Até solidariedade em Angola é, agora, refém d’ordens superiores? Que tragédia para um país novo. Ora, a política não pode estar em rota de colisão com a Educação. É uma ameaça para o futuro.
Paradoxo! Sim paradoxo! É o termo que, embora controverso, irremediavelmente define o estranho e intrigante silêncio da ministra da Educação, Luísa Grilo, na sequência do inédito acto heróico, destemido e digno até de registo (no Guiness Book – o livro dos recordes) do professor angolano que, comovido com a desumana situação por que ainda passam milhares de alunos, sem carteiras escolares, em todo o país, decidiu fazer o que só os líderes, como Martin Luther King ou Nelson Mandela conseguem: erguer a própria e indefectível voz em defesa dos direitos vilipendiados.
Foi um gesto sem precedentes na história de Angola. Este do professor Diavava Bernardo que, abandonado e, talvez, vituperado por seus colegas e direcção da Escola 5108, no município de Viana, em Luanda, não obstante que também ressentem as mesmas dificuldades de leccionarem aulas em condições pré-históricas no quotidiano, usou a “arma” mais pacífica e mais rápida do mundo, mas, igualmente, mais temível. Sobretudo pelos alérgicos à democracia. E até mais acessível do que o botão nuclear: “a voz”. Sim. A voz é uma arma poderosa, pois emana do silêncio e no silêncio há poder.
Assim, à frente de 300 angolanos – que sem serem ainda universitários acreditaram que os mais velhos, que escreveram os já fracassados 11 Compromissos com a Criança, que inclui nos pontos 5 e 11, nomeadamente a Educação Primária e Formação Profissional, e a Criança no Plano Nacional e no Orçamento, jamais puderem ter de vir a violar a Constituição que eles mesmos aprovaram, pois, esta dá a todos os cidadãos, não apenas aos militantes de uma seita, mas a todos a liberdade de manifestação pacífica, Inclusive aos alunos, professores, jornalistas, zungueiras, etc, etc. etc. E o mestre. Melhor o maestro Diavava Bernardo liderou a grande marcha de alunos contra a hecatombe em que mergulhou a Educação. Não há salas de aulas. Se as há, faltam carteiras, livros, professores e merenda escolar. É um rol de problemas sem fim. Enfim!
Então, foram pé ante pé em direcção ao Gabinete Municipal da Educação de Viana, a fim de exigir, como é normal, um direito seu. O re-apetrechamento das escolas, não apenas de Luanda, mas do Lobito ao Luau ou de Cabinda ao Cunene, com carteiras. Não é isto um direito? Porque a hipocrisia moderna chama a isto de “precipitação”?·
Mas, o que aconteceu a seguir foi uma “tragédia”. Sim, a tragédia que chocou o país e todo o mundo o sabe. Deixou o país em estado de incredulidade a “prisão” do professor, sem delito. Um autêntico professor, aquele que desperta os educandos para a sua participação na vida pública. Não é isto também um direito? Ou as Leis continuam a ser um faz-de-conta?·
Encarcerar, durante dias, um professor nos calabouços nauseabundos e humilhantes da Polícia Nacional, apenas por ter pensado e acreditado numa democracia, agora fictícia, e impelir um grupo de alunos a protestar é uma vergonha nacional. É expor as instituições ao ridículo mais vil. Qual é o papel da Assembleia Nacional perante a violação de direitos dos cidadãos? A Provedoria de Justiça, também olha ao lado como se nada tivesse acontecido? O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos também não muge tem tuge? E aqueles conselheiros caquéticos? Pois, entram mudos e saem mudos dos Alpes da Mutamba.
Trezentas crianças angolanas indefesas, mas muito corajosas, imbuídas no mesmo desejo impetuoso que arrastou os alunos do Soweto, na África do Sul, no histórico levante do 16 de Junho, em 1976, não receberam nem carteiras, de que tanto e legitimamente reclamavam, nem rebuçados. Porque a Polícia Nacional, afinal, só oferece tiros, por vezes fatais…, porretes, gás lacrimogéneo, pisoteadas, detenções ilegais. Pelo contrário, essas inocentes almas foram brindadas com tiros, que poderiam provocar vítimas mortais.
E o líder. O líder foi preso. Como sempre. Porquê? Porque a desonestidade política e social que contamina tudo e todos não se compadece com o espírito da verdade de muitos. É tudo culpa da nossa mentalidade retrógrada.
Não fosse Deus, a intervenção musculada dos reagentes da “desordem” teria resultado em novos mártires. Sim, seria a reedição do massacre do Soweto. E culpariam o professor, tal e qual aconteceu no Monte Sumi?
Não foi o professor que prometeu fazer da Educação uma prioridade! Fostes vós, os tais…Os “intocáveis”…
Que perigo representa para o país, que até se gaba e reclama um lugar cimeiro no concerto das nações africanas tidas como potências militares – por isso o arrojado desfile do caríssimo arsenal de guerra, na tomada de posse do PR – a voz? Apenas a voz triunfante dum professor e as vozes de alunos como se uma orquestra sinfónica fosse?
É aqui. Que penso que a inquilina do Ministério da Educação perdeu uma soberana e irrepetível oportunidade. Será medo? medo de ser exonerada e perder regalias? Porque desprezou a solidariedade institucional que o maestro professor merecia e hasteou um estranho e intrigante silêncio?
Visto que “Trabalhar mais e Comunicar melhor” tornou-se o novo desígnio nacional, devia Luísa Grilo convocar logo uma conferência de imprensa, para apresentar a visão/a perspectiva do governo face à insuficiência de carteiras nas escolas públicas do país. Simples!! Como está o governo a trabalhar para contornar tal aberração?
Mas, não. No lugar do afecto e apoio a um colega que, sem temer represálias, protagonizou um acto que merece destaque nos anais da nossa história, Luísa Grilo, temendo ela mesma tais represálias, fechou-se em copas. Sequer repudiou a força desproporcional, desnecessária usada pela polícia contra um colega seu.
Um dos pesos pesados da nossa política doméstica, Dr. Abel Epalanga Chivukukuvu, “profetizou” certa vez e cito: “Quem não conhece o teu sofrimento, não pode resolver os teus problemas”. Está consumado.
O estoicismo com que o Ministério da Educação olha ( se é que olhou) para esse insólito gera muito mais repulsa no seio da classe de professores do que a falta de carteiras.
Até solidariedade em Angola é, agora, refém d’ordens superiores? Que tragédia para um país novo. Ora, a política não pode estar em rota de colisão com a Educação. É uma ameaça para o futuro.
A detecção do mestre que, eu, embora leigo e lento em Direito, considero ilegal, ARBITRÁRIA e injusta, é o cúmulo do vandalismo engravatado que, aos poucos, derruba os pilares vitais do futuro de Angola.
Como se não bastasse a humilhação em hasta pública de quem merecia aplausos e menção honrosa, a ministra vem agora anunciar que o professor vai ser alvo de um processo disciplinar. Porquê, e para quê?
Aonde buscam tanta força e inspiração para humilhar os angolanos?!
Agora, pergunto eu:
Assim, isso é comunicação, é ruído ou é redundância?!
Portanto, uma coisa é certa: dos ouvidos de mercador da ministra Luísa Grilo ou das algemas do Interior nasceu um novo herói: o professor Diavava Bernardo.