esperem por mim, se fizerem o favor, no próximo domingo, à hora do matabicho.
Lisboa, 22 de Dezembro de 2024
P.S. – Preparava-me para enviar esta crónica ao Ramiro, quando me chegou a triste notícia da morte de Manuel dos Santos Lima. Iniciador da nossa luta, foi figura brilhante do nacionalismo e da intelectualidade angolana. Tive a honra de conhecer o catedrático e escritor, com ele lidar nos alvores da Independência Nacional e nos anos que se seguiram. Anos muito difíceis para ele. Nesse período inesquecível, fez o favor de ser meu amigo. Endereço à família, particularmente à D. Maria Eugénia, os meus mais sentidos pêsames. Que descanse em paz!