POSTAL DO KINAXIXI
A nacionalidade da produção é mais urgente. É mais premente que as mexidas no artigo 120 do estatuto do MPLA que visa única e simplesmente a manutenção do poder pelo seu titular. É uma das formas de diminuir a fome que grassa no país.
Perto da minha casa, mora um vietnamita num quintalão enorme. Além de morada, o grande quintal é também a planta de uma pequena instalação de recolha e prensa de papel. O papel que já foi lixo é ali vendido a peso por dezenas de jovens e crianças. Um kabokado de kwanzas que já dá para um funji de kabuenha. Mas a grande remessa vem de camião. Na micro-empresa do meu vizinho vietnamita, ouve-se então chiar uma esteira mecânica que carreia os montículos de papel de cartão para o interior, onde outra máquina o prensa e embala com fortes cordas de arame.
De quando em quando, saem do quintalão do meu vizinho vietnamita camiões carregados de fardos de papel para ser reciclado algures, nalguma fábrica que o transforma em papel higiénico, fraldas de bebé ou guardanapos de papel. E esta fábrica é também de algum vietnamita ou libanês, talvez algum turco.
Aquele empreendimento do meu vizinho vietnamita emprega meia dúzia de jovens angolanos, dá um prato de funji com kabuenha a quem lhe vende o papel achado no lixo e exporta divisas para o Vietname, onde vive a família do dono.
De tanto olhar para os montes de papel de cartão, veio-me à mente esta pergunta: porque é que não é um angolano o dono deste tipo de negócio?
Se fosse um angolano, pelo menos, não haveria a exportação das divisas, tão caras à nossa Economia. A família desse angolano viveria mais folgada, com os rendimentos da reciclagem do papel. E a mesma pergunta se coloca à propriedade do destino desse papel amarrado com cordas metálicas.
Nessa toada de perguntas, veio-me à mente esta segunda questão: este tema da propriedade e nacionalidade dos meios de produção não é que deveria ser o tema fundamental em discussão no Congresso do partido no poder?
O que vimos há dias no Congresso Extraordinário do MPLA, foi uma reunião com muita pompa e circunstância e despesas inerentes a esse tipo de conclave, apenas com o objectivo de rectificar um artigo dos seus estatutos, que visa única e simplesmente a manutenção do poder pelo seu titular. Não ouvimos nenhuma deliberação sobre uma questão crucial do colectivo dos 30 milhões de angolanos. Uma dessas questões é, por exemplo, a propriedade dos meios de produção das pequenas e micro-empresas. Não podemos importar estrangeiros para abrir aqui no nosso país Konicas, cervejarias, venda ambulante, barbearias, sapatarias e casas de fazer chaves, ou reciclagem de papel.
Peço as minhas desculpas se algum compatriota se ofendeu, mas esta crónica é apenas um alerta sobre as razões do desempoderamento sócio-económico das famílias angolanas, assunto que reputo muito mais importante do que as mexidas no artigo 120 do estatuto do MPLA. A nacionalidade da produção é mais urgente. É mais premente que o assunto da manutenção do poder. É uma das formas de diminuir a fome que grassa no país.