RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: O QUE NÓS PODEMOS FAZER

A civilidade e a tolerância servem para reduzir as tensões sociais, embora à custa de um rebaixamento dos níveis de compromisso.

CESALTINA ABREU

Pensar as relações entre Estado e Sociedade, e a redefinição dos seus respectivos papéis, implica uma análise crítica do seu estado actual, das dinâmicas sociais e políticas induzidas e produzidas, essencialmente, pelo Estado, e da reacção da sociedade às mesmas, bem como das formas de solidariedade prevalecentes, essencialmente conduzidas pelo Estado e os aportes que a sociedade tem tido neste domínio. 

Impõe-se, principalmente, uma identificação de, e com a, ‘sociedade civil’, sua composição, seus objectivos e sua organização para o alcance desses objectivos.

Quando em todo o mundo se questiona a ideia de que serviço colectivo é igual a Estado, impõe-se pensar novas formas de socialização mais flexíveis, a descentralização de serviços públicos e a transferência para colectividades não públicas (associações e agrupamentos diversos) de tarefas de serviço público, entre outras. Ou seja, é preciso reencaixar a solidariedade na sociedade e procurar formas de aumentar a sua visibilidade social. 

O desenvolvimento dos sistemas de produção e de troca induz uma dinâmica de valorização do trabalho, acompanhada de uma afirmação progressiva da propriedade, o que tem reflexos ao nível das liberdades cívicas e das próprias relações sociais. Cria-se, assim, a oportunidade de recuperar para a actividade produtiva e social, muitos elementos actualmente marginais à sociedade, e de os integrar num projecto de desenvolvimento económico e social, assente num novo conceito de cidadania participativa. 

Trata-se, em síntese, de desenvolver mecanismos sociais ascendentes na afirmação da vontade dos cidadãos e das comunidades, pela via da consciência cívica e da cidadania conscientemente exercida.

O apuramento dos factos subjacentes, justificam uma ampla discussão sobre os conceitos de sociedade civil e de cidadania, no sentido de potenciar a sua análise exaustiva, fundamental para um desenvolvimento harmonioso do País, tendo em conta as suas realidades sociais, culturais, económicas e étnicas diferenciadas.

Estas realidades diferenciadas, nas quais se deve incluir, também, a análise da participação da mulher, dos jovens e de outros estratos sociais hoje maioritariamente excluídos, devem ser consideradas como enriquecedoras deste debate.

A participação cidadã requer: a promoção da cultura cívica e da participação; a criação de um ambiente propício ao associativismo, e a promoção de redes e de movimentos sociais. É também necessária a efectivação de 3 tipos de processos de expansão[1]:

  • A democratização radical do governo, para que as decisões cruciais da condução da economia (tipo de economia) sejam consideradas questões de interesse público; 
  • A descentralização da actividade do Governo para alterar a escala da vida política e aumentar o número de pessoas aptas a jogar um papel efectivo no processo diário de tomada de decisão; 
  • A criação de partidos e movimentos que possam operar aos diferentes níveis da governação e reclamar um mais elevado grau de compromisso individual a todos os níveis. 

É preciso promover uma ampla e frequente intervenção dos cidadãos na gestão dos assuntos públicos, e uma nova política democrática, que se mantenha em constante tensão com o liberalismo da sociedade moderna. Ou seja, é preciso revitalizar a ‘política desencantada’ pela introdução de elementos de participação no mundo liberal onde dominam valores como o individualismo, o secularismo, e da tolerância nos países com sequelas do autoritarismo e totalitarismo e níveis de tolerância e de participação muito reduzidos. A civilidade e a tolerância servem para reduzir as tensões sociais, embora à custa de um rebaixamento dos níveis de compromisso.

Precisamos reflectir, procurar conhecer/informarmo-nos, promover a troca e o debate de ideias, buscar consensos, produzir entendimentos sobre as situações, os contextos, identificar as necessidades, construir argumentos a favor do que considerarmos consensual, estabelecer estratégias de influência, identificar os meios para interpor ao Estado, e à economia, as nossas propostas para a (re)organização da vida social, económica, cultural, ambiental, etc. 

Mas para isso, temos de começar por vencer alguns bloqueios, entre as quais, as ideias-barreira: 

a) Não temos “força” o bastante para nos fazermos ouvir; 

b) Desconseguimos convencer os outros a juntarem-se; 

c) Não estamos preparados (porque não temos o hábito) para trabalhar juntos e identificar objectivos de interesse comum pelos quais possamos unir forças;

d) “Não vale a pena, nada vai mudar”. 

Temos, sim, um défice em nos assumirmos como cidadãos e em unirmo-nos em torno de bens comuns; fazemo-lo, mas em circuitos-fechados. 

Mas nunca é tarde para assumir, na sua amplitude, a cidadania, o civismo, o trabalho em rede, a solidariedade, a acção para o ambiente (para o futuro, de facto). Sobre “o que Nós podemos fazer“, talvez possamos pouco no início. Mas podemos começar por nos informarmos, partilhar essa informação, estar atento às notícias sobre as intenções / acções do governo, procurar influenciar o nosso entorno, quebrar o silêncio, vencer o medo e colocar ideias e propostas em público, posicionando-nos como agentes do nosso Futuro. 

Outros têm-no feito, nós, juntos, também podemos defender a nossa vida e o futuro dos nossos filhos e netos.

11.03.2024

[1] WALZER, Michael. (1997), On Toleration. Yale University Press. New Haven/London p.185

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