“Se dou pão aos pobres, me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não têm pão me chamam de comunista e subversivo”.
Dom Helder Câmara
Dias atrás, durante os trabalhos da Semana Social promovida pelo Instituto MOSAIKO para a Cidadania, foi citada esta frase de Dom Hélder Câmara(1) que pode ser melhor entendida através da análise dos dois paradigmas(2), bem distintos, no âmbito dos quais operam aqueles que criam políticas e programas de governo (brevemente vou abordar a questão políticas públicas versus políticas de governo), tendo como exemplo a assistência versus protecção social pela sua importância no combate à pobreza, na erradicação das desigualdades sociais visando a construção de sociedades livres, solidárias, socialmente justas e equitativas
Muito sumariamente, temos, de um lado, o paradigma de CIDADANIA, que decorre da percepção de que a segurança social é um direito de todos os cidadãos ao longo do ciclo da vida; e, do outro lado, temos o paradigma da CARIDADE, que define a protecção social como esmola para os “pobres”.
Com efeito, os debates sobre, por exemplo, os níveis de financiamento, a focalização / seleção dos grupos-alvo, ou o valor das transferências são, na verdade, debates sobre as vantagens e os inconvenientes de cada um destes paradigmas.
Como exemplo, e para melhor esclarecimento, apresenta-se uma tabela resumindo as principais diferenças entre os paradigmas da Cidadania e da Caridade nas abordagens à Protecção Social:
Importa lembrar que os dois paradigmas não devem ser encarados numa perspectiva de simples dicotomia. Em vez disso, devem ser percebidos na continuidade, como uma sequência, devendo os países transitar progressivamente do paradigma da Caridade para o paradigma da Cidadania, à medida que as suas democracias se fortalecem e a ideia de ‘direito’ se enraíza na sociedade. É que passa a haver, nestes casos, um reconhecimento de que a segurança social é um direito humano básico para todos. E isso favorece a adopção de abordagens participativas, de baixo para cima, e a identificação do espaço fiscal para implementar esta política reconhecida como fundamental não só na perspectiva de uma cada vez mais conseguida justiça social, mas também na redução das tensões sociais.
25 de Julho de 2023
(1) Dom Hélder Pessoa Câmara foi um bispo católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife e um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Foi um grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Pregava uma Igreja voltada para os pobres e a não-violência.
(2) Paradigma, muito sumariamente, é uma referência inicial, em geral resultado de uma pesquisa, que servirá de modelo para novas pesquisas.