GOSTAR OU NÃO GOSTAR, EIS A QUESTÃO

Não gosto mesmo é de ver, quem quer que seja, homem ou mulher, fazer da política, do desporto e da cultura, da gestão da coisa pública no geral, o parque das suas diversões…

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Que cada um goste deste homem ou daquela mulher, influenciado ou não pelo seu mediatismo na sociedade, antigo ou de recente data; que se idolatre esta ou aquela figura pública na base do lugar que a destaca como tal; que uns e outros, ou todos, se percam de amores por esta mulher ou por aquele homem, político, gestor ou semelhante, venerando ou de grau menos respeitável, enquanto líder no cargo público que exerce, seja esse homem ou mulher, nobre ou nem por isso, ligado a actos menos claros, negligências, erros crassos, aproveitamentos, omissões e coisas do género ou, noutra hipótese, a actos relevantes, de valor social e patriótico; que se cultue este ou aquele mestre, pensador, profissional, artista ou desportista, homem ou mulher que seja, colocado no cume da fama, quer pelo desempenho quer, porque não, pelo “desconseguimento” que o seu trabalho o guindou, justamente ou sem justa causa, acrescente-se; enfim, que cada um ou cada uma se defenda a si e aos seus valores, às metas alcançadas ou a alcançar, correctas ou não que sejam; que defendam as suas escolhas por cada concidadão aprovado ou distinguido no seu cargo, pelas suas qualidades, palavras ou gestos; 

Eu, vulgar cidadão, não tenho nada, mas absolutamente nada, a ver com isso. Parto, logicamente, do princípio de que a escolha é uma prerrogativa de liberdade democrática alcançada pelos cidadãos, defendida pelas leis. Quero dizer, devo alinhar, por via dos mecanismos democráticos pelo diapasão da maioria, aceitando a vontade de todos os que fizeram valer o seu direito de escolha. Prevalece, sem margem para dúvidas, neste como noutros casos, a razão do gostar ou não gostar. 

Porém, nada me impede de manifestar o que não gosto. Direi desde logo que do que não gosto mesmo é de ver, quem quer que seja, homem ou mulher, fazer da política, do desporto e da cultura, da gestão da coisa pública no geral, o parque das suas diversões. Dizendo mais claramente, não gosto do que os meus olhos vão vendo e o meu pensamento vai acolhendo. Assusto-me vezes sem conta, como o registo das escolhas e dos fracos gostos de quem tem poder para escolher. Fico com a impressão de que fazem desses gestos as suas brincadeiras de eleição. 

É vê-los a ir por aí afora, sem terem em conta que ultrapassamos há muito a idade da inocência, sem respeito por nós, que fazemos da vida e pela vida de todos, assunto da maior seriedade. Grande parte de nós já não teme o clima dos circos de horror que, ao longo dos anos, nos têm levado ao cume da incredulidade, do impossível. 

Coloco hoje aqui, não sei se bem se mal, porque hoje é necessário saber-se bem se se está bem ou se está mal, a delicada questão da coisa pública, porque é da coisa pública que falo. Ela é tratada por muitos, infelizmente, com pouca ou nenhuma delicadeza, como assunto sem importância.  

Ao tratar de coisa pública, deve ter-se em conta que os gostos, as escolhas de políticas sociais e os rumos a dar à sociedade civil, têm a ver com um universo enorme de pressupostos e, por isso, tem que se justificar bem perante a sociedade, auscultá-la para se saber da razão por que se gosta ou não gosta de determinadas coisas que se optam fazer. Fica claro, assim dito, que não nos podemos limitar apenas ao simples facto de se gostar de alguém… ou dos actos que protagonizamos.

Poderia fazer escolha diferente da que faço hoje. No parlamentarismo, na governação, nomeadamente na justiça, há muito pano para mangas. Poderia falar de gostar ou não gostar, em muitas outras áreas da sociedade. Hoje, e enquanto cidadão na plenitude dos meus direitos fundamentais, escolhi a figura do Governador Provincial de Luanda. Não o conhecendo pessoalmente – recordo apenas que fui colega na Assembleia Nacional do seu pai, o deputado Emílio Homem, se é que não estou errado –, nutro por ele uma certa simpatia. Sinceramente, sem demagogia nenhuma. Mas apenas pelo seu porte, a sua figura a imitar o género dos galãs negros do cinema americano da época de ouro de Sidney Poitier ou Harry Belafonte, e por algumas das suas boas intenções que já tive ocasião de escutar e apreciar. Por mais nada, até ver.

Escolhi-o para dizer, que não posso gostar, de modo nenhum, de cenas como aquela sessão cinematográfica passada em vídeo, e muito divulgada, nas redes sociais. Para ajudar Luanda, já não me recordo se assim ou mais ou menos. Girou à volta dos seus dotes culinários, da atracção manifestada em bom estilo por um bom calulú, prato nacional de referência entre os angolanos, que é também um dos da minha predilecção. Apesar da qualidade, não posso gostar do “filme”, por uma simples razão. 

Pelo facto do Governador de Luanda ter perdido enorme oportunidade a partir dessa ideia interessante, de encenar script idêntico mas a mostrar com imagens cruas, não apenas o desvendar do seu pensamento, mas também a revelação das suas ideias sobre como devemos todos ajudar a cidade-capital mais assertivamente. Por exemplo, nas soluções que tem em mente, ou de como a população deve agir em relação às valas conspurcadas, às lixeiras, às águas estagnadas, aos verdadeiros focos na parte suburbana da cidade, de doenças mortais a sujeitar os milhões de cidadãos que já somos a conformar tristemente a Província que governa. Tenho para mim que governar é mais, muito mais que um documentário cinematográfico, sabe-o bem, certamente. Por tal facto, poderia optar ainda por abordar o triste espectáculo de desenraizamento social proporcionado diariamente por uma juventude desregrada, transviada, sem hipóteses de pensar no futuro. A cidade de São Paulo de Assunção de Luanda precisa sim de ajuda, principalmente da ajuda de quem a governa e dirige. Porque está cheia de gente a viver nas tristes e desumanas condições que todos conhecemos. Ficar-lhe-ia bem melhor o papel de “pensador ao encontro da solução”, pelo menos para esses fenómenos terríveis como o desemprego e, estou em crer, ganharia pontos na classificação do ranking disputado há anos para premiar aquele que virá um dia a ser considerado o melhor Governador da Província de Luanda, de todos os tempos. Desde que somos independentes.

Falando há dias sobre isto e outras coisas com um amigo, vi-me a aconselhar-me, como o faço muitas vezes baixinho, quase em silêncio, para mim mesmo. Oremos! Disse eu. Oremos? Retorquiu ele, que ao telefone, estava de ouvido alerta. Mas nós andamos há quatrocentos anos a orar! – rematou gargalhando o meu amigo Mayembe.

Recebam os meus habituais cumprimentos e o desejo permanente de estar convosco. Até ao próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 29 de Outubro de 2023

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